Animais e plantas costeiras encontraram uma nova maneira de sobreviver no oceano aberto: colonizando a poluição do plástico. Um comentário publicado na revista Nature Communications elaborado por pesquisadores do Smithsonian Environmental Research Center, do Williams College, do Instituto de Oceanografia Scripps, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade de Washington (EUA) e do Instituto de Ciências Oceânicas, Pesca e Oceanos da Colúmbia Britânica (Canadá) relata espécies costeiras crescendo em lixo centenas de quilômetros mar adentro no Giro Subtropical do Pacífico Norte, mais comumente conhecido como “Grande Mancha de Lixo do Pacífico”.

“As questões do plástico vão além da ingestão e do emaranhamento”, disse Linsey Haram, principal autora do artigo e ex-bolsista do Smithsonian Environmental Research Center (Serc). “Está criando oportunidades para a biogeografia das espécies costeiras se expandir muito além do que pensávamos ser possível.”

Os giros de plástico oceânico se formam quando as correntes de superfície conduzem a poluição do plástico das costas para regiões onde correntes giratórias prendem os objetos flutuantes, que se acumulam com o tempo. O mundo tem pelo menos cinco giros infestados de plástico, ou “manchas de lixo”. O Giro Subtropical do Pacífico Norte, entre a Califórnia e o Havaí, contém o plástico mais flutuante, com uma estimativa de 79.000 toneladas métricas de plástico flutuando em uma região de mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados. Embora “mancha de lixo” seja um nome impróprio – grande parte da poluição consiste em microplásticos, pequenos demais para serem vistos a olho nu –, detritos flutuantes como redes, boias e garrafas também são arrastados para os giros, carregando com eles organismos provenientes de suas casas costeiras.

Linsey Haram, bióloga marinha que estuda organismos no plástico do oceano, em uma expedição à Colúmbia Britânica. Crédito: Stephen Page
Novo oceano aberto

Os autores chamam essas comunidades de neopelágicas. “Neo” significa novo e “pelágico” se refere ao oceano aberto, em oposição à costa. Os cientistas começaram a suspeitar que as espécies costeiras poderiam usar plástico para sobreviver no oceano aberto por longos períodos após o tsunami japonês de 2011, quando descobriram que cerca de 300 espécies haviam feito rafting por todo o Pacífico em destroços do tsunami ao longo de vários anos. Mas até agora, eram raros os avistamentos confirmados de espécies costeiras em plástico diretamente no oceano aberto.

Para essa descoberta, Haram se associou ao Ocean Voyages Institute, uma organização sem fins lucrativos que coleta poluição por plástico em expedições à vela, e a dois oceanógrafos da Universidade do Havaí em Manoa (EUA). Os oceanógrafos Jan Hafner e Nikolai Maximenko criaram modelos que podiam prever onde o plástico tinha maior probabilidade de se acumular no Giro Subtropical do Pacífico Norte. Eles compartilharam essa informação com o Ocean Voyages Institute.

Segundo Haram – agora membro da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) –, uma vantagem do Ocean Voyages Institute é a baixa pegada de carbono de seus navios. “Pode ser necessária muita energia para chegar ao meio do oceano com um barco movido a combustível fóssil”, disse ela. “Então, eles usam grandes navios a vela para percorrer e remover plásticos do oceano aberto.”

Durante o primeiro ano da pandemia de covid-19, a fundadora do Ocean Voyages Institute, Mary Crowley, e sua equipe conseguiram coletar um recorde de 103 toneladas de plásticos e outros detritos do Giro Subtropical do Pacífico Norte. Ela enviou algumas dessas amostras para o Laboratório de Invasões Marinhas do Serc. Lá, Haram analisou as espécies que os colonizaram. Ela encontrou muitas espécies costeiras – incluindo anêmonas, hidroides e anfípodes semelhantes aos camarões – não apenas sobrevivendo, mas prosperando, em plástico marinho.

Anika Albrecht, do Ocean Voyages Institute, em uma expedição de 2020 coletando plástico no Giro Subtropical do Pacífico Norte, onde serviu como Imediata. Crédito: Ocean Voyages Institute 2020 Gyre Expedition
Mar de perguntas

Para os cientistas marinhos, a própria existência dessa comunidade de “novo oceano aberto” é uma mudança de paradigma.

“O oceano aberto não era habitável para organismos costeiros até agora”, disse Greg Ruiz, cientista sênior do Serc que chefia o Laboratório de Invasões Marinhas onde Haram trabalhou. “Em parte por causa da limitação do habitat – não havia plástico lá no passado – e em parte, pensamos, porque era um deserto de comida.”

A nova descoberta mostra que as duas ideias nem sempre são verdadeiras. O plástico está fornecendo o habitat. E, de alguma forma, esses inesperados praticantes de rafting estão encontrando comida. Ruiz disse que os cientistas ainda estão especulando exatamente como – se eles derivam para os pontos mais salientes de produtividade existentes no giro ou porque o próprio plástico age como um recife, atraindo mais fontes de alimento.

Agora, os cientistas têm outra mudança com a qual lutar: como esses rafters costeiros podem sacudir o meio ambiente. O oceano aberto tem muitas espécies nativas, que também colonizam detritos flutuantes. A chegada de novos vizinhos costeiros pode perturbar ecossistemas oceânicos que permaneceram inalterados por milênios.

“As espécies costeiras estão competindo diretamente com esses rafters oceânicos”, disse Haram. “Eles estão competindo por espaço. Eles estão competindo por recursos. E essas interações são mal compreendidas.”

Luz Quiñones, do Laboratório de Invasões Marinhas do Serc, analisa uma mistura de organismos costeiros (o hidroide Aglaophenia pluma) e organismos de oceano aberto (cracas Lepas) em uma rede colonizada. Crédito: Instituto Smithsonian
Espécies invasoras

E existe a ameaça das espécies invasoras. Os cientistas já viram isso começar a se manifestar com os destroços do tsunami japonês, que transportou organismos do Japão para a América do Norte. Vastas colônias de espécies costeiras flutuando no oceano aberto por anos a fio poderiam atuar como um novo reservatório, dando aos rafters costeiros mais oportunidades de invadir novos litorais.

“Essas outras costas não são apenas centros urbanos… Essa oportunidade se estende a áreas mais remotas, áreas protegidas, ilhas havaianas, parques nacionais, áreas marinhas protegidas”, disse Ruiz.

Os autores ainda não sabem o quão comuns são essas comunidades “neopelágicas”, se podem se sustentar ou se existem fora do Giro Subtropical do Pacífico Norte. Mas a dependência mundial do plástico continua a crescer. Os cientistas estimam que o lixo plástico global acumulado pode chegar a mais de 25 bilhões de toneladas métricas até 2050. Com tempestades mais violentas e frequentes no horizonte graças às mudanças climáticas, os autores esperam que ainda mais desse plástico seja jogado no mar. As colônias de rafters costeiros em alto-mar provavelmente só crescerão. Esse efeito colateral há muito esquecido da poluição do plástico, disseram os autores, pode em breve transformar a vida na terra e no mar.