Fósseis de pequenos plesiossauros, répteis marinhos de pescoço comprido da era dos dinossauros, foram encontrados em um sistema fluvial de 100 milhões de anos que hoje é o deserto do Saara, no Marrocos. Essa descoberta sugere que algumas espécies de plesiossauros, tradicionalmente considerados criaturas marinhas, podem ter vivido em água doce.

Encontrados pela primeira vez em 1823 pela caçadora de fósseis Mary Anning, os plesiossauros eram répteis pré-históricos com cabeças pequenas, pescoços longos e quatro longas nadadeiras. Eles inspiraram reconstituições do Monstro do Loch Ness, mas, ao contrário do animal mítico do lago escocês, os plesiossauros eram animais marinhos – ou eram assim amplamente considerados.

Agora, cientistas da Universidade de Bath e da Universidade de Portsmouth (ambas no Reino Unido) e da Universidade Hassan II (Marrocos) descreveram pequenos plesiossauros de um rio do Cretáceo na África.

Companhia do espinossauro

Os fósseis incluem ossos e dentes de adultos de três metros de comprimento e um osso do braço de um bebê de 1,5 metro de comprimento. Eles sugerem que essas criaturas viviam e se alimentavam rotineiramente em água doce, ao lado de sapos, crocodilos, tartarugas, peixes e o enorme dinossauro aquático espinossauro.

Esses fósseis sugerem que os plesiossauros se adaptaram para tolerar água doce, possivelmente até passando suas vidas lá, como os golfinhos de hoje.

O novo artigo foi liderado por Georgina Bunker, graduanda da Universidade de Bath, com Nick Longrich, do Milner Center for Evolution da Universidade de Bath, David Martill e Roy Smith, da Universidade de Portsmouth, e Samir Zouhri, da Universidade Hassan II.

Silhuetas de plesiossauros encontrados em Kem Kem, no Marrocos. Crédito: Universidade de Bath

Importância dos dentes

Os fósseis incluem vértebras do pescoço, costas e cauda, ​​dentes caídos e um osso do braço de um animal jovem.

“É uma coisa confusa, mas ossos isolados realmente nos dizem muito sobre ecossistemas antigos e animais neles. Eles são muito mais comuns do que esqueletos, eles fornecem mais informações para você trabalhar”, disse o dr. Nick Longrich, autor correspondente do estudo. “Os ossos e dentes foram encontrados espalhados e em diferentes localidades, não como um esqueleto. Portanto, cada osso e cada dente é um animal específico. Temos mais de uma dúzia de animais nesta coleção.”

Enquanto os ossos fornecem informações sobre onde os animais morreram, os dentes são interessantes porque foram perdidos enquanto o animal estava vivo – então eles mostram onde os animais viviam.

Úmero de plesiossauro. Crédito: Universidade de Bath

Tolerância à água doce

Além do mais, os dentes mostram um desgaste pesado, como aqueles espinossauros comedores de peixes encontrados nas mesmas camadas.

Os cientistas dizem que isso implica que os plesiossauros estavam comendo a mesma comida – lascando os dentes nos placodermos (peixes cobertos por placas dérmicas) que viviam no rio. Isso sugere que eles passavam muito tempo no rio, em vez de serem visitantes ocasionais.

Enquanto animais marinhos como baleias e golfinhos vagam pelos rios, seja para se alimentar ou porque estão perdidos, o número de fósseis de plesiossauros no rio sugere que isso é improvável. Uma possibilidade mais provável é que os plesiossauros fossem capazes de tolerar água doce e salgada, como algumas baleias, entre elas a beluga.

Mapa de ocorrência de animais da família do plesiossauro no mundo. Crédito: Universidade de Bath

Assunto controverso

É até possível que os plesiossauros residissem permanentemente no rio, como os botos modernos. O pequeno tamanho dos plesiossauros permitiria a eles caçar em rios rasos, e os fósseis mostram uma fauna de peixes incrivelmente rica.

“Realmente não sabemos por que os plesiossauros estavam em água doce”, disse Longrich. “É um pouco controverso, mas quem pode dizer que, porque nós paleontólogos sempre os chamamos de ‘répteis marinhos’, eles tinham de viver no mar? Muitas linhagens marinhas invadiram a água doce.”

Os golfinhos de água doce evoluíram pelo menos quatro vezes – no rio Ganges, no rio Yangtze e duas vezes na Amazônia. Uma espécie de foca de água doce habita o Lago Baikal, na Sibéria, por isso é possível ter havido plesiossauros adaptados também à água doce.

O plesiossauro marroquino pertence à família Leptocleididae – uma família de pequenos plesiossauros frequentemente encontrados em água salobra ou doce em outras partes da Inglaterra, África e Austrália. E outros plesiossauros, incluindo os elasmossauros de pescoço comprido, apareciam em águas salobras ou doces na América do Norte e na China.

Os plesiossauros eram um grupo diversificado e adaptável e existiram há mais de 100 milhões de anos. Com base no que encontraram na África – e no que outros cientistas encontraram em outros lugares –, os autores do estudo sugerem que eles podem ter invadido repetidamente a água doce em diferentes graus.

Diversidade no Cretáceo do Marrocos

“Realmente não sabemos, honestamente”, afirmou Longrich. “É assim que a paleontologia funciona. As pessoas perguntam: como os paleontólogos podem saber algo com certeza sobre a vida dos animais que foram extintos há milhões de anos? A realidade é que nem sempre podemos. Tudo que podemos fazer é elaborar suposições fundamentadas com base nas informações que temos. Encontraremos mais fósseis. Talvez eles confirmem essas suposições. Talvez não.”

“Tem sido muito interessante ver a direção que este projeto tomou”, disse Georgina Bunker. O estudo começou inicialmente como um projeto de graduação envolvendo um único osso, mas, com o tempo, mais fósseis de plesiossauros começaram a aparecer, fornecendo lentamente uma imagem mais clara do animal.

A nova descoberta também expande a diversidade do Cretáceo no Marrocos. “Esta é outra descoberta sensacional que se soma às muitas descobertas que fizemos em Kem Kem nos últimos 15 anos de trabalho nesta região do Marrocos”, disse o dr. Samir Zouhri. “Kem Kem foi realmente um incrível hotspot de biodiversidade no Cretáceo.”

“O que me surpreende”, disse o coautor Dave Martill, “é que o antigo rio marroquino continha tantos carnívoros, todos vivendo lado a lado. Este não era um lugar para nadar”.

Mas o que tudo isso significa para o Monstro do Loch Ness? Em um nível, ele é plausível. Os plesiossauros não estavam confinados aos mares, eles habitavam água doce. Mas o registro fóssil também sugere que depois de quase 150 milhões de anos, os últimos plesiossauros finalmente morreram ao mesmo tempo que os dinossauros, 66 milhões de anos atrás.