Pouco antes de embarcar para o Japão, país para onde se mudou em julho de 2019, o publicitário e empresário William Shiniti Takeshita foi dar a notícia e se despedir da avó. Lacônica, ela simplesmente disse: “Ganbatte!”

Para um japonês, essa palavra tem um significado muito intenso. Pode ser traduzida como “vá lá, esforce-se e dê o seu melhor”, “dê o seu máximo e não desista”. É um jeito forte de desejar boa sorte. É a expressão que melhor sintetiza a resiliência nipônica frente às adversidades.

Hoje com 90 anos, Matsue sabia muito bem o que estava falando ao neto. A imigração de William, de certa forma, era o retorno às origens, era o ciclo se fechando a partir do movimento feito por ela ainda criança, em 1938. Com as peculiaridades inerentes à contemporaneidade, evidentemente, que tornam as coisas menos difíceis — e encurtam as distâncias.

Japonesa nascida na cidade de Mie, Matsue fixou-se em São Paulo para nunca mais voltar à terra natal. Casou-se com um também imigrante nipônico, Takashi — os quatro avós de William nasceram no Japão; apenas ela ainda é viva.

“Na época [da imigração dela] o Japão estava entre as guerras, foi um período muito ruim para os japoneses. Para ela, o Brasil foi muito melhor do que Japão. Ela nunca voltou, nem para visitar”, conta William.

O fato de ter os quatro avós nascidos japoneses tornou sua adaptação ao país mais fácil, acredita o brasileiro. “Eu não tenho cara de mestiço”, comenta. Segundo ele, quem fisicamente é percebido como alguém não 100% japonês “não chega a sofrer preconceito diretamente, mas costuma receber um tratamento ‘um pouco’ diferente”. “As pessoas falam mais devagar, dão um passinho para trás, não ficam perto. Há um distanciamento”, explica.

O idioma também ajudou, claro. Em sua família, William aprendeu o japonês antes mesmo do português.

Experiência de vida

Depois que se formou em publicidade pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2006 , William abriu uma empresa de produção de eventos. Tinha grandes clientes, inclusive companhias multinacionais.

Em 2019, ele era um empresário enfrentando a crise financeira em São Paulo. Em reunião com os sócios, ficou decidido que era hora de dar um tempo no negócio. “Ou eu ia ficar maluco”, comenta. Divorciado, pensou em encarar uma temporada no Japão. “Vou lá, vou trabalhar, vou pegar uma graninha”, planejou.

Para tanto, tinha a vantagem da ascendência nipônica. Isto porque desde os anos 1980, para enfrentar o problema da falta de mão de obra, o Japão passou a ter leis que facilitam a entrada de trabalhadores estrangeiros. Em 1990, foi editada uma norma permitindo que descendentes de japoneses até a terceira geração — os chamados sanseis, como é o caso de William — pudessem trabalhar lá com um visto de residência longo.

Tecnicamente, o brasileiro se tornou um decasségui — a palavra significa algo como “trabalhador distante de casa”. Quando chegou ao Japão, já tinha tudo acertado com uma fábrica, graças a uma recrutadora, localizada no bairro paulistano da Liberdade, que intermediou a contratação.

“Você praticamente tem de ser uma máquina”

William engrossou o contingente de brasileiros decasséguis, o quarto maior número de estrangeiros residentes na “terra do sol nascente”. Ele é um dos 211.138 brasileiros vivendo no país — o que faz com que o Japão ocupe a quinta colocação no ranking das nações com o maior número de nascidos no Brasil.

Hoje com 38 anos, vive em Toyohashi, uma cidade de 380 mil habitantes. “Trabalho em uma fábrica de peças automotivas. Faço abastecimento de uma linha de pintura”, conta. “Aqui você praticamente tem de ser uma máquina: acordo todo dia às 4h30, saio para trabalhar. Começo às 6h20. Se for horário normal, fico na fábrica até as 15h20. Se tiver hora extra, 17h35. É corrido. Não para.” Para ir e voltar, conta com transporte providenciado pela empresa. São 20 minutos de deslocamento.

Na fábrica, um universo de iguais. Dos 500 funcionários que são seus colegas de trabalho, 70% são operários brasileiros como ele. “Dentro, você é um número, uma máquina. Não importa se sai alguém hoje, outro entra no lugar amanhã, não importa quem. Se eu for embora, tem outro para fazer a mesma coisa. Provavelmente, algum outro brasileiro”, analisa.

Por causa da agência intermediadora, quando ele chegou ao Japão havia uma pessoa o aguardando no aeroporto. A kitnet onde ele vive, sozinho, já estava preparada para recebê-lo. E ele foi levado à prefeitura para fazer o registro e obter toda a papelada necessária para recomeçar a vida. “Eles cuidam de toda a parte burocrática. Também me levaram até a loja de celular e ao banco, inclusive me ajudando na abertura de conta”, recorda.

Na ponta do lápis, William acredita que essa vida vale a pena pela experiência — nem tanto pelo dinheiro. Ele conta que o salário é de cerca de 2 mil dólares por mês, mas o custo de vida é muito alto. “Gasto mais de 1.100 apenas para sobreviver”, ilustra. “Já me falaram que antigamente valia mais a pena, hoje nem tanto. Estou encarando como experiência de vida.”

Seu plano inicial era ficar somente um ano. Veio a pandemia e ele decidiu estender um pouco. Agora está numa encruzilhada. Por um lado, cogitou até abrir um negócio próprio no Japão, talvez retomando sua carreira “normal” lá. “Mas é complicado porque eu tenho problema com a língua. Apesar de saber falar, ainda é difícil escrever”, argumenta. Por outro, pensa que talvez seja a hora de retornar ao Brasil em 2022.

Pai de um adolescente de 14 anos, Gustavo, conta que o mais difícil é mesmo a saudade da família. Com um fuso horário “invertido”, nem conversas por videochamadas são muito constantes. “Durante a semana, só falo com meu filho por mensagens, que ele pode abrir e responder no horário dele. Ele tem escola, eu tenho trabalho, é complicado ‘casar’ os horários”, explica.

Apesar de ter sido criado com a culinária nipônica no cotidiano, ele conta que a comida do dia a dia no Japão ainda lhe é estranha. “Mesmo a comida que minha avó fazia no Brasil… Não era assim. Aqui ela é muito doce. Você pede um frango, e ele é doce. Dá aquele conflito no paladar”, compara.