Desde 2018, as principais companhias de petróleo e gás do mundo já aprovaram investimentos que totalizam US$ 50 bilhões em projetos que ameaçam os compromissos climáticos globais e o retorno financeiro de seus acionistas. Essa é uma das revelações de um novo relatório da Carbon Tracker (organização sem fins lucrativos sediada em Londres que pesquisa o impacto da mudança climática nos mercados financeiros) publicado em 6 de setembro. O estudo está disponível em inglês em carbontracker.org/reports/breaking-the-habit/

O estudo identifica projetos individuais inconsistentes com o Acordo de Paris e aponta que nenhuma grande companhia petrolífera está investindo de maneira a facilitar a limitação do aquecimento global em 1,5 °C até 2100 com relação aos níveis pré-industriais. Isso ocorre em um momento no qual investidores em todo o mundo são cada vez mais pressionados a direcionar suas aplicações para companhias energéticas alinhadas com as metas do Acordo de Paris.

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O relatório alerta que a demanda por combustíveis fósseis precisa cair para que as metas climáticas globais sejam viabilizadas, e apenas projetos sob custos mais baixos conseguirão devolver um retorno econômico aos investidores sob essa nova realidade. No entanto, o trabalho destaca 18 projetos, somando US$ 50 bilhões, aprovados recentemente pelas companhias, que insistem na aplicação de vultosas quantias no uso de fontes fósseis de energia.

Aposta pesada

“Cada grande companhia de petróleo está apostando pesadamente contra o limite de 1,5 °C e investindo em projetos que contrariam as metas de Paris”, aponta Andrew Grant, analista sênior da Carbon Tracker e um dos autores do relatório. “Os investidores devem contestar os gastos das empresas em novos projetos fósseis. A melhor forma de preservar o valor do acionista na transição para o baixo carbono e, ao mesmo tempo, alinhá-lo com as metas climáticas será focar em projetos de baixo custo que poderão entregar retornos maiores.”

Os investidores estão cada vez mais preocupados sobre os riscos climáticos em seus portfolios e na vida de seus clientes, na medida em que as evidências sobre os perigos da crise climática se tornam mais claras. Muitos estão pressionando as empresas de energia em torno de projetos de baixo carbono e iniciativas como a Climate Action 100+, apoiada por investidores com ativos que valem US$ 34 trilhões.

A Carbon Tracker aplicou a trajetória mais ambiciosa de redução de emissões definida pela Agência Internacional de Energia (com meta de 1,6 °C) e estimou que as maiores companhias de petróleo listadas, como ExxonMobil, Chevron, Shell, BP, Total e Eni, gastaram cada uma ao menos 30% de seu investimento em 2018 em projetos inconsistentes com um mundo de menos de 1,6 °C de aquecimento. O relatório conclui que os projetos já aprovados pelas gigantes do petróleo e gás inviabilizarão essa meta de aquecimento definida pelo Acordo de Paris.

Exemplos variados

Alguns desses projetos são listados a seguir:

– US$ 13 bilhões investidos pela Shell em projetos de gás natural liquefeito no Canadá

– US$ 4,3 bilhões pela BP, Chevron, ExxonMobil e Equinor em projetos de extração de petróleo no fundo do mar no Azerbaijão

– US$ 1,3 bilhão pela BP, ExxonMobil, Total e Equinor em projetos de exploração no fundo do mar em Angola

Para superar essa situação, o relatório sinaliza que as companhias precisarão cortar investimento, mesmo em tecnologia de captura e armazenamento de carbono, que não são vistos como de viabilidade prática neste momento. A demanda por petróleo e gás pode ser atendida com projetos que dão retorno com preços abaixo dos US$ 40 por barril, e investimentos mais altos correm o risco de criar “ativos encalhados” que nunca conseguirão dar retorno financeiro aos investidores.

Políticas equivocadas

O trabalho alerta também que as companhias de petróleo e gás podem desperdiçar US$ 2,2 trilhões até 2030 se basearem suas decisões de investimento nas políticas atuais de emissões de carbono definidas pelos governos. Essas políticas podem levar o mundo a um aquecimento de 2,7 °C, em vez de planejar para uma transição mais completa e rápida.

Grandes companhias do setor, como Shell, BP, Equinor e Total procuraram reassegurar aos seus investidores que estão respondendo a suas preocupações climáticas. As três primeiras, por exemplo, disseram que testarão novos investimentos para buscar consistência com cenários de baixo carbono. O relatório deixa claro que essa mudança no comportamento da indústria é necessária para que ela se torne realmente alinhada aos compromissos de Paris.

De todas as gigantes do setor, a ExxonMobil é a empresa com o maior risco de ficar com ativos encalhados em um mundo de baixo carbono, com mais de 90% de seus investimentos potenciais entre 2019 e 2030 direcionados a projetos fora da trajetória de 1,6 °C de aquecimento. Ela é seguida por Shell (70%), Total (67%), Chevron (60%), BP (57%) e Eni (55%).