O time que lutou pela democracia; o atleta que brigou na Justiça por direitos trabalhistas; o baixinho atrevido que encarou uma semifinal como palco político e marcou um dos gols mais belos da história; o atacante que uniu uma nação em guerra civil para assistir à seleção e acabou com o conflito.

Em tempos de jogadores superstars, alienados e com salários astronômicos, histórias como essas podem parecer obra de ficção, mas aconteceram e ainda acontecem.

Um dos exemplos mais emblemáticos da força social do futebol aconteceu no Brasil. No início de 1981, o Corinthians vivia um dos piores momentos de sua história. Em meio à luta pelas liberdades democráticas do período ditatorial, uma nova presidência e diretoria do clube passaram a incorporar as ideias de Sócrates, Wladimir e Casagrande, jogadores politizados que exigiam dentro do clube a liberdade que não existia ali ou do lado de fora.

Nascia o movimento conhecido como Democracia Corintiana, que influenciaria a sociedade. “Quando comecei a entender o que acontecia no Brasil naquela época, em plena ditadura, fiquei preocupado. Eu achava, como a grande maioria, que merecíamos ser uma democracia, merecíamos ser livres”, contou Casagrande à PLANETA. Todas as questões envolvendo o time eram decididas em votações com a participação de atletas, funcionários e dirigentes, com o mesmo poder de decisão. Sócrates e Casagrande foram um dos defensores da campanha “Diretas Já”, que em 1984 foi às ruas reivindicar eleições para presidente, apressando o fim da ditadura no ano seguinte.

Uma década antes, outro rebelde de chuteiras foi à luta pelos direitos de trabalho em um período mais duro da ditadura militar. Em 1971, Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho, craque do Santos e do Fluminense, liderou os colegas em uma batalha judicial para receber o pagamento de prêmios  atrasados no Botafogo. Não muito depois, voltou à Justiça pelo direito de entrar em campo com barba e cabelos compridos. A diretoria do alvinegro carioca proibiu-o de jogar se mantivesse a aparência contestadora. Revoltado, resolveu lutar não só pela livre expressão, mas pelo passe livre, abrindo caminho para outros jogadores.

Exemplo máximo do anti-herói futebolístico, o argentino Diego Maradona causou mais problemas do que melhorias sociais. Sua atuação em um jogo da semifinal da Copa do Mundo de 1986, contra a Inglaterra, exprimiu motivação política e sentimento de revanche histórica. Quatro anos antes, os ingleses haviam tomado as ilhas Malvinas da Argentina, fato lembrado por Maradona aos companheiros nos vestiários antes da partida. Endiabrado, o camisa 10 marcou os dois gols da vitória por 2 a 1. O primeiro, um famoso gol de mão, “la mano de Dios”, consagrou a esperteza argentina, a famosa “viveza criolla”. O segundo, arrancando do meio de campo e passando por metade do time inglês, foi eternizado como “o gol do século”. A Argentina lavou a alma sagrando-se campeã do mundo.

Do outro lado do mundo, já no século XXI, o astro Didier Drogba, então no Chelsea, da Inglaterra, entrava em campo para defender seu país, a Costa do Marfim, na Taça das Nações Africanas, contra Madagascar. O atacante vestia a camisa de uma nação dividida por um conflito sangrento entre governo e guerrilheiros rebeldes. Calculadamente, Drogba exigiu que a partida acontecesse na capital-sede do levante. Na arquibancada, pela primeira vez em cinco anos, militares de ambos os lados torceram juntos. A seleção marfinense venceu por 5 a 0 e a Costa do Marfim avançou rumo à pacificação.