A praia de Anse Source d’Argent, na ilha de La Digue, considerada a mais bonita do arquipélago. Crédito: Tobias Alt, Tobi 87/Wikimedia Commons

O avião estava cheio. Muitos árabes e indianos, com trajes típicos, indicavam que o trecho é rota usual de viajantes dos dois países, que voam a trabalho ou por turismo. Eu e uma amiga vínhamos de 15 ótimos dias viajando pela África do Sul, o que só aumentou a expectativa positiva para o destino seguinte do continente africano: a ilha de Mahé, a maior das 115 que compõem o arquipélago das Seychelles. Localizadas no oeste do Ocea­no Índico, a nordeste de Madagascar, as Seychelles pertenciam ao Reino Unido até 1976, quando conquistaram sua independência.

A área total das ilhas é de apenas 459 km2, pouco menor do que o município de Assis, no interior de São Paulo. Cerca de 92 mil pessoas moram ali, 30% das quais estão em Victoria, a capital, situada em Mahé. Os idiomas oficiais são o francês, o inglês e o crioulo de Seychelles (derivado do francês) – um indicativo de que França e Grã-Bretanha brigaram pela posse dessas terras no passado. Os franceses foram os primeiros a se instalar, em 1756, seguidos pelos britânicos, em 1794. O então representante da França nas ilhas, Jean Baptiste Quéau de Quincy, conseguiu negociar uma capitulação com os novos ocupantes que garantiu uma posição de privilegiada neutralidade aos colonos franceses.

Vizinho das Ilhas Maurício, o arquipélago das Seychelles não deixa nada a desejar em termos de belezas naturais. Praias de água cristalina, areia fofa e branca, cenários estonteantes, tudo como manda o figurino para quem busca um paraíso daquele lado do globo. Mesmo pequeno, o país tem uma biodiversidade que surpreende turistas e pesquisadores. São tartarugas, morcegos e cocos… gigantes! Muitas das espécies de Seychelles são endêmicas, ou seja, só existem lá. Mais do que um conjunto de charmosas ilhas, Seychelles é uma aula de evolução. Metade de seu território natural está preservada até hoje. Aliás, desde 1993 os cidadãos do país têm garantido por lei o direito a viver em um meio ambiente limpo – mas também são obrigados a protegê-lo.

Cena de Victoria, a capital das Seychelles. Crédito: enutzer:Esskay/Wikimedia Commons

Segurança

Desembarcamos em Mahé quase às 11h da noite. Como não encontramos serviços cadastrados de transporte no aeroporto, tivemos de recorrer a um táxi e nos surpreendemos com o valor da corrida: cerca de R$ 180 na cotação da época. A recepcionista do hotel nos informou que o valor estava adequado. Táxis eram realmente caros por lá, mas era possível pegar os ônibus de linha para passear. Mais tarde soubemos que nosso medo foi à toa. O país é seguro para turistas. Ao acordarmos na manhã seguinte, não poderíamos ter tido melhor surpresa. O hotel, no bairro de Anse Forban, era “pé na areia”. O quarto com varanda tinha vista para uma praia que mais parecia um desses cartões-postais ou capas de revistas de viagem.

Além das praias (a eleita pela revista National Geographic como a mais bonita do mundo, Anse Source d’Argent, fica numa ilha vizinha, La Digue), quem vai ao arquipélago das Seychelles também busca ver de perto algumas das criaturas mais fascinantes do planeta: as tartarugas-gigantes. As simpáticas cascudas, que chegam a viver 200 anos e pesar 300 kg, são um dos símbolos do país. As tartarugas-gigantes evoluíram de um grupo de répteis que desapareceu há 250 milhões de anos. No período Cretáceo (de 145 a 65 milhões de anos atrás), algumas espécies atingiram o gigantismo, favorecidas pelo isolamento das ilhas. Hoje, esse gigantismo das tartarugas é observado sobretudo em algumas regiões­ do globo como Galápagos e Seychelles e, embora ainda haja discussões científicas a respeito, acredita-se que cada um desses locais possua espécies próprias.

O que acontece, lembrando as teorias de Darwin, é que ao longo dos anos as espécies vão apresentando mutações que, dependendo do ambiente, são fixadas ou não. Desse modo, nessas ilhas foi possível que as tartarugas-gigantes incorporassem gradativamente as mudanças de tamanho. Com pouca competição por alimentos, a constituição das ilhas graníticas, que oferece o tipo ideal­ de vegetação, e a preservação do meio original e sem ameaças de predadores naturais, as tartarugas-gigantes atravessaram longos períodos sem maiores desafios à sua existência.

Tartaruga-gigante de Seychelles. Crédito: Own work by uploader, http://bjornfree.com/galleries.html
Author Bjørn Christian Tørrissen/Wikimedia Commons

Ação humana

De acordo com o biólogo Justin Gerlach, da Universidade de Cambridge (Reino Unido), por volta de 1800, no entanto, a maioria dessas espécies gigantes desapareceu da natureza. Entre as explicações para isso listadas pelo pesquisador está o fato de que as tartarugas-gigantes demoram a atingir sua maturidade sexual para reproduzir, o que só acontece por volta dos 25 anos. Os animais também colocam muito menos ovos do que outras espécies de tartarugas menores: apenas de 6 a 17 unidades a cada vez. Mas o principal motivo foi mesmo a ação do homem, que caçava o animal para se alimentar.

Num esforço de repovoar as ilhas com seus habitantes mais famosos, existe atualmente um programa de reintrodução das espécies de tartarugas-gigantes. O Seychelles Giant Tortoise Conservation Project é um dos projetos da organização não governamental Nature Protection Trust of Seychelles com esse objetivo. Estima-se que haja atualmente cerca de 2.200 exemplares distribuídos em reservas e livres na natureza. A espécie mais famosa, a tartaruga-gigante-de-aldabra, recebeu esse nome por ser originária do atol mais importante do país. Localizado no sul do arquipélago, o Atol de Aldabra foi designado Patrimônio Natural da Humanidade em 1982. É o maior atol de corais elevados da Terra, impulsionado para cima por forças tectônicas. É também o atol com menor interferência humana em todo o Oceano Índico.

Refúgio para diversas espécies sob risco de extinção, ele tem um valor não apenas ambiental, mas científico também. Diversas pesquisas só são possíveis graças à preservação do local. Nosso primeiro contato com as tartarugas-gigantes foi no jardim botânico de Victoria. Considerado um dos seis mais bonitos do mundo, o lugar abriga espécies nativas de plantas, entre elas o coco-do-mar considerado a maior semente do mundo. Outro morador intrigante é o morcego-gigante, ou raposa voadora de Seychelles. Importante na dispersão de sementes de árvores locais, ele muito provavelmente chegou ao tamanho pelos mesmos processos de evolução e fixação de características mutantes das tartarugas.

Praia de Anse Lazio, na ilha de Praslin. Crédito: Svein-Magne Tunli – tunliweb.no/Wikimedia Commons

Expectativas superadas

No dia seguinte, seguimos para as outras duas ilhas mais frequentadas pelos turistas: La Digue e Praslin. Ambas superaram nossas expectativas. Paisagens exuberantes e praias de tons que vão de verde cristalino ao azul-turquesa encantam pessoas de todas as partes. E nas duas ilhas pudemos ver as tartarugas. Nosso encontro com elas se deu em reservas particulares que se dispõem a ceder espaço e cuidados para a preservação desses animais. Quem vai a Seychelles não pode deixar de conhecer o outro Patrimônio Natural da Humanidade do país.

Tombado pela Unesco desde 1983, o Vallée de Mai, na ilha de Praslin, é uma floresta de mais de 6 mil palmeiras gigantes que levam em média 25 anos para crescer. Seus cocos fazem jus ao tamanho das árvores: atingem até 30 kg cada. Aliás, esses frutos, chamados de cocos-do-mar, estão reproduzidos em todo tipo de suvenires locais. Uma lenda local conta que o vale era originariamente o Jardim do Éden descrito pela Bíblia. Os moradores garantem que não se trata de fábula e que Adão e Eva de fato viveram ali, antes de caírem na tentação da maçã e serem expulsos. Religião à parte, é inevitável reconhecer: o vale e as ilhas das Seychelles parecem mesmo um pedaço do paraíso.