Por meio de esforços coordenados e orientados por políticas, a China converteu grandes áreas de deserto em pastagens nas últimas décadas, mas esse sucesso teve um custo. Em um estudo publicado recentemente na revista “Nature Sustainability”, cientistas da Universidade da Califórnia em Irvine (EUA) relataram que os programas de recuperação ambiental do país asiático diminuíram substancialmente a água armazenada terrestre.

“A restauração ecológica em grande escala é uma prática humana cada vez mais popular para combater a degradação do solo e as mudanças climáticas. No entanto, o impacto disso sobre os recursos hídricos até agora foi pouco estudado”, disse a coautora Isabella Velicogna, professora de ciência do sistema terrestre da Universidade da Califórnia em Irvine. “Descobrimos que tais programas no norte da China estão esgotando os recursos hídricos terrestres em um ritmo alarmante, o que foi uma surpresa.”

Combinando dados da missão de satélite Gravity Recovery and Climate Experiment (Grace), da Nasa, relatórios do governo chinês, observações ambientais e resultados de simulações climáticas, os pesquisadores construíram um registro contínuo abrangendo o período de recuperação pré-ambiental (1982 a 1998) e o período pós-restauração (2003 a 2016). Este é o primeiro estudo a levar em consideração todos os recursos hidrológicos, incluindo água subterrânea, umidade do solo, água superficial, neve e gelo.

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Impacto hidrológico

A equipe concentrou sua análise na área de Mu Us Sandyland, no norte da China, e descobriu que os esforços de recuperação levaram a um aumento no consumo de reserva anual total de cerca de 16 milímetros, igual à perda de 21 quilômetros cúbicos de água doce durante o período pós-restauração.

O autor principal, Meng Zhao, aluno de doutorado no laboratório de Velicogna, disse que o grupo escolheu estudar Mu Us Sandyland porque a China teve sucesso em renovar a vegetação e reverter a desertificação lá. Além disso, o local tem exposição limitada a outras formas de esgotamento das águas subterrâneas, como bombeamento agrícola ou mineração de carvão, dando aos cientistas a oportunidade de isolar os efeitos dos projetos de recuperação ecológica da China sobre o armazenamento de água terrestre.

O satélite Grace foi lançada em março de 2002 para fazer observações diretas do abastecimento de água subterrânea no período pós-restauração. Durante este tempo, os dados do Grace mostraram uma taxa média de depleção de cerca de 7 milímetros por ano resultante de programas de revegetação. Entre 2003 e 2016, no entanto, uma média de pouco menos de 9 milímetros por ano foi adicionada ao estoque total de água terrestre por um clima mais úmido, mesmo levando em consideração uma seca em 2005.

Em comparação, a equipe analisou os registros de precipitação do governo chinês contra dados de evapotranspiração e escoamento para calcular uma tendência de crescimento do armazenamento de água de quase 7 milímetros anualmente no período de pré-recuperação de 1982 a 1998. Os resultados mostraram claramente o impacto hidrológico das influências humanas na região.

Visão abrangente

“Graças aos dados da missão Grace, pudemos desenvolver uma visão abrangente do efeito dos projetos de restauração ecológica no armazenamento de água, enquanto antes só era possível olhar para os componentes parciais”, disse Zhao. “Nossas descobertas ajudarão a reavaliar o sucesso das práticas de recuperação em termos de proteção dos recursos hídricos.”

E esse esgotamento do armazenamento de água continuará no futuro? “Muito provavelmente, se as partes interessadas optarem por manter ou elevar o nível de esforço de restauração”, disse o coautor do estudo Geruo A, cientista do projeto no laboratório de Velicogna. “No entanto, reduzir a revegetação e confiar mais na regeneração natural é favorável, dado o clima atual, e provavelmente irá desacelerar ou até mesmo reverter a tendência de esgotamento da água.”