Pesquisadores liderados pela Escola de Medicina da Universidade Tufts (EUA) descobriram uma função anteriormente desconhecida realizada por um tipo de célula que compreende quase metade de todas as células do cérebro. Segundo os cientistas, essa descoberta em camundongos de uma nova função das células conhecidas como astrócitos abre uma nova direção para a pesquisa em neurociência que pode um dia levar a tratamentos para muitos distúrbios, desde epilepsia a Alzheimer e lesão cerebral traumática.

Tudo se resume a como os astrócitos interagem com os neurônios, células fundamentais do cérebro e do sistema nervoso que recebem informações do mundo exterior. Por meio de um conjunto complexo de sinalização elétrica e química, os neurônios transmitem informações entre diferentes áreas cerebrais e entre o cérebro e o resto do sistema nervoso.

Até agora, os cientistas acreditavam que os astrócitos eram importantes, mas não protagonistas do elenco nessa atividade. Os astrócitos guiam o crescimento dos axônios, a projeção longa e esguia de um neurônio que conduz os impulsos elétricos. Eles também controlam os neurotransmissores, substâncias químicas que permitem a transferência de sinais elétricos por todo o cérebro e sistema nervoso. Além disso, os astrócitos constroem a barreira hematoencefálica e reagem à lesão. Mas eles não pareciam ser eletricamente ativos como os neurônios mais importantes – até agora.

Mudança de perspectiva

“A atividade elétrica dos astrócitos muda a forma como os neurônios funcionam”, disse Chris Dulla, professor associado de neurociência da Escola de Medicina e da Escola de Pós-Graduação em Ciências Biomédicas da Universidade Tufts e autor correspondente de um artigo publicado na revista Nature Neuroscience. “Descobrimos uma nova maneira pela qual duas das células mais importantes do cérebro conversam entre si. Como há muita coisa desconhecida sobre como o cérebro funciona, descobrir novos processos fundamentais que controlam a função cerebral é a chave para desenvolver novos tratamentos para doenças neurológicas.”

Para fazer a descoberta, a equipe usou uma tecnologia totalmente nova destinada a desenvolver uma técnica que lhes permite ver e estudar as propriedades elétricas das interações das células cerebrais, que não podiam ser observadas anteriormente.

“Com essas novas ferramentas, descobrimos essencialmente aspectos completamente novos da biologia”, disse Moritz Armbruster, professor assistente de pesquisa de neurociência na Escola de Medicina da Universidade Tufts e autor principal do estudo. “À medida que surgem melhores ferramentas – por exemplo, novos sensores fluorescentes estão sendo desenvolvidos constantemente –, vamos ter uma melhor compreensão de coisas que nem pensávamos antes.”

Íons de potássio

“A nova tecnologia representa a atividade elétrica com luz”, explicou Dulla. “Os neurônios são muito ativos eletricamente, e a nova tecnologia nos permite ver que os astrócitos também são eletricamente ativos.”

Dulla descreve os astrócitos como “certificadores de que tudo está copacético [em excelente ordem] no cérebro, e se algo der errado, se houver uma lesão ou infecção viral, eles detectam, tentam responder e, em seguida, tentam proteger o cérebro do dano. O que queremos fazer em seguida é determinar como os astrócitos mudam quando esses danos acontecem.”

A comunicação neurônio a neurônio ocorre através da liberação de pacotes de substâncias químicas chamadas neurotransmissores. Os cientistas sabiam que os astrócitos controlam os neurotransmissores, ajudando a garantir que os neurônios permaneçam saudáveis ​​e ativos. Mas o novo estudo revela que os neurônios também liberam íons de potássio, que alteram a atividade elétrica do astrócito e como ele controla os neurotransmissores.

“Assim, o neurônio está controlando o que o astrócito está fazendo, e eles estão se comunicando. Neurônios e astrócitos conversam uns com os outros de uma maneira que não era conhecida antes”, disse ele.

Impacto em pesquisas futuras

A descoberta da conversa astrócitos-neurônios levanta inúmeras questões sobre como as interações funcionam na patologia cerebral e no desenvolvimento da aprendizagem e da memória. “Isso nos faz repensar tudo o que os astrócitos fazem e como o fato de eles serem eletricamente ativos pode estar influenciando uma ampla gama de doenças neurológicas”, disse Dulla.

Por exemplo, na doença de Alzheimer, os astrócitos não controlam os neurotransmissores, embora esse seja seu trabalho fundamental, explicou Dulla. Problemas semelhantes ocorrem com lesão cerebral traumática e epilepsia. Durante anos, os cientistas pensaram que talvez o problema fosse causado pela ausência de uma proteína ou por uma mutação que faz com que uma proteína não funcione.

“Considerava-se que o acúmulo de potássio extracelular no cérebro contribui para patologias de epilepsia e enxaqueca”, disse Armbruster. “Este novo estudo nos dá uma melhor compreensão de como os astrócitos limpam esse acúmulo e ajudam a manter um equilíbrio de excitamento.”

Novas abordagens

Os pesquisadores agora estão examinando os medicamentos existentes para ver se eles podem manipular as interações neurônio-astrócito. “Ao fazermos isso, poderemos um dia ajudar as pessoas a aprender mais rápido ou melhor? Podemos reparar uma lesão cerebral quando ela ocorrer?”, perguntou-se Dulla.

A tecnologia inovadora usada para fazer essa descoberta não apenas abre novas maneiras de pensar sobre a atividade dos astrócitos, mas também fornece novas abordagens para a atividade de imagem através do cérebro. Até agora, não havia como imaginar a atividade do potássio no cérebro, por exemplo, ou estudar como o potássio está envolvido no sono, metabolismo ou lesão e infecção no cérebro.

“Estamos dando essas ferramentas a outros laboratórios para que eles possam usar os mesmos ensaios e técnicas para estudar as questões que lhes interessam”, disse ele. “Os cientistas estão obtendo as ferramentas para estudar dores de cabeça, respiração, distúrbios do desenvolvimento e uma ampla gama de diferentes doenças neurológicas.”