Cada vez mais educadores repensam o conteúdo e as dinâmicas de sala de aula para adaptar a semente do ensino à revolução tecnológica moderna.

A criança e o adolescente não aguentam mais a escola como ela é.” A frase, dita por um diretor de colégio, não é nova. Afinal, a educação não mudou muito desde o século XIX, quando foi estruturada da forma como a conhecemos. Há que reconhecer que surgiram, sim, novos modelos, mas nenhum foi implementado em escala. Para a maioria da população, o ensino segue caminhando igual. Quer dizer, seguia.

A julgar pela rapidez com que a tecnologia da informação – a propulsora da maioria das inovações contemporâneas – transformou a sociedade, é possível que a educação esteja entrando em um ciclo de transformações mais abrangente, começando pelo currículo. Uma tendência é inserir na grade aulas de lógica de programação para ensinar as crianças, desde cedo, a lidar com códigos e a escrevê-los. Qual a relevância disso? Considerando que a tecnologia se tornou uma mediadora onipresente, “saber programar será tão importante quanto ser alfabetizado”, diz Mitchel Resnick, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e líder do programa Scratch.

Voltado para crianças de até 11 anos, o Scratch funciona como uma introdução ao universo dos códigos, visto que eles já estão prontos e só precisam ser combinados – tal como num brinquedo Lego – para dar vida a projetos. Em visita recente ao Brasil, Resnick disse que mesmo aqueles que não têm a menor intenção em trabalhar com programação deveriam aprender a sua linguagem. “A habilidade de trabalhar criativamente, de pensar de forma sistemática, de trabalhar em colaboração com outras pessoas – que é o que aprendemos quando codificamos – é importante para qualquer área”, destacou.

No Reino Unido, a partir de setembro, o ensino de programação se tornará obrigatório em aulas de ciências da computação oferecidas a partir do ensino fundamental. No Brasil, já há escolas alinhadas à tendência, como o Colégio Internacional Ítalo Brasileiro, em São Paulo. Sob a coordenação do professor Marco Rossellini, foi criado o Clube de Programação, onde são desenvolvidos vários jogos e aplicativos. O Scratch é um dos programas utilizados. “Com o tempo, essa será uma disciplina em todas as escolas. A tendência é clara”, afirma. 

Professor e pesquisador do Departamento de Computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o matemático Donizetti Louro elogia a iniciativa, mas faz uma ressalva importante: “As máquinas não vão trabalhar sozinhas. Para codificar, é preciso ter o raciocínio desenvolvido.” Sem resolver as deficiências dos alunos brasileiros em matemática, o projeto de criar nativos digitais de fato será impossibilitado, adverte.

Ambiente colaborativo 

A introdução de tablets e a utilização de aplicativos também alteram a dinâmica das salas de aula, como mostra a experiência no Colégio Mater Dei, em São Paulo. O diretor Sylvio Gomide está preocupado com a rejeição do atual modelo educacional pelas crianças e adolescentes. Já há algum tempo os professores começaram a trabalhar com recursos digitais, como o Google Drive, para facilitar o acesso, a criação e o compartilhamento de documentos. O projeto evoluiu hoje a escola detém a primeira sala de aula do mundo com o “formato Google”. “Nosso desejo é fazer o aluno gostar da escola”, diz. E isso tem dado certo. 

Na sala experimental não há carteiras. Alunos e professores se acomodam em pufes com tablets  na mão e, para quem está de fora, parecem conversar informalmente. “A supressão dos móveis tradicionais foi importante para quebrar a hierarquia e deixar os alunos mais à vontade para participar”, conta Gomide. Nessa proposta, o conteúdo é estudado em casa e a sala de aula é usada para discussões, exercícios e aprofundamentos. O contrário do modelo tradicional. 

Segundo o professor de História Rodrigo Abrantes da Silva, do Colégio Joana D’Arc, na capital paulista, a ideia de inverter a função da sala de aula não é uma inovação. “Há anos esse recurso vem
sendo usado. A diferença hoje é a disponibilidade de conteúdos na internet”, explica. Isso ampliou as possibilidades de utilização do método e ainda fez surgir professores celebridade como o americano-indiano Salman Khan, que começou dando aulas online de matemática a uma prima e se transformou em um dínamo educacional financiado por Bill Gates. 

A combinação de aulas presenciais com atividades online atende pelo nome de “ensino híbrido adaptativo”. A característica dessa modalidade é a oferta de atividades personalizadas, que respeitam o ritmo do aluno e dão a ele a possibilidade de decidir em que ordem os conteúdos serão trabalhados. A flexibilidade de hora e local  é outra das dimensões presentes em um projeto assim, segundo Mila Molina, gerente de projetos da Fundação Lemann. A entidade está promovendo experiências entre professores para lançar um guia sobre a metodologia. 

Educar para a vida

Outra tendência para a escola do século XXI é trabalhar com habilidades não cognitivas. O conceito parte do entendimento de que a escola não deve ter um fim em si, mas que, pelo contrário, deve preparar o aluno para as situações cotidianas da vida, o que inclui educá-lo para lidar com as emoções, desenvolver autonomia e perseverar.  

Willmann Costa é diretor do Colégio Estadual Chico Anysio, inaugurado em 2013 no Rio de Janeiro. A instituição atende 170 alunos do 1º e do 2º ano do ensino médio e desde o princípio trabalha com uma metodologia que consiste em desenvolver competências como autonomia, curiosidade investigativa e capacidade de colaboração. Para tanto, o colégio oferece uma grade flexível, com disciplinas eletivas para os jovens se autogerenciarem. Os professores também dão ênfase às apresentações orais em sala de aula, promovem jogos de improvisação e, sobretudo, dão ouvidos aos estudantes.

De acordo com Costa, esse tipo de abordagem faz com que o aluno desfrute e aproveite melhor a escola ou, como ele gosta de dizer, prepara a terra para a semente que será depositada. 

 

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O Novo Normal

O americano Zach Sims ainda não tem 25 anos de idade, mas é uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a revista Forbes, em 2013. Seu feito é ter criado uma plataforma online que oferece ensino gratuito de programação para qualquer usuário, inclusive brasileiros. Esses ganharam recentemente uma versão em português de seu site, o Codeacademy (http://www.codecademy. com/). Veja o que Sims contou à PLANETA (no texto abaixo).

Por que é tão importante saber programar?

A tecnologia é a principal catalisadora de mudanças atualmente, e a programação é a linguagem por meio da qual essas mudanças se materializam. Aqueles que possuem esse conhecimento têm o poder da inovação.

Mas nem todo mundo quer trabalhar à frente de um computador. Como justificar esses casos?

Independentemente da idade e da ocupação, a programação é fundamental. Um médico, por exemplo, pode desenvolver soluções que tornem os hospitais mais efi cientes. Já fazendeiros podem estabelecer um controle
mais rigoroso sobre o plantio e a colheita. Essa é a linguagem do futuro e por isso ela vem sendo ensinada em muitas escolas. Os alunos ficam mais analíticos e atentos aos detalhes.

Disseminar essa habilidade demanda a formação prévia de professores.

De fato, não temos um número suficiente de educadores para promover essa transformação na escala que desejamos. Mas eles podem usar ferramentas como o Codeacademy, que é o que muitas instituições do Reino Unido e da Estônia já vêm fazendo. Já temos nada menos do que 24 milhões de usuários, 70% dos quais fora dos Estados Unidos. São pessoas que entendem que o conhecimento da linguagem de programação será o “novo normal” para qualquer um que queira ser bem-sucedido.