Quando cientistas listam os efeitos danosos criados pelas mudanças climáticas e se aventuram a especular sobre o que seria necessário para limitá-las a níveis aceitáveis, os governos em geral desconversam sobre o assunto. Afinal, consideram, gastos que chegam facilmente a dezenas, centenas de bilhões de dólares não poderiam ser feitos assim de repente. Além disso, os malefícios do aquecimento global ainda não parecem tão evidentes e, por enquanto, é melhor deixar como está para ver como fica. Mas veio a crise econômica global e, como se observou, os dirigentes mundiais não tiveram (muito) medo de abrir seus cofres para injetar liquidez ao redor do planeta – só numa semana de outubro, uma quantia entre US$ 2 trilhões e US$ 4 trilhões foi destinada para essa finalidade.

O mundo ganhou, assim, um inesperado modelo de comparação: se, para salvar a economia, pode-se gastar tudo isso, por que pouco ou nada se investe para salvar a Terra? Como revelam alguns relatórios recentes, divulgados por órgãos da ONU, entidades beneficentes e empresas privadas, a conta para proteger a natureza, frear as mudanças climáticas e oferecer alimentação, água limpa e saneamento para 1 bilhão de pessoas é bem menor do que todo o dinheiro despejado no mercado. Por outro lado, se a quantia anunciada naquela semana de outubro fosse aplicada na redução das emissões de gases-estufa e na proteção da natureza, calcula-se que o investimento teria um retorno de até cem vezes o seu valor inicial e, além disso, seriam economizados trilhões de dólares a serem gastos mais tarde.

Investir na redução de emissões de gases-estufa traria ótimo retorno e evitaria gastos futuros

Proteger a maior parte de ecossistemas como o litorâneo (esquerda) e a flora e a fauna, como as tartarugas (direita), custaria cerca de US$ 45 bilhões por ano.

Conheça a seguir alguns desses estudos e tire suas conclusões.

Ecossistemas e biodiversidade – De acordo com um estudo preliminar dos custos e benefícios de investir na diversidade da natureza – “The Economics of Ecosystems and Biodiversity” (Teeb) -, encomendado pela Comissão Européia e pelo governo da Alemanha, a maior parte dos rios, mares, florestas e montanhas poderia ser protegida com um investimento anual de aproximadamente US$ 45 bilhões. “Os argumentos econômicos para a proteção da natureza estão começando a entrar no pensamento dominante”, diz Pavan Sukhdev, diretor do Deutsche Bank e líder da equipe de pesquisadores (que devem aprontar uma versão completa do relatório em 2009). Em setembro, o grupo estimou que a perda dos serviços prestados pelas florestas, tais como oferecer água limpa e absorver o dióxido de carbono (CO2), já está custando à economia do planeta algo entre US$ 2 trilhões e US$ 5 trilhões por ano.

Para Jacques Diouf, da FAO, US$ 30 bilhões por ano evitariam o risco de conflitos ligados a alimentos

Outro grande estudo, o “Building Biodiversity Business”, divulgado em março deste ano por economistas da Shell e membros da International Union for Conservation of Nature (IUCN), mostra que preservar os mais importantes ecossistemas mundiais ao longo de 30 anos custaria cerca de US$ 1,3 trilhão. Por essa quantia, perto de 15% das terras e 30% dos oceanos seriam protegidos da exploração ilegal de madeira, pesca predatória e poluição, assim como a maior parte das espécies animais ameaçadas.

Mudança climática – Segundo lorde Nicholas Stern, que liderou o estudo do governo britânico sobre os custos e benefícios das mudanças climáticas, custaria 1% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial num ano – ou seja, US$ 540 bilhões – manter as emissões de gases-estufa num nível que evitasse os piores efeitos do aquecimento global. Mas em sua revisão para a Secretaria do Tesouro, em 2006, ele afirmou que, se os países não agissem, os custos e riscos totais das mudanças climáticas subiriam para trilhões de dólares por ano.

Energia renovável – Mudar dos combustíveis fósseis para fontes de energia limpa só nos Estados Unidos reduziria as emissões mundiais de dióxido de carbono em cerca de 20%, afirma Jeffery Greenblatt, gerente de clima e energia do Google e responsável pelo lançamento, em outubro, do Clean Energy 2030, uma proposta da empresa para reduzir a dependência norte-americana de combustíveis fósseis. Mas não ficaria só nisso, assegura ele: a transformação ajudaria a gerar centenas de milhares de empregos.

O Clean Energy 2030 propõe o gasto de US$ 4,4 trilhões, ao longo de 22 anos, para substituir todo o carvão e o petróleo usados na geração de eletricidade por gás natural e fontes de energia renovável. O plano envolve a geração de 380 gigawatts (GW) de energia eólica, 250 GW de solar e 80 GW de geotérmica. Além disso, propõe uma redução de 33% no consumo de energia, com a adoção de medidas de ecoeficiência, e uma queda de 40% do petróleo consumido pelos carros, o que seria obtido por um acréscimo de vendas de 90% no segmento de veículos híbridos somado a carros convencionais com motores cerca de 50% mais econômicos.

Água e saneamento – A organização beneficente internacional WaterAid estimou em outubro que oferecer água potável e saneamento para os 2,5 bilhões de pessoas no mundo que não contam com esses serviços custaria cerca de US$ 55,7 bilhões (ou 37,5 bilhões de libras esterlinas). A quantia, de acordo com uma porta-voz da instituição, é praticamente igual aos recursos (37 bilhões de libras) que o governo britânico repassou aos bancos Royal Bank of Scotland, HBOS e Lloyds no dia 13 daquele mês.

Fome – No início de 2008, Jacques Diouf, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), afirmou que evitar todas as futuras ameaças de conflitos envolvendo alimentos custaria cerca de US$ 30 bilhões anuais. E perguntou em seguida: “Como podemos explicar às pessoas de bom senso e boa-fé que não é possível encontrar US$ 30 bilhões por ano para permitir que 862 milhões de pessoas famintas desfrutem do mais fundamental dos direitos humanos: o direito à alimentação e, assim, o direito à vida?”

Para Mario Mantovani, diretor de Mobilização da Fundação SOS Mata Atlântica, a crise tem um lado purificador e desnuda muitos discursos artificialmente engajados. “O que vimos recentemente foi, como se diz, o ‘salve-se quem puder, porque o bicho está pegando'”, analisa. “Nada como uma crise para mostrar quem é quem em toda essa história. Como vimos, não houve muitos problemas para arranjar mais dinheiro a fim de manter sistemas financeiros, incentivar o consumo, coisas assim, mas quase ninguém falou sobre meio ambiente em toda essa história. A crise vai mostrar realmente quem tem compromissos reais nessas áreas e quem só faz marketing, greenwash, como se diz em inglês. Nessa travessia, muitos projetos já foram ou vão ser desmascarados, enquanto outros vão ser de fato executados – e estes últimos, imagino, não devem ser muitos.”

Reduzir a poluição atmosférica (direita), preservar matas (abaixo e esquerda) e garantir água (esquerda, alto) são tarefas urgentes – e factíveis.