Torre de apartamentos e fazenda vertical de 127 andares, projetada para o Lago Michigan, em Chicago.

No futuro, quem quiser comprar morangos poderá ir a um arranha-céu de 30 andares envidraçados, ao lado de casa, e procurar em cada piso a produção do cultivo da sua escolha. O prédio será urbaníssimo, mas até certo ponto: trata-se, mesmo, de uma roça high tech produtora, o ano todo, de alface, espinafre, ervas aromáticas, frutas, legumes, frangos e peixes. A cena pode parecer ficção científica, mas para os idealizadores das fazendas verticais deverá ser realidade em curto prazo.

Sete bilhões de bocas para alimentar serão provavelmente 9 bilhões em 2050. Como arranjar comida para todos? As áreas de cultivo serão cada vez mais escassas, longínquas e a demanda de produção, cada vez maior. Se o ser humano vive em residências alinhadas verticalmente para aproveitar o espaço urbano, por que não usar o mesmo conceito para a agricultura? As fazendas verticais serão o próximo passo.

Dickson Despommier: era arranhacéus agrícolas.

A ideia de agricultura intensiva em canteiros verticais existe pelo menos desde o início do século 20, mas o conceito de um sistema agrícola fechado em arranha-céu foi proposto pela primeira vez pelo ecólogo norte-americano Dickson Despommier, professor de microbiologia da Universidade de Columbia, em Nova York, autor do livro the vertical farm.

“As pessoas que são contra as fazendas verticais são do mesmo tipo das que eram contra o voo tripulado porque Deus não nos deu asas.”

Em 1999, Despommier lançou um desafio aos seus alunos: adaptar as hortas urbanas existentes nos telhados de prédios da cidade de Nova York para alimentar o maior número possível de habitantes. Em suas pesquisas, ele calculou que uma fazenda vertical instalada num edifício de 30 andares poderia alimentar 50 mil pessoas. Se o número de prédios fosse multiplicado, seria possível alimentar uma cidade inteira.

Teoria e prática

A ideia já foi adotada por diversos arquitetos ao redor do mundo, que imaginaram projetos futurísticos de prédios verdes, nas quais o urbano e o rural se misturam. Na prática, entretanto, nenhum arranha-céu agrícola já foi construído. A viabilidade comercial do empreendimento não foi demonstrada, sobretudo tendo em vista o alto custo do metro quadrado urbano e os gastos de energia dos projetos. A especulação imobiliária não dá sinal de perder a rentabilidade para a produção agrícola.

As fazendas verticais de Despommier são arranha-céus de 30 andares, onde plantas e animais são criados em ambiente fechado, com temperatura, umidade, emissão de gás carbônico e iluminação controladas. Na teoria, poderiam produzir mais e de maneira mais ecológica do que os métodos usados pela agricultura tradicional. A principal vantagem é a proximidade com o consumidor, diminuindo os custos de transporte e as emissões de gases de efeito estufa decorrentes.

Fazenda vertical em Suwon, na Coreia do Sul.

Em tese, todas as plantas cultiváveis por hi&#100roponia – o cultivo sem solo, em solução de água e nutrientes minerais – seriam aceitas nas fazendas verticais. De acordo com os defensores do conceito, o consumo de água seria 90% menor do que na agricultura tradicional. Em alguns casos também podem ser usadas técnicas de aeroponia – o cultivo de plantas com raízes aéreas alimentadas por gotas de nutrientes.

É claro que a inexistência de fazendas verticais em operação alimenta o ceticismo dos críticos. A calefação e a iluminação artificial por meio de lâmpadas LEDs, em substituição à luz do sol, consomem muita energia, em vários países proveniente da queima de combustíveis fósseis, o que encareceria o projeto em termos econômicos e ecológicos. “Antes de qualquer coisa, devem ser feitos testes em fazendas-protótipo; a Coreia do Sul e o Japão já estão fazendo isso”, afirma Despommier à PLANETA.

Abaixo, alguns alimentos que o Living Skycraper propõe produzir, evitando viagens de mais de 3 mil quilômetros até Chicago

Na opinião do pesquisador, “as previsões de alguns céticos sobre algo que desconhecem não contribuem em nada para a questão”. Existem engenheiros trabalhando com alternativas para o problema da energia, mas “as plantas necessitam apenas de uma parcela reduzida do espectro visível da luz, o que pode economizar muita energia”. Quanto à viabilidade da ocupação de áreas urbanas valorizadas, o benefício ecológico acabará se impondo às “externalidades” da produção agrícola, tais como a distância dos centros de consumo, o encarecimento da água e as emissões de carbono, acredita o biólogo.

Sistema fechado

Numa fazenda vertical, todos os elementos que contribuem para o crescimento da planta são controlados, permitindo uma produção regular constante, em todos os meses do ano, mesmo durante intempéries. O ambiente protegido assegura outra vantagem: uso reduzido de agrotóxicos. “A fazenda vertical é um circuito fechado, portanto podemos impedir a entrada de certas pragas, construindo-a de forma apropriada, em ambiente seguro e controlado, tal como hospitais”, exemplifica Despommier.

Projeto Vertical Fields, em Londres.

Projetos menores, em pequena escala, estão sendo criados em várias cidades. Alguns são grandes estufas térreas com plantas dispostas verticalmente e movimentadas para obter a mesma iluminação solar; outras são cultivos em ambientes fechados, com dois ou três andares, sem luz do sol, inspirados na ideia do vertical farming, mas longe dos 30 andares imaginados por Despommier.

A empresa holandesa PlantLab cultiva, em Den Bosch, morangos, milho, pepinos e pimentas sob a luz azul e vermelha de LEDs, controlados por computador. Em Suwon, na Coreia do Sul, funciona uma próspera fazenda de alfaces em um prédio de três andares. Em Kyoto, a empresa japonesa Nuvege produz alimentos em 5.2 mil m2 de plataformas hi&#100ropônicas que funcionam 365 dias por ano em qualquer ambiente do mundo.

Plataformas verticais em Paignton, na Inglaterra.

Em Paignton, na Inglaterra, o jardim zoológico local decidiu usar o conceito para produzir verduras para os animais. O sucesso levou o coordenador do Departamento de Áreas Verdes, Kevin Frediani, a ampliar a produção para atender também ao restaurante do parque. “Estamos muito contentes e recomendamos a outros zoológicos que cultivem sua própria comida por meio dessa técnica ou com outras formas de agricultura sustentável”, afirma Frediani. “Nossos focos ao escolher o método foram o custo reduzido, o alto valor nutritivo e o ganho ambiental para os animais do zoológico”, completa.

Agricultura na margem do Rio Sena, em Paris.

Nova York é muitas vezes citada como modelo do futuro para as fazendas verticais idealizadas por Despommier, mas São Paulo também é vista como outro local ideal para a implantação dos edifícios verdes. O arquiteto Rafael Grinberg Costa projetou a implantação de fazendas verticais para a cultura hi&#100ropônica de verduras e legumes na área dos antigos edifícios São Vito e Mercúrio, ao lado do Mercado Municipal, no centro da capital paulista. “Existe uma grande aceitação do projeto, tanto em termos políticos quanto junto à população. Também há cidades de pequeno por porte interessadas”, garante Grinberg.

Fazenda vertical proposta para a área do Edifício São Vito, em São Paulo.

Recentemente, o arquiteto paulista prestou uma consultoria para a Associação de Amigos e Moradores do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, para transformar o edifício do antigo Hospital IV Centenário em fazenda vertical, mas o projeto foi abandonado e o prédio continua vazio. “O Brasil pode ser o primeiro país a implantar uma verdadeira fazenda vertical. Se investir no conceito, poderá replicá-lo e vender a tecnologia para outros países”, afirma o arquiteto.

 

Projeto Skyfarm em Toronto.

As propostas de Despommier atraíram a atencão de inúmeros escritórios de arquitetura, como o do norte-americano Blake Kurasec, autor do projeto Living Skycraper – uma torre de 127 andares construída numa ilha artificial de 117 mil m2 no Lago Michigan, em frente a Chicago, com apartamentos residenciais, fazendas agrícolas, um mercado popular e marinas. Alguns dos alimentos propostos para cultivo no edifício viajam mais de três mil quilômetros para chegar a Chicago.

“Se o Brasil investir no conceito, poderá replicá-lo e vender tecnologia de fazendas verticais para outros países.”