Neurocientistas reexaminaram centenas de experimentos contraditórios sobre a conexão entre atividade neural e consciência. Eis a conclusão surpreendente a que chegaram: a natureza do experimento determina em grande parte seu resultado.

Pesquisadores reexaminaram 412 experimentos conduzidos anteriormente usando inteligência artificial e descobriram que as escolhas metodológicas dos cientistas realmente determinaram o resultado do experimento – tanto que um algoritmo permitiu que eles previssem qual teoria seria apoiada por cada experimento com 80% de sucesso.

O estudo foi conduzido pela profª Liad Mudrik e pelo doutorando Itay Yaron, da Universidade de Tel Aviv (Israel), em colaboração com a profª Lucia Mellone, do Instituto Max Planck (Alemanha), e o prof. Michael Pitts, do Reed College (EUA). O trabalho foi publicado na revista Nature Human Behavior.

“A grande questão é como a consciência nasce da atividade no cérebro, ou o que distingue entre processamento consciente e processamento inconsciente”, explicou a professora Mudrik. “Por exemplo, se vejo uma rosa vermelha, meu sistema visual processa a informação e informa que há um estímulo vermelho à minha frente. Mas o que me permite – ao contrário de um computador, por exemplo – experimentar essa cor? Nos últimos anos, várias teorias neurocientíficas foram propostas para explicar como a experiência consciente surge da atividade neural. E embora as teorias forneçam explicações totalmente diferentes, cada uma delas foi capaz de reunir evidências empíricas para se justificar, com base em vários experimentos realizados. Reexaminamos todos esses experimentos e mostramos que os parâmetros do experimento realmente determinam seus resultados. A inteligência artificial que usamos sabia prever com uma taxa de sucesso de 80% qual teoria o experimento apoiaria, com base apenas nas escolhas metodológicas dos pesquisadores.”

Quatro grandes teorias

Existem atualmente quatro teorias principais no estudo da consciência – e elas fornecem previsões contraditórias sobre os fundamentos neurais da experiência consciente.

1) A Teoria do Espaço de Trabalho Neuronal Global sustenta que existe uma rede neural central e, quando a informação entra nela, ela está sendo transmitida por todo o cérebro, tornando-se consciente.

2) A Teoria do Pensamento de Ordem Superior afirma que existe um estado neural de ordem superior que “aponta” para a atividade em áreas de nível inferior, marcando esse conteúdo como consciente.

3) Uma terceira teoria, chamada de Teoria do Processamento Recorrente, afirma que a informação que é reprocessada dentro das próprias áreas sensoriais, na forma de processamento recorrente, torna-se consciente.

4) E, finalmente, uma quarta teoria – Teoria da Informação Integrada – define a consciência como informação integrada no cérebro, afirmando que as regiões posteriores são os substratos físicos da consciência.

“Cada uma dessas teorias oferece experimentos convincentes para apoiá-las, de modo que o campo é polarizado, sem uma explicação neurocientífica consensual da consciência”, disse a profª Mudrik.

Diferenças relevantes

Itay Yaron realizou uma análise aprofundada de todos os 412 experimentos projetados para testar as quatro principais teorias e descobriu que eles simplesmente não foram elaborados da mesma maneira. Por exemplo, alguns experimentos focaram em diferentes níveis ou estados de consciência, como um coma ou um sonho, e outros estudaram mudanças no conteúdo de consciência de indivíduos saudáveis. Em alguns experimentos, as métricas de conectividade foram testadas e em outros, não. “Os pesquisadores tomam uma série de decisões à medida que constroem seus experimentos, e demonstramos que essas decisões sozinhas – mesmo sem conhecer os resultados dos experimentos – já predizem qual teoria esses experimentos apoiarão”, disse ele. “Ou seja, essas teorias foram testadas de maneiras diferentes, embora tentem explicar o mesmo fenômeno.”

“Outra de nossas descobertas foi que a grande maioria dos experimentos que analisamos apoiava as teorias, em vez de desafiá-las”, acrescentou Liad Mudrik. “Parece haver um viés de confirmação embutido em nossa práxis científica, embora o filósofo da ciência Karl Popper tenha dito que a ciência avança refutando teorias, e não as confirmando. (…) Além disso, quando você junta todas as descobertas relatadas nesses experimentos, parece que quase todo o cérebro está envolvido na criação da experiência consciente, o que não é consistente com nenhuma das teorias. Em outras palavras, parece que a imagem real é maior e mais complexa do que qualquer uma das teorias existentes sugere. Parece que nenhuma delas é consistente com os dados, quando agregados entre os estudos, e que a verdade está em algum lugar no meio.”