Em agosto, um cargueiro chinês inaugurou uma rota marítima inédita entre a China e a Europa, viajando de Dalian (China) até Roterdã (Holanda) sem passar pelo tradicional Canal de Suez. O Yong Sheng navegou pelo Oceano Ártico, passando ao largo da costa norte da Rússia, um trajeto possível apenas no fim do verão do Hemisfério Norte que economizou duas semanas de viagem e milhares de litros de combustível.

O Ártico é uma das regiões mais afetadas pelo aumento de temperatura gerado pelo aquecimento global. Desde os anos 1980, seus termômetros vêm registrando um esquentamento acima da média do planeta. Mas só nos dois últimos anos o derretimento do gelo permitiu que muitos navios pudessem trafegar por ali.

Em 2010, dez embarcações realizaram a travessia entre a Europa e a Ásia pelo Oceano Ártico. No ano seguinte, o número pulou para 34 e em 2012, para 46. Em 2013, o Yong Sheng será um dos 250 navios que deverão passar pelas rotas do Polo Norte. A empresa chinesa Cosco, responsável pela viagem, está empolgada com o trajeto, apelidado de “rota de ouro”. O entusiasmo reflete o interesse crescente de nações e de empresas no potencial de navegabilidade da região e justifica mais investimentos em uma nova geração de navios quebra-gelos.

Nova tecnologia

Navegar no Ártico é uma missão difícil. A maioria dos navios precisa ser assessorada por embarcações quebra-gelos, que abrem caminho entre as camadas congeladas do oceano. Atualmente, cerca de 60% dos barcos que singram o Ártico são fabricados na Finlândia. O estaleiro Arctech Helsinki é especializado em barcos capazes de enfrentar as condições severas da região, como o Aleksey Chirikov, que corta blocos de gelo de até 25 metros de largura.

Até 2014, a empresa lançará uma nova geração de quebra-gelos, ainda mais modernos. O Baltika terá 76 metros de comprimento por 20 metros de largura, contra 99,9 metros por 21,7 metros do Chirikov. Enquanto os barcos tradicionais rompem as camadas congeladas verticalmente, o Baltika terá um casco curvo, capaz de cortar o gelo movendo-se de lado, num ângulo de 30o. Os novos modelos poderão realizar movimentos circulares, como um compasso, e fazer o trabalho de dois quebra-gelos. A nova tecnologia de corte oblíquo permitirá abrir caminhos de 50 metros de largura, para a passagem de navios de grande porte, tais como petroleiros russos, tornando mais barata a rota das exportações de petróleo pelo Ártico.

Navegação de risco

Como só são acessíveis em setembro, no fim do verão, dificilmente as rotas árticas substituirão linhas comerciais como os canais de Suez e do Panamá, mas a tendência é se tornar mais atrativas. “É cedo para falar de uma rota comercial viável financeiramente. Quando falamos em serviços de navios, precisamos de rotas abertas o ano todo. Mas já podemos pensar em serviços de nicho, como vem acontecendo”, diz Jean-Paul Rodrigue, professor de geografia da Universidade Hofstra, em Nova York, especialista em transportes e logística.

Um estudo recente feito pela UCLA (University of California Los Angeles) em parceria com a NASA, agência espacial norte- americana, prevê que a partir de 2040 até mesmo os navios comuns serão capazes de navegar no mês de setembro em trechos antes inacessíveis – sem a ajuda de quebra-gelos.

A passagem noroeste que conecta o Oceano Atlântico ao Pacífico pela costa do Canadá costuma se abrir apenas a cada sete anos, mas a partir de 2050 se tornará disponível bienalmente, em setembro. Os novos quebra-gelos poderão traçar rotas diretas entre o Pacífico e o Atlântico pelo Ártico, encurtando o caminho em até 40%. “É uma descoberta tão empolgante do ponto de vista econômico, quanto preocupante em termos ambientais”, pondera Laurence Smith, professor de geografia da UCLA responsável pelo estudo.

O impacto ambiental da exploração marítima no Polo Norte ainda é incerto, mas pesquisadores noruegueses apontam para duas possibilidades. “Encurtar a distância da viagem da Ásia para a Europa pelo Ártico diminuirá o consumo de combustível dos navios e reduzirá as emissões de gás carbônico. No entanto, haverá efeitos danosos, como depósito de fuligem (da queima do combustível) na neve e no gelo, que podem acelerar o derretimento”, explica Trond Flisnes Bergh, pesquisador da Det Norske Veritas, fundação norueguesa de gerenciamento de risco, especialista em negócios marítimos.

Fora do fim do verão, o Ártico continuará intransponível no resto do ano. Há outros obstáculos para a navegação, como falta de infraestrutura, de serviços de apoio e até de cartas de navegação, que somados a questões políticas, precisam ser contornados para a atividade marítima na região se consolidar. Mas, ao que tudo indica, tendo em vista o aumento crescente da temperatura do planeta, mares nunca antes navegados ficarão cada vez mais a ver navios.