Um novo estudo realizado por um grupo internacional de cientistas mostra que os antigos caçadores da Sibéria criaram panelas resistentes ao calor para que pudessem cozinhar refeições quentes. Com isso, eles sobreviveram às estações mais severas da era glacial, extraindo graxa e medula nutritiva de ossos. O artigo foi publicado na revista “Quaternary Science Reviews”.

A pesquisa também sugere que não havia um único ponto de origem para a cerâmica mais antiga do mundo.

Os acadêmicos extraíram e analisaram gorduras e lipídios antigos que haviam sido preservados em peças de cerâmica antiga – encontradas em vários locais na área do rio Amur, na Rússia – cujas datas variavam entre 16 mil e 12 mil anos atrás.

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Os pesquisadores também examinaram a cerâmica encontrada na cultura Osipovka, também no rio Amur. A análise provou que a cerâmica de lá havia sido usada para processar peixes, provavelmente salmão migratório, que oferecia aos caçadores locais uma fonte alternativa de alimento durante períodos de grande flutuação climática. Um cenário idêntico foi identificado pelo mesmo grupo de pesquisa nas ilhas vizinhas do Japão.

Lacuna preenchida

O novo estudo demonstra que as panelas de barro mais antigas do mundo estavam sendo fabricadas de maneiras muito diferentes em diversas partes do nordeste da Ásia, indicando um processo “paralelo” de inovação, onde grupos separados que não tinham contato entre si começaram a se mover em direção a tipos semelhantes de soluções tecnológicas para sobreviver.

A autora principal do estudo, Shinya Shoda, do Instituto Nacional de Pesquisa de Propriedades Culturais de Nara, Japão, afirmou: “Estamos muito satisfeitos com esses resultados mais recentes, porque eles fecham uma lacuna importante em nossa compreensão de por que a cerâmica mais antiga do mundo foi inventada em diferentes partes do nordeste da Ásia no período glacial tardio e também as maneiras contrastantes pelas quais ele estava sendo usado por esses antigos caçadores-coletores. (…) Existem alguns paralelos marcantes com a maneira como a cerâmica antiga foi usada no Japão, mas também algumas diferenças importantes que não esperávamos. Isso deixa muitas questões novas que continuaremos com pesquisas futuras”.

Craig, da Universidade de York, com pedaço de uma panela. Crédito: Carl Heron

O professor Oliver Craig, diretor do laboratório BioArch da Universidade de York (Reino Unido), onde a análise foi realizada, disse: “Este estudo ilustra o potencial empolgante de novos métodos na ciência arqueológica: podemos extrair e interpretar os restos de refeições que foram cozidas em mais de 16 mil anos atrás. (…) É interessante que a cerâmica surja durante esses períodos muito frios, e não durante os intersticiais relativamente mais quentes, quando os recursos florestais , como caça e nozes, estavam mais disponíveis”.

O motivo pelo qual essas panelas foram criadas nos estágios finais da última Era do Gelo há muito tempo é um mistério, assim como os tipos de alimentos que estavam sendo preparados nelas.

Ameaças comuns

O professor Peter Jordan, autor sênior do estudo, do Instituto de Arqueologia da Universidade de Groningen, na Holanda, afirmou: “As descobertas são particularmente interessantes porque sugerem que não havia um ‘ponto de origem’ único para a cerâmica mais antiga do mundo. Estamos começando a entender que tradições muito diferentes de cerâmica estavam surgindo na mesma época, mas em lugares diferentes, e que as panelas estavam sendo usadas para processar conjuntos de recursos muito diferentes. (…) Este parece ser um processo de ‘inovação paralela’ durante um período de grande incerteza climática, com comunidades separadas enfrentando ameaças comuns e alcançando soluções tecnológicas semelhantes”.

A última Era Glacial atingiu seu ponto mais profundo entre 26 mil e 20 mil anos atrás, forçando os humanos a abandonar as regiões do norte, incluindo grandes partes da Sibéria. Por volta de 19 mil anos atrás, as temperaturas começaram lentamente a esquentar de novo, incentivando pequenos grupos de caçadores a voltarem para essas vastas paisagens vazias.