A Estrada de Ferro Madeira- Mamoré ficou conhecida como a Ferrovia do Diabo. Milhares de trabalhadores morreram durante a sua construção.

No centro de Porto Velho, um dos principais símbolos da cidade: três caixas d’água. Vieram dos Estados Unidos no início do século 20, e são chamadas de As Três Marias.

Todo o cansaço da longa viagem – especialmente se ela tiver conexões e se o destino não for a capital – é recompensado pelos encantos de Rondônia, um Estado da região Norte do País que faz limite com o Acre, o Amazonas, o Mato Grosso e a Bolívia. Esta última é uma porta de acesso a concorridos destinos turísticos sul-americanos, como La Paz (Bolívia), Cuzco e Machu Picchu (Peru). Dos 52 municípios que integram o Estado, só pude visitar suas duas cidades mais antigas – a capital, Porto Velho, e a pequenina Guajará-Mirim -, e posso assegurar que elas são singulares e têm charme para dar e vender.

Ponte entre a Amazônia e o Centro-Oeste brasileiro, Rondônia fica em plena Floresta Amazônica – ainda possui dois terços de sua área cobertos por ela, na maior bacia hidrográfica do mundo. Só esse fato dispensa comentários sobre a exuberante beleza do Estado, povoado por uma exótica biodiversidade. Mais cosmopolita, Porto Velho também abriga em seu solo várias preciosidades naturais e históricas. Cruzam-na as águas barrentas do maior afluente da margem direita do Amazonas: o Rio Madeira. Do porto situado em sua margem, há saídas para passeios turísticos de barco. O trajeto mais comum segue até a Corredeira Santo Antônio e dura 45 minutos (é preciso ter um mínimo de dez pessoas). O preço individual é em torno de R$ 15, mas pode aumentar dependendo do percurso e dos serviços – alguns barcos oferecem refeições, bebidas e música ao vivo. Também é do porto que parte a hidrovia que passa por Manaus, a capital do Amazonas, e chega ao Oceano Atlântico. Muitos navios que dali saem seguem rumo a Manaus, numa viagem que pode demorar de três a quatro dias.

Quase em frente ao rio fica uma fascinante relíquia local: a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM). Construída entre 1907 e 1912, a ferrovia de 366 quilômetros de extensão atraiu migrantes do Brasil e do mundo e foi a responsável pelo desenvolvimento da capital no século passado e por ela ter se tornado tão multicultural – por suas ruas transitam várias nacionalidades e, como resultado disso, seus restaurantes oferecem desde peixes até comida chinesa e japonesa, passando pela árabe e pela russa, só para citar algumas.

Durante sua construção, a EFMM foi popularmente apelidada de Ferrovia do Diabo. O motivo? Durante a execução da obra, milhares de pessoas que nela trabalhavam morreram por terem contraído doenças tropicais. Apesar disso, a EFMM teve papel fundamental no desenvolvimento econômico do Estado: unia Porto Velho a Guajará-Mirim, facilitando o escoamento até o Oceano Atlântico das borrachas brasileira e boliviana que seriam exportadas.

Desativados definitivamente em 1972, após terem protagonizado momentos de glória e períodos de total abandono, a estrada de ferro, as locomotivas que nela operavam e os galpões onde funcionavam o museu e a antiga oficina da ferrovia estão sendo recuperados pelos governos federal e municipal. Já concluída, a primeira etapa da obra de revitalização do Complexo Madeira- Mamoré (como é conhecido o conjunto dessas obras) previa a recuperação de dois galpões da antiga estação de Porto Velho. Em breve, um deles abrigará oficinas de teatro, música, dança, artesanato e pintura, além de uma praça de alimentação. No outro funcionarão um centro de convenções e um teatro de arena do lado externo.

O novo visual dos dois armazéns (há um terceiro, que pertence à Marinha) e de duas das “marias-fumaças” que transportavam o látex nos prósperos tempos do ciclo da borracha já pode ser admirado no centro histórico da capital, às margens do Madeira. Mas a etapa mais legal do projeto será quando as locomotivas voltarem a funcionar, constituindo-se em um divertido atrativo turístico – elas percorrerão a antiga ferrovia (também será recuperada), num trajeto aproximado de sete quilômetros da estação até a igrejinha de Santo Antônio, a poucos quilômetros dali.

A capelinha, por si só, já é uma atração à parte de Porto Velho e merece ser conhecida. Sua construção foi concluída em 1914, após o término da construção da EFMM. Situada próxima à Cachoeira de Santo Antônio, a pequenina igreja foi erguida onde existia uma vila, que chegou a ser elevada a município. Com o tempo, o lugar foi decaindo e a população local mudou-se para o entorno da ferrovia, dando origem a Porto Velho.

1 Os mototáxis que circulam na cidade boliviana de Guayaramerín.

2 A estação de trem e o que resta da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré em Guajará-Mirim.

3 A Catedral Sagrado Coração de Jesus, a Igreja Matriz de Porto Velho.

4 Uma das várias aldeias indígenas existentes às margens do Rio Pacaás Novos.

5 Um indiozinho se diverte nas águas do rio que “banha” sua aldeia.

As Três Marias

Além do Complexo Madeira- Mamoré, a cidade preserva, espalhados por suas ruas, vários outros “pedacinhos” de sua história. Percorrer o antigo centro, na parte alta da cidade, é aprender sobre um passado não tão remoto de um dos mais novos Estados brasileiros, que deixou de ser território em 1981. Na Rua Rogério Weber, por exemplo, encontra-se um dos principais símbolos da capital: as três caixas d’água, carinhosamente chamadas de As Três Marias. Os reservatórios foram projetados e construídos pela Chicago Bridge & Iron Works, dos Estados Unidos. O primeiro chegou em 1910, enquanto os outros dois foram erguidos em 1912. Com capacidade média de 200 mil litros cada um, eles abasteceram a cidade com água potável até 1957. Quatro colunas de ferro feitas em treliça sobre fundação de concreto sustentam cada uma das três caixas de água de forma cilíndrica. Os tanques dão nome ao lugar onde se situam: Praça das Caixas d’Água.

Próximo dali, na confluência das ruas Carlos Gomes e Rogério Weber, fica a Casa da Cultura Ivan Marrocos (www.casadaculturaivanmarrocos. wordpress.com). Inaugurada em 2004, funciona diariamente das 8 horas às 18 horas, com exposições de arte, fotografia e outros eventos culturais. Também ficam ali pertinho a Catedral Sagrado Coração de Jesus (Rua Dom Pedro 2º), o Seminário Maior João 23, o setor administrativo da Universidade Federal de Rondônia (até os anos 1970, a construção sediou o primeiro hotel da cidade: o Porto Velho) e o Palácio do Governo, inaugurado em 1954 pelo então presidente da República, Getúlio Vargas.

A capital também possui vários mirantes às margens do Rio Madeira. O do Café Madeira (Rua Major Amarante, 189) é bem agitado, especialmente à noite, quando se torna um animado ponto de encontro. Funciona diariamente a partir das 18 horas e seu cardápio diversificado inclui desde petiscos a elaborados pratos. Sentar em uma de suas mesinhas e assistir ao pôr do sol no Rio Madeira é um espetáculo imperdível. Esse mesmo show também pode ser testemunhado no mirante situado no número 269 da Avenida Sete de Setembro ou mesmo nos bancos das pequenas praças existentes às margens do Madeira.

Embora os bares que funcionam nesses dois mirantes não fiquem abertos e recolham suas mesas de madrugada, também é possível assistir ao astro-rei inaugurar mais um novo dia nesses lugares. Se a fome bater depois disso, é só seguir pela Avenida Sete de Setembro rumo ao Mercado Central, em frente ao Prédio do Relógio. Como o próprio nome sugere, o local comercializa os produtos típicos da região. Mas, ao contrário de outros do gênero, ele tem ainda como um dos seus pontos fortes o café da manhã – tomá-lo ali é um hábito bastante comum da população local.

Porto Velho tem vários outros tesouros por desvendar, como o Mercado Cultural (Rua Barão de Rio Branco com Rua José de Alencar), construção de 1915 onde funcionava o antigo mercado. Destruído por um incêndio em 1966, ele recentemente reabriu suas portas e hoje é palco para eventos culturais. Além dele, há a feira que acontece das 18 horas às 22 horas na Praça Aluízio Ferreira nos fins de semana, com muitas barraquinhas de artesanato, comida e música ao vivo. Por falar nisso, a noite na capital é bem animada. A Avenida Pinheiro Machado é o principal point do agito, concentrando em suas calçadas efervescentes barzinhos, boates e danceterias.

Situado no município de Guajará-Mirim, o hotel de selva Pakaas Palafitas Lodge oferece do deque da sua piscina a deslumbrante visão do encontro dos rios Pacaás Novos e Mamoré.

Morada da paz

A paisagem parece ter sido caprichosamente desenhada pelo tempo. Tudo – rios, céu, fauna e vegetação – está no lugar certo. Ali, a paz tem um endereço: o Pakaas Palafitas Lodge, um hotel de selva situado em Guajará-Mirim, município a 320 quilômetros de Porto Velho. É do deque da piscina do hotel que se pode vislumbrar uma das paisagens naturais mais memoráveis deste país: o encontro dos rios Pacaás Novos e Mamoré (este último dá origem ao Rio Madeira após unir-se ao Rio Beni que vem da Bolívia).

O Pacaás Novos é de um negro intenso. Já o Mamoré é marrom e barrento. Lá adiante, onde a visão se perde nos sinuosos vaivéns da Floresta Amazônica, está a Bolívia. Navegar pelas águas desses rios significa passear no meio de um rico ecossistema, observando árvores centenárias, aves, botos cor-de-rosa e cinza e outras exóticas espécies, num silêncio só quebrado pelo som das revoadas de pássaros. Espalhadas ao longo dos dois rios, várias aldeias indígenas, como a Tanajura. Também chamados de pacaás novos, os índios dessa tribo pertencem à etnia wari’ (significa “nós”, “gente”). Sua cultura é muito rica e o artesanato, repleto de cestarias, é deslumbrante.

Passeios como as visitas a algumas comunidades indígenas, as trilhas, a focagem de jacaré, a pesca esportiva e as idas a Guajará-Mirim (o hotel fica um pouco afastado da cidade) e à Bolívia podem ser combinados na recepção do Pakaas. Em geral, o trajeto é feito de barco.

Guajará-Mirim é um pequeno município com menos de 50 mil habitantes, à beira do Rio Mamoré, na divisa com a Bolívia. No centro de sua principal praça, a Madeira-Mamoré (também chamada de Praça dos Pioneiros), uma locomotiva, com novo visual, resgata os tempos de glória dos seringais. Infelizmente, no mesmo local, a estação de trem erguida no início do século 20 e transformada em museu e outra maria-fumaça são o que mais chama a atenção. A construção onde também funcionava o telégrafo está interditada – o projeto para sua recuperação já foi aprovado, mas a verba das obras não está sendo liberada. Como esse prédio, a outra locomotiva que fica ao lado dele denuncia mais um descaso do governo para com o patrimônio histórico brasileiro: ambos jazem ali entregues à ferrugem e ao abandono.

A Rua 15 de Novembro, a mais importante do município, abriga um centro de artesanato, com cestarias, colares e brincos indígenas, quadros e outros mimos regionais. Guajará-Mirim é uma zona de livre comércio, e perto do porto várias lojas de produtos oferecem artigos importados (exceto bebidas e veículos) com isenção.

Decadente, a cidade boliviana de Guayaramerín, no outro lado do rio, é uma tentação. A travessia de barco para lá custa R$ 4 e a Alfândega, logo na entrada de Guayaramerín, não costuma importunar. Cambistas locais trocam os reais por pesos bolivianos, mas quase todas as lojas aceitam o real. Com o câmbio vantajoso (R$ 1 = 3 pesos bolivianos), um perfume de grife sai em torno de R$ 60; um uísque 12 anos, R$ 40.

Vende-se de tudo, de câmeras fotográficas, notebooks e parafernálias eletrônicas a roupas de cama e mesa, afora as bugigangas oferecidas por camelôs. Os preços atraentes tornam o comércio efervescente, mas as lojas fecham do meio-dia às 14 horas. Por isso, o ideal é fazer as compras logo cedo ou depois do almoço.

1 As locomotivas que percorriam o trecho Porto Velho- Guajará Mirim hoje estão completamente abandonadas.

2 Alguns chalés do Pakaas Palafitas Lodge.

3 A focagem de jacaré, um dos programas disponibilizados pelo hotel de selva.

4 Em Guajará- Mirim, muitas lojas comercializam o artesanato produzido pelos índios da região.

5 O Café Madeira, um dos mirantes de Porto Velho.

Como sua irmã brasileira, Guayaramerín não é grande. As maiores lojas – onde é mais certo achar produtos legítimos – concentram-se em três quarteirões da principal rua de comércio, que começa já na entrada da cidade.

Espalhados nessa área também ficam os táxis bolivianos – as corridas saem em média por R$ 2 (até o mercado, por exemplo). Mesmo que não se queira comprar nada mais distante, vale a pena dar uma volta em um deles. Esses veículos não são convencionais, mas mototáxis: funcionam como uma charrete movida por moto. Mais do que transportar passageiros, conduzem seus tripulantes ao passado, numa lúdica viagem ao mundo mágico da infância, em que os trenzinhos e as motocicletas de brinquedo eram sempre sinônimo de diversão. Uma alegria que agora Rondônia, com a recuperação do Complexo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, tenta resgatar.

Serviço

Para saber mais

Rondônia tem fuso horário de uma hora a menos em relação a Brasília. No horário de verão, os relógios são atrasados duas horas e os bancos funcionam das 8 horas às 14 horas. O clima predominante no Estado é o equatorial, com chuvas abundantes e temperatura média anual de 26ºC.

Informações turísticas: www.setur.ro.gov.br

Como chegar

Via aérea – Voos nacionais até o Aeroporto Internacional de Porto Velho. A Gol oferece voos diretos para Porto Velho, com partidas das principais capitais. Site: www.voegol.com.br

Via terrestre – Via BR-364, em ônibus de linhas comerciais rodoviárias.

Onde ficar

Em Porto Velho:

Aquarius Selva Hotel – Rua México, 2.141, tel. (69) 3225-2525, site: www.aquariushotel.com.br

Amazon Ambassador – Esse criativo e sofisticado cinco-estrelas é um hotel flutuante de luxo que desliza pelo Rio Madeira. Como um hotel convencional, possui restaurante, bar com música ao vivo e academia. Seus quartos são equipados com ar refrigerado, cama king size, frigobar e tevê, entre outras comodidades. Fica na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, 2.270.

Em Guajará-Mirim:

Pakaas Palafitas Lodge – Da piscina, do restaurante e das cabanas frontais desse charmoso hotel de selva, o privilegiado hóspede pode ver o encontro das águas dos rios Mamoré e Pacaás Novos, além de botos cor-de-rosa e cinza que nelas se divertem. Construído sobre palafitas e circundado por mais de dois quilômetros de passarelas suspensas, o hotel disponibiliza transfers e vários passeios para a região. Seu proprietário, Paulo Saldanha, é simpático, culto, educadíssimo e supercarinhoso, assim como toda a sua família. Caixa Postal 141, reservas pelos tels. (69) 3541- 3058 e (69) 9994-3878; site: www.pakaas.com.br