Plutão, planeta anão distante quase 5 bilhões de quilômetros (km) da Terra, tem uma temperatura superficial média de -230 graus Celsius (°C) e pode ser constituído por uma proporção maior de rochas do que os 60% a 70% já estimados – o restante é gelo. Essa possibilidade o tornaria mais parecido com Tritão, uma das luas de Netuno, e menos parecido com Calisto e Europa, as luas geladas de Júpiter com as quais tem sido comparado. Tritão deve ter cerca de 75% de rocha e ferro e Calisto, 60%.

Geólogos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) chegaram a essa conclusão após analisar imagens de 237 crateras de impacto – resultantes de colisões dos objetos do chamado cinturão de Kuiper, formado por milhares de asteroides e planetas anões – com diâmetros entre 5 km e 60 km de regiões a oeste da planície Sputnik, conhecida como o coração de Plutão. A pesquisa foi detalhada em um artigo publicado em janeiro na revista “Remote Sensing”.

O grupo usou imagens feitas em 2015 pela sonda New Horizons, da Nasa, a agência espacial norte-americana. Os pesquisadores analisaram diâmetro, profundidade, formato da base e elevação central das crateras para obter o chamado valor do diâmetro de transição, que separa as crateras simples (menores e com formato de uma tigela) das complexas (maiores e com um pico central).

Indícios de diferenças na composição

“Processos geológicos produzidos pelo calor remanescente do impacto de meteoritos podem durar milhões de anos e são maiores em crateras complexas de grandes dimensões”, diz o geólogo Álvaro Crósta, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, orientador do estudo. Segundo ele, como na parte central da cratera, onde se forma a elevação, circulam células hidrotermais [de água quente], estudos detalhados sobre um lugar tão distante poderiam indicar os melhores pontos para uma sonda espacial pousar em busca de eventuais sinais de vida, ainda que improváveis sob as condições de temperatura de Plutão.

Crateras de Plutão com halos brilhante (em preto e branco), que correspondem a áreas de maior concentração de gelo de metano (em lilás). Crédito: Nasa/JHUAPL/SwRI

Em Plutão, as crateras acima da linha do equador tinham um diâmetro de transição de cerca de 10 km, enquanto as localizadas ao sul, de 15 km. “Os principais fatores que determinam o diâmetro de transição em cada corpo são a gravidade e a composição da sua superfície”, diz Crósta. Segundo ele, como a gravidade em Plutão é constante, o que pode variar é a resistência do terreno, em consequência de diferentes proporções de rocha e gelo nas regiões analisadas.

Os resultados são um pouco maiores que os 10 km de diâmetro de transição propostos em artigo publicado em 2020 na revista “Icarus” por pesquisadores da Nasa com base em uma amostra menor, de 131 crateras. Projeções anteriores de outros grupos de pesquisa eram ainda menores, de cerca de 4 km. “Com os resultados mais recentes, algumas regiões da crosta de Plutão devem conter ainda mais rocha do que se imaginava”, diz o geólogo Caio Villaça, autor principal do artigo que resultou de seu trabalho de mestrado, apoiado pela Fapesp.

Estrutura parecida

“Esses dados podem indicar que Plutão e Tritão teriam uma estrutura interna parecida, além da superfície e da atmosfera, composta principalmente de metano e nitrogênio. Seria mais um indício de que os dois corpos tiveram uma origem similar”, sugere o astrônomo Gustavo Rossi, em estágio de pós-doutorado no Observatório de Paris, que não participou do estudo.

Em 2014, em um artigo na “Astronomy & Astrophysics”, ele propôs uma correção de aproximadamente 40 mil km na posição de Plutão, após analisar sua órbita com base em dados coletados de 1995 a 2013 por três telescópios do Observatório do Pico dos Dias, em Minas Gerais.

Ilustração artística da sonda New Horizons, que explora as regiões mais distantes do Sistema Solar. Crédito: Joe Olmsted/STScI
Superfície em transformação

As crateras ao norte e noroeste da área estudada são mais rasas, com 500 metros de profundidade, metade da das crateras ao sul. “As do norte-noroeste poderiam ter acumulado mais gelo formado por metano e nitrogênio quando se formaram ou se transformado ao longo do tempo”, propõe Villaça. Nas estações menos frias, a camada de gelo dessas regiões formaria partículas, inicialmente suspensas no ar, que depois se acumulariam no fundo das crateras, deixando-as mais rasas.

Os resultados do grupo brasileiro reforçam as evidências de um artigo de 2016 publicado na “Science”. Nesse trabalho, pesquisadores de centros de pesquisa dos Estados Unidos, da Índia e da França, também com dados da New Horizons, indicaram que a superfície de Plutão poderia ainda estar sujeita a transformações causadas por processos geológicos e atmosféricos como os que devem ter modificado algumas crateras. “Na Lua, as crateras não sofrem modificações porque não há nenhum processo atmosférico ou geológico interno, mas em Plutão parece ter sido diferente”, sugere Crósta.

 

PROJETO

Análise morfométrica das crateras de impacto de Plutão (nº 18/22724-4). Modalidade Bolsa de Mestrado. Pesquisador responsável Alvaro Penteado Crósta. Bolsista Caio Vidaurre Nassif Villaça. Investimento R$ 53.208,47.

ARTIGOS CIENTÍFICOS

BENEDETTI-ROSSI, G. et. al. Pluto: Improved astrometry from 19 years of observations. “Astronomy & Astrophysics”. out 2014.

GRUNDY, W. M. et al. Surface compositions across Pluto and Charon. “Science”. mar. 2016.

VILLAÇA, C. V. N. et al. Morphometric analysis of Pluto’s impact craters. “Remote Sensing”. 22 jan. 2021.

ROBBINS, S. J. et al. Depths of Pluto’s and Charon’s craters, and their simple-to-complex transition. “Icarus”. jun. 2020.

 

* Este artigo foi republicado do site Revista Pesquisa Fapesp sob uma licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o artigo original aqui.