A sonhada missão tripulada da Nasa a Marte, esperada para a década de 2030, pode demorar mais para acontecer, dependendo da tecnologia disponível para proteger os astronautas da radiação cósmica. Um experimento inédito feito por cientistas americanos, divulgado recentemente pelo periódico “eNeuro”, indica que a radiação causaria problemas sérios na tripulação.

Conduzida pelo principal autor do estudo, Charles Limoli, e por colegas da Universidade da Califórnia em Irvine, da Universidade Stanford, da Universidade Estadual do Colorado e da Eastern Virginia School of Medicine, a experiência envolveu a exposição de camundongos de laboratório aos mesmos níveis de radiação que seriam encontrados no espaço.

Usando uma instalação de irradiação de nêutrons, os cientistas expuseram 40 camundongos a 1 miligrama de radiação por dia (1 mGy/dia) por seis meses. Essa seria, aproximadamente, a mesma dose e duração que os astronautas experimentariam em uma viagem entre a Terra e Marte.

LEIA TAMBÉM: Viagem sem volta a Marte

Nesse aspecto, os dados relativos a astronautas na órbita baixa da Terra não servem de comparação. Por serem protegidos pela magnetosfera do nosso planeta, eles são expostos a doses de radiação mais baixas.

 

Mudanças fisiológicas

Ao longo do estudo, o comportamento dos camundongos foi analisado. Os pesquisadores mediram a capacidade dos animais de aprender e relembrar informações, sua disposição para interagir com novos camundongos introduzidos em seu cercado e outras variáveis. Na parte final, os animais foram sacrificados e seus cérebros foram estudados em busca de mudanças fisiológicas.

Um grupo de 40 camundongos que não receberam a dose de 1 mGy/dia serviu como controle.

Os dados coletados causam preocupação. Os animais expostos à radiação exibiram mais comportamentos de estresse e menor capacidade de aprender e lembrar. O trabalho fisiológico reforçou esses achados, identificando sinalização celular prejudicada em duas áreas-chave do cérebro: o hipocampo, associado ao aprendizado e à memória, e o córtex pré-frontal, onde ocorrem várias funções cognitivas complexas.

Não se sabe exatamente ainda a origem desses efeitos no cérebro. No entanto, Limoli descarta que eles estejam ligados a morte celular ou danos no DNA, por causa das baixas doses de radiação usadas.

 

Ansiedade e perda de memória

Para Limoli e sua equipe, é provável que um em cada cinco astronautas viaje pelo espaço profundo por um período prolongado de tempo experimentasse sintomas semelhantes aos da ansiedade. Já quanto à perda de memória, a relação seria de um para três.

Segundo os pesquisadores, esses dados “sugerem que a incidência de graves deficiências no aprendizado e na memória e o surgimento de comportamentos disfuncionais podem ocorrer em uma porcentagem inaceitavelmente alta de astronautas”.

Limoli disse à rede CNN que a Nasa trabalha em sistemas avançados de blindagem e soluções farmacológicas para proteger os astronautas. Seu estudo, porém, reforça a ideia de que a viagem a Marte é mais complexa do que pode parecer.

E o problema se agravaria ainda mais no caso de expedições interestelares, que envolverão a princípio muito mais tempo de viagem. A exposição cumulativa à radiação, nesse caso, seria muito maior para cada tripulante da nave.