Proteínas extraídas de fragmentos de casca de ovo pré-histórico encontrados nas areias australianas confirmam que os primeiros humanos do continente consumiram os ovos de um pássaro de dois metros de altura que desapareceu mais de 47 mil anos atrás.

Marcas de queimadura descobertas em pedaços de cascas antigas há vários anos sugeriam que os primeiros australianos cozinhavam e comiam ovos grandes de uma ave há muito extinta. Agora, uma equipe internacional liderada por cientistas das universidades de Cambridge (Reino Unido) e Turim (Itália) colocou esse pássaro na árvore evolutiva comparando as sequências de proteínas de fósseis de ovos em pó com aquelas codificadas nos genomas de espécies vivas de aves.

“O tempo, a temperatura e a química de um fóssil ditam quanta informação podemos coletar”, disse o professor Matthew Collins, do Departamento de Arqueologia da Universidade de Cambridge, coautor sênior do estudo. O trabalho foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

“As cascas de ovos são feitas de cristais minerais que podem prender firmemente algumas proteínas, preservando esses dados biológicos nos ambientes mais hostis – potencialmente por milhões de anos”, acrescentou Collins.

A única casca de ovo de Genyornis quase completa já encontrada, localizada por N. Spooner e coletada por G. Miller na Austrália Meridional. Quatro furos no ovo confirmam que ele foi predado por um marsupial carnívoro. Crédito: Gifford H. Miller

Intervenção humana

De acordo com as descobertas, os ovos antigos vieram de Genyornis: um enorme mihirung (“Pássaro Trovão”). Essas aves que não voavam, com pequenas asas e pernas enormes, vagavam pela Austrália pré-histórica, possivelmente em bandos.

Registros fósseis mostram que o Genyornis tinha mais de dois metros de altura, pesava entre 220 e 240 quilos e punha ovos do tamanho de um melão de cerca de 1,5 kg. Ele estava entre a “megafauna” australiana que desapareceu alguns milhares de anos após a chegada dos humanos, sugerindo que as pessoas desempenharam um papel em sua extinção.

A data “robusta” mais antiga para a chegada de humanos à Austrália é de cerca de 65 mil anos atrás. Cascas de ovos queimadas de espécies anteriormente não confirmadas datam de cerca de 50 a 55 mil anos atrás – não muito antes da suposta época da extinção do Genyornis –, quando os humanos se espalharam pela maior parte do continente.

“Não há evidências de carnificina de Genyornis no registro arqueológico. No entanto, fragmentos de casca de ovo com padrões únicos de queima consistentes com a atividade humana foram encontrados em diferentes lugares do continente”, disse o coautor sênior prof. Gifford Miller, da Universidade do Colorado (EUA). “Isso implica que os primeiros humanos não necessariamente caçavam esses pássaros enormes, mas faziam rotineiramente ataques a ninhos e roubavam seus ovos gigantes para alimentação”, disse ele. “A superexploração dos ovos por humanos pode muito bem ter contribuído para a extinção de Genyornis.”

Casca de ovo de Genyornis recentemente exposta pela erosão eólica da duna de areia em que foi enterrada, na Austrália Meridional. Crédito: Gifford H. Miller

Outro candidato

Embora o Genyornis sempre fosse um concorrente para a misteriosa origem dos ovos, alguns cientistas argumentavam que – devido à forma e espessura da casca – um candidato mais provável era o Progura ou “faisão-australiano gigante”: outra ave extinta, muito menor, pesando cerca de 5-7 kg e semelhante a um peru grande.

A ambição inicial era encerrar o debate retirando DNA antigo de pedaços de cascas, mas o material genético não havia sobrevivido o suficiente ao clima quente da Austrália.

Miller recorreu a pesquisadores de Cambridge e Turim para explorar uma técnica relativamente nova para extrair um tipo diferente de “biomolécula”: proteína.

Embora as proteínas não sejam tão ricas em dados hereditários, os cientistas foram capazes de comparar as sequências de proteínas antigas com as de espécies vivas usando um novo e vasto banco de dados de material biológico: o projeto Bird 10.000 Genomes (B10K).

Fragmentos de casca de ovo de um antigo ninho na Austrália Meridional. A massa de casca de ovo coletada dentro de um metro quadrado equivale a cerca de 12 ovos inteiros. Crédito: Gifford H. Miller

Comportamento semelhante

“O Progura estava relacionado aos megápodes de hoje, um grupo de pássaros na linhagem galiforme, que também inclui espécies que encontram alimento no solo, como galinhas e perus”, disse a primeira autora do estudo, profª Beatrice Demarchi, da Universidade de Turim. “Descobrimos que a ave responsável pelos ovos misteriosos surgiu antes da linhagem galiforme, permitindo-nos descartar a hipótese do Progura. Isso apoia a implicação de que os ovos comidos pelos primeiros australianos foram postos pelo Genyornis.”

A casca de ovo de 50 mil anos testada para o estudo veio do sítio arqueológico de Wood Point, na Austrália Meridional, mas o professor Miller mostrou anteriormente que cascas queimadas semelhantes podem ser encontradas em centenas de locais na costa oeste de Ningaloo, no noroeste da Austrália.

Os pesquisadores apontam que o comportamento de exploração de ovos de Genyornis dos primeiros australianos provavelmente reflete o dos primeiros humanos com ovos de avestruz, cujas cascas foram desenterradas em sítios arqueológicos em toda a África que datam de pelo menos 100 mil anos.

O professor Collins acrescentou que “enquanto avestruzes e humanos coexistiram ao longo da pré-história, os níveis de exploração de ovos de Genyornis pelos primeiros australianos podem ter se mostrado superiores ao que as estratégias reprodutivas dessas aves extraordinárias poderiam suportar”.