Produtores rurais da Amazônia serão pagos para conservar matas que, por lei, poderiam ser derrubadas dentro de suas propriedades. A iniciativa, chamada Conserv, foi lançada hoje (7/10), pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em parceria com o EDF (Environmental Defense Fund) e com o Woodwell Climate Research Center.

Baseado em três anos de estudos, o instituto criou um mecanismo privado de compensação pelo chamado excedente de reserva legal, ou seja, a área com vegetação que o proprietário rural na Amazônia Legal preserva além dos 35% a 80% obrigatórios pelo Código Florestal.

O Conserv começou a operar neste semestre em Mato Grosso. Os proprietários rurais que escolhem participar receberão pagamentos semestrais pela manutenção da vegetação, após análise periódica da área contratada.

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A primeira rodada de adesões obteve sete contratos de 30 meses, passíveis de renovação e que somam 6.500 hectares. Todos estão no município de Sapezal, localizado na região oeste do estado. Sapezal foi escolhido devido a uma combinação de diferentes fatores. Eles incluem a existência de mata além da reserva legal; pressão por abertura de novas áreas para produção; e importantes serviços ecossistêmicos.

Adesão voluntária

A previsão do Ipam é chegar a até 30 contratos em municípios pré-selecionados, englobando pelo menos 20 mil hectares, nos próximos meses. A adesão ao mecanismo é voluntária.

“O conceito do Conserv é simples, mas não simplório. Só em Mato Grosso, os imóveis rurais guardam 7 milhões de hectares de vegetação nativa, que correspondem de 140 milhões a 910 milhões de toneladas de carbono estocado, e que por lei podem ser suprimidos. Se essa mata é derrubada, há uma diminuição na disponibilidade de água, por exemplo, e mais gases do efeito estufa na atmosfera”, explica o coordenador do projeto Conserv, o pesquisador Marcelo Stabile, do Ipam. “O Conserv ajuda a reduzir a pressão do desmatamento nessas propriedades privadas, enquanto reconhece o papel daqueles produtores que conservaram a mata até hoje.”

Nesta fase, o Ipam vai testar esse mecanismo de compensação em condições reais, a partir de doações dos governos da Noruega e dos Países Baixos. Aproximadamente R$ 24 milhões serão pagos aos produtores durante esta etapa. Com o modelo aprovado, a intenção é transformar o projeto em um sistema que possa contemplar diferentes fontes de recursos, incluindo aportes privados.

“O objetivo é dar escala ao mecanismo e transformá-lo em um modelo de negócio perene para florestas privadas do país inteiro”, afirma o diretor executivo do Ipam, André Guimarães.

Critérios de participação

Para aderir ao Conserv, o produtor rural e sua propriedade e, se for o caso, seus sócios passam por uma análise feita pela equipe do instituto. Ela inclui avaliação da área preservada, titulação, registros no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), e a inexistência de infrações ambientais e civis. A análise é contínua, mesmo após a assinatura do contrato. Ela conta ainda com o monitoramento da área conservada por meio de imagens de satélite e visitas ao local.

“Queremos que o Conserv se torne um modelo de negócio que reconheça os produtores interessados em conciliar produção e conservação.”, afirma Stabile.

Segundo o coordenador do projeto, existe um campo vasto de intensificação das atividades agropecuárias ainda pouco explorado no Brasil. Ele pode ser agregado pelos produtores rurais para expandir sua produção ao mesmo tempo que são pagos pela manutenção da vegetação além do que é exigido pelo Código Florestal.

“Para nós, o Conserv é mais do que um projeto de pagamento por serviços ambientais, nem venda de carbono em mercados oficiais ou voluntários. É uma nova maneira de olhar para a paisagem rural, de forma que todos ganhem”, diz Guimarães.

Impacto

A Amazônia é uma parte crítica do sistema climático global. Ela absorve cerca de 15% das emissões globais de CO2 existentes na atmosfera e libera água, o que contribui com o sistema de chuvas, incluindo localmente, criando condições para a produção agrícola. As florestas também resfriam a superfície terrestre.

Produtores rurais são um dos grupos-chaves para a conservação da Amazônia. “Ao trabalharmos com eles, desenvolvemos estratégias baseadas em evidências para preservar a vegetação ao mesmo tempo que atendem às necessidades dos que moram, gerenciam e usam a terra”, afirma o diretor do Programa de Florestas Tropicais do Woodwell Climate Research Center, Michael Coe. “O Conserv é uma das estratégias voltadas aos produtores rurais.”

“Com o desmatamento ameaçando as florestas tropicais, uma parte essencial da solução é criar incentivos tangíveis para os produtores rurais protegerem as florestas além do que é exigido pela lei”, afirma o economista chefe de recursos naturais do EDF, Ruben Lobowski. “O Conserv é um modelo eficiente de transferência de recursos que protege florestas em risco em terras privadas, de uma forma que maximiza o impacto da proteção florestal e traz outros benefícios ambientais.”