Astrônomos usaram o Observatório de Raios X Chandra, da Nasa, para registrar o material ejetado à força do local de uma estrela explodida em velocidades superiores a 32 milhões de quilômetros por hora. Isso é cerca de 25 mil vezes mais rápido do que a velocidade do som na Terra.

O remanescente da supernova de Kepler (SN 1604) é o entulho de uma estrela que explodiu localizada a cerca de 20 mil anos-luz de distância da Terra, na Via Láctea. Em 1604, os primeiros astrônomos, incluindo Johannes Kepler (que se tornou o homônimo do objeto), viram a explosão de uma supernova que destruiu a estrela.

Agora sabemos que o remanescente da supernova de Kepler é o rescaldo da chamada supernova do Tipo Ia. Nesses casos, uma pequena estrela densa, conhecida como anã branca, excede um limite de massa crítica após interagir com uma estrela companheira e sofre uma explosão termonuclear que destrói a anã branca e lança seus restos para longe.

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O último estudo acompanhou a velocidade de 15 pequenos “nós” de destroços no remanescente da supernova de Kepler, todos brilhando em raios X. O nó mais rápido alcançou 37 milhões de quilômetros por hora, a maior velocidade já detectada de restos de supernova em raios X. A velocidade média dos nós é de cerca de 16 milhões de quilômetros por hora, e a onda de choque está se expandindo a cerca de 24 milhões de quilômetros por hora. Esses resultados confirmam independentemente a descoberta de 2017 de nós viajando a velocidades de mais de 32 milhões de quilômetros por hora no remanescente da supernova de Kepler.

Determinações mais precisas

Os pesquisadores do estudo mais recente estimaram as velocidades dos nós analisando os espectros de raios X do Chandra, que fornecem a intensidade dos raios X em diferentes comprimentos de onda, obtidos em 2016. Comparando os comprimentos de onda de características no espectro de raios X com valores de laboratório e usando o efeito Doppler, eles mediram a velocidade de cada nó ao longo da linha de visão do Chandra ao remanescente. Eles também usaram imagens do Chandra obtidas em 2000, 2004, 2006 e 2014 para detectar mudanças na posição dos nós e medir sua velocidade perpendicular à nossa linha de visão. Essas duas medições combinadas fornecem uma estimativa da velocidade real de cada nó no espaço tridimensional. Um gráfico dá uma explicação visual de como os movimentos dos nós nas imagens e os espectros de raios X foram combinados para estimar as velocidades totais.

O trabalho de 2017 aplicou a mesma técnica geral do novo estudo, mas usou espectros de raios X de um instrumento diferente no Chandra. Isso significa que o novo estudo tinha determinações mais precisas das velocidades do nó ao longo da linha de visão e, portanto, as velocidades totais em todas as direções.

As altas velocidades dos restos da supernova de Kepler são semelhantes às que os cientistas viram em observações ópticas de explosões de supernovas em outras galáxias apenas dias ou semanas após o evento, bem antes de um remanescente de supernova se formar décadas depois. Tal comparação implica que alguns dos nós desse caso dificilmente foram retardados por colisões com o material ao redor do remanescente nos aproximadamente 400 anos desde a explosão.

Assimetria

Com base nos espectros do Chandra, confirmou-se que oito dos 15 nós estão definitivamente se afastando da Terra, enquanto apenas dois estão se movendo em direção a ela. (Os outros cinco não mostram uma direção clara de movimento ao longo de nossa linha de visão.) Essa assimetria no movimento dos nós implica que os detritos podem não ser simétricos ao longo de nossa linha de visão. Porém, mais nós precisam ser estudados para confirmar esse resultado.

Os quatro nós com as velocidades totais mais altas estão todos localizados ao longo de uma faixa horizontal de emissão de raios X brilhantes. Três deles são identificados em uma visualização em close-up. Esses quatro nós estão todos se movendo em uma direção semelhante e têm quantidades semelhantes de elementos como o silício, sugerindo que a matéria em todos esses nós se originou da mesma camada da anã branca explodida.

Um dos outros nós que se movem mais rapidamente está localizado na “orelha” do lado direito do remanescente na foto, sustentando a ideia intrigante de que a forma tridimensional dos detritos é mais parecida com uma bola de futebol do que com uma esfera uniforme.

Ambiente acidentado

A explicação para o material de alta velocidade não é clara. Alguns cientistas sugeriram que o remanescente da supernova de Kepler é de um Tipo Ia excepcionalmente poderoso, o que pode explicar o material em movimento rápido. Também é possível que o ambiente imediato ao redor do remanescente seja em si mesmo acidentado, o que poderia permitir que alguns dos detritos cavassem um “túnel” através de regiões de baixa densidade e evitassem ser muito desacelerados.

A equipe de 2017 também usou seus dados para refinar as estimativas anteriores da localização da explosão da supernova. Isso permitiu a eles procurar uma companheira da anã branca que pode ter sido deixada para trás após a supernova e aprender mais sobre o que desencadeou a explosão. Eles encontraram uma falta de estrelas brilhantes perto do centro do remanescente. Isso implicava que uma estrela como o Sol não doava material para a anã branca até ela atingir a massa crítica. Uma fusão entre duas anãs brancas é a ideia preferida.

Os novos resultados foram relatados em um artigo liderado por Matthew Millard, da Universidade do Texas em Arlington (EUA), e publicado na edição de 20 de abril de 2020 da revista “The Astrophysical Journal”. O artigo de Toshiki Sato e Jack Hughes que relatou a descoberta de nós que se movem rapidamente no remanescente de supernova de Kepler  foi publicado na edição de 20 de agosto de 2017 do “The Astrophysical Journal”.