Se Nova York tem fama de ser internacional, Queens – um dos cinco condados da metrópole – é planetária. Em torno de 48% dos seus 2,25 milhões de habitantes nasceram em um país estrangeiro e seus residentes comunicamse em 138 idiomas distintos. Queens clama que se falam mais línguas nos seus 290 quilômetros quadrados do que em qualquer outra parte do mundo. Em nenhuma cidade dos Estados Unidos – país reconhecido por seu alto número de imigrantes – existe tanta gente, de tanto lugar diferente.

É essa diversidade cultural – tão importante como a diversidade biológica do planeta – que chama minha atenção. Na rua, vejo gente com roupas típicas, de saris indianos a camisas de seleções de futebol. Bares, cafés e restaurantes de todos os cantos do mundo formam um festival gastronômico celebrando a variedade de sabores. O The New York Times afirma: “Se Manhattan desaparecesse, Queens seria a capital de restaurantes da região.”

Queens e os outros quatro boroughs (municípios) – Manhattan, Bronx, Brooklyn e Staten Island – compõem a Cidade de Nova York. É o maior dos cinco condados e o segundo em população. Os colonizadores ingleses e holandeses aportaram aqui em 1635. Meio século depois, em 1683, Queens já era um dos 12 condados do Estado de Nova York.

Num café em Astoria, um dos vários bairros de Queens, encontro Fátima Faria, uma professora portuguesa. Ao saber de meu interesse pelo condado, pergunta se conheço a origem do nome do lugar. “O rei Carlos 2º da Inglaterra, para fortalecer os laços com Portugal, casou- se com Catarina de Bragança em 1662. Ela foi a rainha consorte da Inglaterra, Irlanda e Escócia até 1685”, afirma.

Embora não existam documentos oficiais que vinculem a rainha Catarina com Queens, era praxe, na época, batizar lugares com nomes de cabeças coroadas. “Apesar de desprezada pelos ingleses, a rainha marcou a cultura britânica: foi a responsável por ter instaurado a moda de tomar chá na corte”, conta Fátima.

Da esquerda para a direita, a missa de domingo no interior da Catedral São Demétrio, em Astoria; Queens também tem uma praia oceânica de dez quilômetros de extensão, a Rockaway Beach; um indiano tradicional promove os produtos de sua loja de moda e jóias; e a loja de karaokê exclusiva para a comunidade latina, na Avenida Roosevelt, em Jackson Heights.

Passear pelas avenidas de Queens é como embarcar numa volta ao mundo. Minha primeira escala é a Grécia. Como é domingo, posso encontrar gregos nas igrejas ortodoxas. Escolho a Catedral São Demétrio, em Astoria. Pelo número de carros estacionados na Rua 31, o templo está repleto. Com respeito e timidez, abro a pesada porta. Os cânticos inundam o lugar e o incenso ressalta a mística do ritual. Subo ao mezanino, de onde posso fotografar a igreja de estilo bizantino, sem sentir que perturbo a missa.

NA SAÍDA, SOU abordado por um senhor sério. Imagino que vou receber uma bronca por ter entrado na igreja sem gravata. Mas sua cara ranzinza transforma-se em um sorriso aberto quando digo ser brasileiro. Ele tem um primo que mora em São Paulo. “Não deixe de visitar a outra igreja ortodoxa, Santa Irene de Chrysovalantou, a apenas dez quadras daqui”, afirma Constantinos.

“Com sorte, você ainda encontrará o metropolitano Paisios de Tyana oficializando a missa”, acrescenta ele. Chego lá no finalzinho e converso com o sacerdote. Ele explica ser o lugar também um monastério e estar diretamente ligado ao patriarca de Constantinopla.

Meu segundo destino é a Índia. Desembarco nos quarteirões ruidosos e coloridos de Jackson Heights. O bairro Pequena Índia engloba as quadras da Rua 74, entre a 37ª Avenida e a Roosevelt. As mulheres adultas – indianas, paquistanesas ou bengalis – vestem elegantes saris e lambem as vitrines, à procura de um novo pedaço de pano ornado com fios de ouro. Ouro é também o que não falta: colares, brincos, braceletes e todo tipo de jóias deixam as asiáticas extasiadas.

A trilha sonora muda de dez em dez metros e lojas oferecem os últimos lançamentos de Bollywood, longos dramas musicais feitos em Bombaim. A variedade de idiomas locais – de tamil a malayalam – mostra que a demanda pelos DVDs é grande. Mas são os restaurantes da Pequena Índia que atraem os visitantes de Manhattan. Eles vêm em busca de uma autêntica cozinha curry e tandoori ou de deliciosos doces à base de mel, manteiga, leite e açúcar. Não resisto e provo tentações com nomes tão doces como poéticos: ras malai, gujia e malpua.

Minha próxima parada não é um país, mas sim uma região. Subo a pé a Avenida Roosevelt e, a partir da Rua 76, chego na América Latina. Todos os países hispânicos estão representados por alguma loja. Quer mandar dinheiro para o Equador? Comer um taco mexicano? Viajar à Colômbia para visitar os parentes? Basta passear pela Roosevelt e encontrar o que precisa. O ruído das vozes de fundo também se modifica. A língua franca passa a ser o espanhol, idioma mais falado em Queens, depois do inglês. De cada quatro residentes no condado, pelo menos um usa o espanhol em casa.

RETOMO MINHA viagem ao redor do planeta e sigo rumo ao Extremo Oriente. Em Flushing, o maior centro urbano de Queens, mergulho na Coréia. Os avisos comerciais em algumas ruas estão escritos apenas em caracteres coreanos, mostrando que a quarta maior colônia de Queens transformouse num vibrante mercado consumidor, com um crescente poder de compra.

O jornalista John Roleke, criador do site queens.about.com, conta que Flushing, até a década de 70, era habitada por italianos e gregos. Uma crise econômica fez com que a área central de Flushing entrasse em declínio. “Na década de 80, coreanos e chineses, ao notar a baixa dos preços dos imóveis, aproveitaram a ocasião e invadiram o bairro, transformando-o totalmente”, explica.

Em Flushing, a fronteira entre as duas culturas orientais não é definida. Algumas ruas são totalmente coreanas, outras são dominadas pelos chineses e as grandes avenidas acolhem anúncios em ambos os idiomas. No bairro chinês de Queens, transporto-me para a China continental. Só ouço falar mandarim e todos os produtos, do jeans aparentemente made in USA à medicina tradicional, cruzaram o Pacífico para chegar até aqui. A segunda maior comunidade de Queens – com mais de 200 mil habitantes – está em franca ascensão. Catapultada pelo desenvolvimento da antiga Pátria Mãe, os chineses daqui ganham cada vez mais espaço na economia. “A comunidade chinesa de Queens é maior e mais rica do que a de Chinatown em Manhattan”, diz Roleke.

A África e o Oriente Médio não poderiam estar excluídos desse périplo. Regresso à Avenida Steinway, em Astoria, para conhecer a comunidade árabe. Entro no Café El Khaiam, um palácio hookah, lugar onde se fuma o narguilé. Três homens conversam animadamente em volta do cachimbo de água. Mounir é o único a trocar olhares comigo, mesmo que, no início, com desconfiança. Noto o sotaque do norte da África e arrisco falar em francês. Mais um vez, o fato de ser brasileiro relaxa o ambiente e a conversa acaba em futebol. Mounir nasceu na Tunísia e vive em Queens há 17 anos. Sua família é um perfeito exemplo da diversidade cultural que tanto me fascina: ele é casado com uma mulher grega!

E o Brasil, nisso tudo? Existe um bairro tipicamente brasileiro em Nova York? Um quarteirão da Rua 46 em Manhattan, que faz esquina com a 5ª Avenida, recebeu o nome de Little Brazil. Mas este pedacinho verde-amarelo não pode ser comparado, nem de longe, com a força dos bairros dos imigrantes asiáticos e europeus, bem mais organizados. Em Queens, é fácil encontrar brasileiros, mas são raros os que assumem jamais retornar ao Brasil. Morar em qualquer outro país que não seja o nosso parece ser um projeto com data de vencimento.

Ainda na Avenida Steinway, reconheço nossa bandeira na loja de roupas Axé Brazil. Aline Danielle, 22 anos, trabalha como vendedora e estuda artes. Ela nasceu em Curitiba (PR) e chegou em Astoria com 6 anos. “Adoro morar em Queens, tudo é mais fácil aqui”, diz. Mas quando pergunto se ela pensa em voltar ao Brasil, Aline não hesita. “Lógico, somos um povo mais alegre.”

Minha volta ao minimundo não estaria completa sem uma escala no Flushing Meadows Corona Park. Bem maior do que o Central Park de Manhattan, o parque de 500 hectares abriga dois estádios: o de tênis, palco do US Open, e o de beisebol, do time New York Mets. Flushing Meadows também foi cenário (1939-40 e em 1964-65) de duas exposições mundiais. A última deixou como lembrança o mais conhecido cartão-postal de Queens, o globo Unisfera. Com 43 metros de altura, a estrutura de aço é a maior representação da esfera terrestre.

A brasileira Aline Danielle mora em Queens desde os 6 anos. Ao lado, o restaurante egípcio Sehraya, na Rua Steinway, em Astoria. À esquerda, no alto, várias ruas de Flushing têm seu comércio totalmente direcionado ao mercado coreano; e a esquina da Avenida Roosevelt com a Main Street, em Flushing, é o epicentro do bairro chinês de Queens, maior e mais rico que Chinatown.

O gigante de 400 toneladas foi construído como símbolo da exposição, a qual tinha como tema “Paz através do Entendimento”, palavras bem apropriadas para a meca da diversidade cultural. Hoje, com a preocupação que Nova York tem em usar água de forma responsável, as torneiras das fontes que decoram a Unisfera estão fechadas e o precioso líquido já não é tão esbanjado. As fontes funcionam só em dias de festa. A piscina de concreto, pintada de azul-claro, transformou-se em pista de acrobacias de skate e bicicleta.

Toda grande viagem começa e termina em um aeroporto. E aeroporto é o que também não falta em Queens. Dois dos maiores terminais aéreos do mundo ficam ali: o internacional John F. Kennedy e o doméstico La Guardia. Impressionante é o movimento de gente: cerca de 70 milhões de passageiros colocam seus pés em Queens todos os anos – um número 30 vezes maior do que o de residentes. Os dois aeroportos empregam 50 mil pessoas e geram um movimento de US$ 40 bilhões, o que corresponde ao PIB de um país como o Quênia ou o Nepal.

Em Queens, é impossível olhar para o céu e não avistar um pássaro de ferro, que traz e leva pessoas a diferentes cantos do planeta. Quando for sua vez de visitar Nova York e desembarcar em Queens, aproveite. Sem precisar sair do subúrbio, você pode dar uma volta ao mundo.

Os Estados Unidos da América são um dos 222 países e territórios do Teste de Viajologia Mundial

Haroldo Castro viaja como jornalista, fotógrafo e conservacionista. O fundador do Clube de Viajologia já documentou 136 países.