Nascido numa família que construiu um poderoso império de negócios, Roberto Klabin formou-se em direito, foi administrador de empresas e empresário.

 

Quando e como você começou a se interessar por questões ambientais?

Foi em 1977, quando eu ainda cursava a faculdade de direito da usp. o fábio feldmann (ex-deputado federal e atualmente consultor em temas ambientais) me convidou para participar do movimento contra a instalação do aeroporto internacional de são paulo na região de caucaia do alto. depois, criamos uma entidade chamada oikos – união dos defensores da terra. começamos, aí por 1982, a lutar contra a caça indiscriminada de jacarés no pantanal, contra as indústrias de cubatão. em seguida, trabalhei na companhia ambiental do estado de são paulo (cetesb), como estagiário de direito – uma experiência muito importante.

A isso se seguiu um momento atribulado de vida: me formei, saí da Cetesb e meu pai morreu. Aí, tive de entrar nas empresas da família. De repente, passei a ser administrador de empresas, e depois virei empresário.

A partir da Oikos, começou a surgir a necessidade da criação de uma entidade que identificasse para o público em geral o que significava a Mata Atlântica. Foi uma ideia do Rodrigo Mesquita (da família proprietária do Grupo Estado), que juntou vários militantes para formar o que se chamou SOS Mata Atlântica, em 1986. Eu me tornei conselheiro fundador e, a partir daí, fui convidado a participar da criação da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, vinculada à Secretaria do Meio Ambiente. Fui seu primeiro presidente; depois de dois anos, afastei-me e voltei para a SOS Mata Atlântica. Lá, o Rodrigo Mesquita me convidou para presidir a entidade, e ocupo o cargo desde 1991. Ainda presidi depois o Fundo Brasileiro de Biodiversidade (Funbio) e hoje trabalho também no Instituto SOS Pantanal, criado em 2009, no qual sou presidente do Conselho Diretor.

Em determinado momento, fui empresário. Depois, fui largando a empresa para me dedicar à questão ambiental. Hoje, sou um executivo de ONG. Tive o privilégio de contar com as condições financeiras adequadas para fazer só o que eu quero e, nos últimos cinco anos, consegui me voltar cada vez mais para essa questão.

Não sou um intelectual no sentido de encontrar caminhos, nem um militante político como o Mário Mantovani (diretor de Mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica), que é ali um elemento fundamental – não fosse ele, não teríamos muito da visibilidade de que dispomos. Eu me considero um elemento interno – trabalho nos bastidores, na organização e no funcionamento da instituição. Quero garantir que ela esteja financeiramente bem, que saiba para onde vai, que seus integrantes estejam motivados e que apresentemos resultados.

 

Como está sendo a experiência com o instituto SOS Pantanal?

É uma oportunidade muito bem-vinda. Sou pantaneiro. Minha família tem uma propriedade lá desde os anos 1950. Tenho lá a Pousada Caiman, desenvolvo projetos de conservação como o Arara Azul, mas nunca havia atuado no geral – sempre no específico. Há cinco anos, o Mário e o Alessandro Menezes – que hoje é diretor executivo do instituto e tem, nele, o papel desenvolvido pelo Mário na SOS Mata Atlântica – me convenceram a fazer muito mais do que lidar apenas com questões pontuais.

O grande diferencial do Brasil em termos turísticos é sua natureza. A despeito de toda a destruição já ocorrida, ainda temos uma quantidade considerável de natureza em estado razoável de conservação. O Pantanal é uma dessas áreas. Mais de 80% da planície pantaneira ainda está intacta. Já no planalto – as áreas que circundam o Pantanal, onde nascem os rios que descem para lá -, 60% da área foi transformada, o que faz dele um dos nossos maiores motivos de preocupação. O Rio Taquari, por exemplo, foi totalmente assoreado, alargou, deixou de ser navegável e transformou grandes áreas produtivas em não produtivas do ponto de vista agropecuário.

Não temos uma política de governo no sentido de valorizar essas questões. A natureza é vista pelos governos de lá apenas como chamariz de algum tipo de preocupação oficial com o tema; não é encarada como um fator de vantagem competitiva para o desenvolvimento. Enfrentamos isso no Pantanal, na Mata Atlântica, no Brasil como um todo.

”Minha família tem uma propriedade no Pantanal desde os anos 1950, desenvolvo projetos como o Arara Azul, mas nunca havia atuado no geral”

Diferentemente da Amazônia, onde apenas cerca de 4% das terras são tituladas e a questão fundiária é complexíssima, praticamente todo o Pantanal é privado. É uma ocupação de mais de 200 anos, uma relação antiga e muito importante com a propriedade privada. As fazendas são grandes – uma de menos de 5 mil hectares já não é sustentável para o tipo de pecuária que tem de ser praticado lá, no qual o gado tem de ser movimentado.

O Pantanal começou a sofrer com a “reforma agrária na cama” – com os filhos, as propriedades eram divididas e foram diminuindo de tamanho, deixando de ser tão produtivas e rentáveis. No final, os donos tiveram de vender as terras para compradores que, sem conexões culturais com a região e com foco na produtividade, tendem a aumentar a pressão sobre o meio ambiente. Isso tudo conspira contra o Pantanal. Faltam ali informação, instrumentos, legislação – faltam paradigmas.

 

De qualquer modo, o Pantanal hoje é uma área privada, na qual muitos dos donos, mesmo não ligados mais diretamente à cultura pantaneira, zelam pelo seu patrimônio e podem ser motivados a conservá-lo melhor. Outro lado positivo é que, com “apenas” 140 mil quilômetros quadrados no Brasil, o Pantanal é uma área na qual – em comparação com a imensidão e a complexidade da Amazônia ou da Mata Atlântica original – dá para estabelecer um trabalho com prazo, metas e indicadores e obter resultados.

Várias ONGs desenvolvem ali projetos pontuais, de conservação, de fauna, de rios. O Alessandro e o Mário recomendaram a criação de uma entidade que não disputasse espaço com elas e que gerasse informações para mobilização. Isso começou com o mapeamento do Pantanal (que ficou pronto há pouco), para entender como ele é, quais são suas ameaças e suas oportunidades -, exatamente como fazemos há 20 anos com a Mata Atlântica, com resultados positivos. A partir daí, vamos renovar o mapeamento a cada dois anos e ter um instrumento de pressão muito importante. Nenhum governador ou prefeito poderá dizer, diante de determinada questão, que “isso não foi na minha gestão”.

Com o primeiro mapeamento, tivemos a ideia de criar uma expedição para conhecer o Pantanal como um todo. Queremos extrair informações e transformar o que há de positivo nelas em boas práticas, em paradigma. Depois, essas práticas serão retransmitidas e ajudarão a educar.

”Mapeamos o Pantanal para entender como ele é, quais são suas ameaças e oportunidades, tal como fizemos com a Mata Atlântica”

Como vai ser a expedição?

O primeiro ano é para nos identificarmos e fazermos parcerias; o segundo, para visitar o Pantanal – montamos mais de dez rotas, por terra, água e ar; no terceiro ano, teremos informações suficientes, que serão transformadas em material compreensível para todos os públicos, do peão ao proprietário ou ao professor.

A expedição poderá originar vários produtos comercializáveis, para gerar mais atenção e recursos, como programas de tevê, um míni-Projeto Rondon, rali, livros e filmes. O produto final é informação para conhecimento, disponibilização de ferramentas para mobilizar a sociedade.

 

E o financiamento para isso?

Estimamos que a expedição custará em torno de R$ 1,5 milhão e estamos procurando patrocinadores. Não considero que seja difícil obter esses recursos, porque os resultados práticos serão muito grandes.

 

Num balanço rápido, quais são as vitórias e as derrotas na SOS Mata Atlântica e no SOS Pantanal ?

No segundo caso, só há vitórias. Tudo que estamos fazendo é a construção do novo, do positivo, de algo que está sendo muito bem recebido. O Alessandro tem na região uma presença política importante, e a primeira coisa que fez foi desarmar o espírito de quem pensava que essa era uma organização que viria para lhe criar mais problemas. Ele esclareceu que o objetivo não era esse, e sim fazer com que todos saibam o que está acontecendo e pensem em melhores caminhos para isso.

Falar de vitórias e derrotas…Eu diria o seguinte: o Brasil ainda está em processo de civilização. A questão ambiental continua a ser vista como um discurso de elite – um discurso daqueles que já superaram suas necessidades básicas e conseguem pensar em outras questões importantes. Nosso maior desafio é levar às pessoas a questão ambiental num discurso que as motive a pensar que estamos nessa luta para melhorar a vida delas. Temos de colocar isso dentro das prioridades delas e, a partir daí, criar um círculo virtuoso que gere consciência e mobilização para podermos atuar. É o que tentamos. As derrotas vêm na nossa inabilidade em saber comunicar e trabalhar isso; as vitórias, na nossa persistência e no sucesso em mudar alguns comportamentos. A Lei da Mata Atlântica, por exemplo, saiu depois de 14 anos de luta da SOS Mata Atlântica. Agora, temos uma batalha terrível contra o desmonte da legislação ambiental brasileira – governos estaduais estão promulgando códigos florestais contrários à lei federal, tudo no sentido de enfraquecer e destruir. Infelizmente, temos políticos que são a cara da nação, e ela precisa se educar.

 

A propósito, falou-se na imprensa de você concorrer como Vice-Presidente na chapa de marina silva , do partido verde, nas eleições deste ano…

Houve uma movimentação nesse sentido, mas já deixei claro que não tenho interesse e que vejo o Guilherme Leal (um dos controladores da Natura) – o candidato da Marina para a vice-presidência – como a figura certa para o cargo.

Conquistei algo muito importante: minha agenda e uma vida privada. Não vou trocar isso por uma vida pública. Se eu tiver cargo público, vou ter inúmeras dificuldades, e posso trabalhar em ONG com muito mais eficiência.

Ser cogitado como vice-presidente é uma grande honra. Quando isso ocorreu, fiz uma egotrip e consultei 40 pessoas que considerava importantes para mim. Ouvi coisas como “Você é louco”, “Pegue isso”, “Se não pegar, é um covarde, porque não estará servindo à Nação”. Foi fantástico. Depois, o ego foi-se acalmando e vi que, para Marina – minha candidata -, a melhor pessoa como vice é o Guilherme Leal. Ele tem os meios, a vontade e a capacidade de enfrentar as adversidades citadas por mim que não estou disposto a enfrentar. Agora, quando vejo essas especulações na imprensa, acho graça.

 

Você comentou numa entrevista em 2007 que estava formatando um projeto ambiental ligado ao mar. Ele avançou ?

Sim, e é um de meus grandes orgulhos. Por volta de 2007, propus ao pessoal da SOS Mata Atlântica: “Temos de nos voltar para o mar, porque o Brasil está de costas para ele.” Nosso mar tem uma biodiversidade fantástica e oportunidades incríveis, mas está totalmente abandonado.

Procuramos o pessoal do Instituto Chico Mendes (ICMBio) e eu lhes disse: “Queremos ter uma atuação no mar, mas uma atuação diferente.

 

”O Alessandro Menezes tem, no instituto SOS Pantanal, o papel de mobilização desenvolvido pelo Mário Mantovani na SOS Mata Atlântica”

Queremos trabalhar por meio de mecanismos financeiros chamados fundos de perpetuidade, ou de endowment.” Ou seja: adotar uma unidade de conservação e, para isso, procurar doadores que repassem uma quantia suficiente a ponto de podermos criar um fundo que permita à unidade de conservação viver dos rendimentos, sem nunca mexer no dinheiro inicialmente aplicado. Com isso, vamos manter o que é básico para a sobrevivência dessa unidade.

Eu disse ao pessoal do ICMBio que gostaria de adotar a Reserva Biológica do Atol das Rocas, que fica entre Fernando de Noronha e a costa e é um tesouro natural…

 

Já o visitou?

Até então, não. “Por que o atol?”, perguntaram. Respondi: “Porque é fácil. Não tem muito interesse envolvido. Lá só mora uma pessoa, a Zelinha (a bióloga Zélia Brito, chefe da reserva), que luta feito uma condenada para manter o lugar.” Ela sofre com o problema das viagens de abastecimento – a cada mês deveria ir um barco até lá para levar mantimentos, trazer o lixo, transportar cientistas, mas ela não tem esse dinheiro; depende de favores da Petrobras, do Projeto Tamar, uma esmola aqui, outra acolá.

 

O atol das rocas virou um paradigma na gestão de unidades de conservação, porque o estado está mostrando para si mesmo que é possível fazer parcerias com a iniciativa privada via ONGs

Propusemos: “Quanto custa adotar o atol?” Responderam: “Por ano, uns R$ 150 mil.” Não estamos falando de funcionário. Levantamos cerca de R$ 2 milhões para o fundo – hoje já estamos em R$ 2,2 milhões. Depois de descontar inflação e outros itens do total, sobraram para aplicação, em 2009 – o primeiro ano em que usaríamos esses recursos -, R$ 60 mil. Com essa quantia, faríamos tudo que precisávamos, porque cada expedição custava R$ 5 mil. Mas nem precisamos disso, porque conseguimos cerca de R$ 600 mil em doações adicionais. Usamos esse dinheiro para construir uma nova base no atol, inaugurada em 2009, e investimos o que sobrou para não mexer no fundo. Aliás, não vamos mexer nele nos próximos dois anos, porque já temos dinheiro sobrando.

Hoje, o atol se tornou um paradigma na gestão de unidades de conservação, porque o Estado está mostrando para ele mesmo que é possível fazer parcerias com a iniciativa privada por meio de ONGs. A aplicação dos recursos é transparente. Criamos um conselho, o Amigos do Atol; ele depositou os recursos na SOS Mata Atlântica, que faz a gestão do dinheiro e o libera para as necessidades da unidade de conservação.

Não damos dinheiro para o governo; contratamos diretamente tudo – as expedições, os serviços -, e o resultado acontece. E exigimos contrapartida do governo. Mas, no ano passado, ele pôs R$ 1 mil lá… Disseram: “Vocês estão cuidando.” Mas não é isso que esperamos do governo.

Já criamos o próximo projeto na área. Estamos trabalhando com a estação ecológica de Guapimirim, na Baía de Guanabara. No fundo da baía existem manguezais em estado primário espetaculares. Já conseguimos R$ 1,6 milhão para aplicar em programas ali. E estamos identificando outras áreas para a criação de fundos de endowment. Nosso desafio seguinte é Abrolhos, na costa da Bahia. Enfim, estamos atuando em várias frentes, e, para mim, o mar é o maior desafio.

 

Para saber mais

Sites: Fundação SOS Mata Atlântica – www.sosmatatlantica.org.br

Instituto SOS Pantanal – www.sospantanal.org.br