Usando dados do levantamento Dark Energy Survey (DES), pesquisadores internacionais encontraram mais de 300 objetos transnetunianos (TNOs, na sigla em inglês), pequenos planetas localizados nos confins do Sistema Solar, incluindo mais de 100 novas descobertas. Publicado na revista “The Astrophysical Journal Supplement Series”, o estudo também descreve uma nova abordagem para encontrar tipos semelhantes de objetos e pode ajudar a futuras pesquisas pelo hipotético Planeta Nove e outros planetas não descobertos. O trabalho foi liderado pelo brasileiro Pedro Bernardinelli (formado em física na USP), aluno de doutorado da Universidade da Pensilvânia (EUA), e pelos professores Gary Bernstein e Masao Sako, também da Universidade da Pensilvânia.

O objetivo do DES, que completou seis anos de coleta de dados em janeiro, é entender a natureza da energia escura, coletando imagens de alta precisão do céu do hemisfério sul. Embora o DES não tenha sido projetado especificamente para os TNOs, sua abrangência e profundidade de cobertura o tornaram particularmente hábil em encontrar novos objetos além de Netuno. “O número de TNOs que você pode encontrar depende de quanto do céu você olha e qual é a coisa mais fraca que pode encontrar”, diz Bernstein.

Como o DES foi projetado para estudar galáxias e supernovas, os pesquisadores tiveram de desenvolver uma nova maneira de rastrear o movimento. Pesquisas dedicadas a TNOs fazem medições com a frequência de uma ou duas horas, o que permite aos pesquisadores rastrear mais facilmente seus movimentos. “As pesquisas dedicadas a TNOs têm uma maneira de ver os objetos se moverem, e é fácil rastreá-los”, diz Bernardinelli. “Uma das principais coisas que fizemos neste artigo foi descobrir uma maneira de recuperar esses movimentos.”

LEIA TAMBÉM: O nono planeta

Peneira rigorosa

Usando os primeiros quatro anos de dados do DES, Bernardinelli começou com um conjunto de dados de 7 bilhões de “pontos”, todos os objetos possíveis detectados pelo software que estavam acima dos níveis de fundo da imagem. Ele então removeu quaisquer objetos presentes em várias noites – coisas como estrelas, galáxias e supernovas – para criar uma lista “transitória” de 22 milhões de objetos antes de iniciar um jogo massivo de “ligar os pontos”, procurando pares ou triplos próximos dos objetos detectados para ajudar a determinar onde o objeto apareceria nas noites subsequentes.

Os 7 bilhões de pontos iniciais foram reduzidos a uma lista de cerca de 400 candidatos, vistos em pelo menos seis noites de observação. “Temos essa lista de candidatos e temos que garantir que nossos candidatos sejam realmente reais”, diz Bernardinelli.

Com o objetivo de filtrarem sua lista de candidatos até os TNOs reais, os pesquisadores voltaram ao conjunto de dados original para ver se conseguiam encontrar mais imagens do objeto em questão. “Digamos que encontramos algo em seis noites diferentes”, diz Bernstein. “Para os TNOs que existem, nós os apontamos por 25 noites diferentes. Isso significa que há imagens onde esse objeto deveria estar, mas elas não conseguiram superar o primeiro passo de ser chamadas de ponto.”

Bernardinelli desenvolveu uma maneira de empilhar várias imagens para criar uma visão mais nítida, o que ajudou a confirmar se um objeto detectado era um TNO real. Os pesquisadores também verificaram que seu método foi capaz de detectar TNOs conhecidos nas áreas do céu em estudo e de detectar objetos falsos que foram injetados na análise. “A parte mais difícil foi tentar garantir que encontrássemos o que deveríamos encontrar”, diz Bernardinelli.

Órbitas superlongas

Após muitos meses de desenvolvimento e análise de métodos, os pesquisadores encontraram 316 TNOs, incluindo 245 descobertas feitas pelo DES e 139 novos objetos que não foram publicados anteriormente. Com apenas 3 mil objetos conhecidos atualmente, esse catálogo DES representa 10% de todos os TNOs conhecidos.

Plutão, o TNO mais conhecido, está 40 vezes mais distante do Sol do que a Terra, e os TNOs encontrados a partir dos dados do DES variam de 30 a 90 vezes a distância da Terra ao Sol. Alguns desses objetos estão em órbitas extremamente longas, que os levarão muito além de Plutão.

Agora que o DES está completo, os pesquisadores estão executando novamente sua análise em todo o conjunto de dados reunido, desta vez com um limite mais baixo para a detecção de objetos no primeiro estágio de filtragem. Isso significa que há um potencial ainda maior para encontrar novos TNOs, possivelmente até 500, com base nas estimativas dos pesquisadores, em um futuro próximo.

Base para novas buscas

O método desenvolvido por Bernardinelli também pode ser usado para procurar TNOs nas próximas pesquisas de astronomia, incluindo o novo Observatório Vera C. Rubin, no Chile. Esse observatório examinará todo o céu meridional e poderá detectar objetos ainda mais fracos e mais distantes do que o DES. “Muitos dos programas que desenvolvemos podem ser facilmente aplicados a outros grandes conjuntos de dados, como o que o Observatório Rubin produzirá”, diz Bernardinelli.

Esse catálogo de TNOs também será uma ferramenta científica útil para pesquisas sobre o Sistema Solar. Como o DES coleta um amplo espectro de dados sobre cada objeto detectado, os pesquisadores podem tentar descobrir de onde o TNO se originou, uma vez que se espera que objetos que se formam mais próximos do Sol tenham cores diferentes das originadas em regiões mais distantes e mais frias. E, estudando as órbitas desses objetos, os pesquisadores podem estar um passo mais perto de encontrar o Planeta Nove, um planeta hipotético do tamanho de Netuno que se pensa existir além de Plutão.

“Há muitas ideias sobre planetas gigantes que costumavam estar no Sistema Solar e não existem mais, ou planetas distantes e massivos, mas muito fracos para que ainda não tenhamos percebido”, diz Bernstein. “Criar o catálogo é a parte divertida da descoberta. Então, quando você cria esse recurso, pode comparar o que encontrou com o que a teoria de alguém disse que deveria encontrar.”