Nos últimos 20 anos, cientistas detectaram uma ligação clara entre distúrbios autoimunes e diversas condições psiquiátricas. Por exemplo, pessoas com doenças autoimunes, como doença inflamatória intestinal (DII), psoríase e esclerose múltipla, também podem ter uma microbiota intestinal empobrecida e sofrer de ansiedade, depressão e distúrbios de humor. Os riscos genéticos para desordens autoimunes e psiquiátricas também parecem estar intimamente relacionados.

A forma como a saúde intestinal afeta a saúde do cérebro, porém, ainda era um mistério. Ele começa a ser desvendado agora, a partir da descrição pioneira de processos celulares e moleculares subjacentes à comunicação entre micróbios intestinais e células cerebrais feita por cientistas de diferentes instituições lideradas pela Universidade Cornell (EUA). A novidade foi apresentada na revista “Nature”.

“Nosso estudo fornece uma nova visão dos mecanismos de como o intestino e o cérebro se comunicam no nível molecular”, disse David Artis, professor de Cornell e coautor sênior do trabalho. “Ninguém ainda entendeu como a DII e outras condições gastrointestinais crônicas influenciam o comportamento e a saúde mental. Nosso estudo é o começo de uma nova maneira de entender todo o cenário.”

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Os pesquisadores usaram ratos para aprender sobre as mudanças que ocorrem nas células cerebrais quando a microbiota intestinal se esgota. A primeira autora, Coco Chu, de Cornell, liderou uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de sua universidade, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e de Harvard, especializados em comportamento, técnicas avançadas de sequenciamento de genes e análise de pequenas moléculas dentro das células.

Capacidade reduzida

Os ratos tratados com antibióticos para reduzir suas populações microbianas, ou que foram criados para serem livres de germes, mostraram uma capacidade significativamente reduzida de aprender que um perigo ameaçador não estava mais presente. Para entender a base molecular desse resultado, os cientistas sequenciaram o RNA em células imunológicas chamadas microgliócitos ( também conhecidas como microglia ou micróglia) que residem no cérebro e descobriram que a expressão gênica alterada nessas células desempenha um papel na remodelação de como as células cerebrais se conectam durante os processos de aprendizado. Essas alterações não foram encontradas na micróglia de camundongos saudáveis.

“Alterações na expressão gênica na micróglia podem atrapalhar a poda [processo natural de seleção] de sinapses, as conexões entre células cerebrais, interferindo na formação normal de novas conexões que devem ocorrer através do aprendizado”, disse Conor Liston, de Cornell, coautor do estudo.

A equipe também analisou mudanças químicas no cérebro de camundongos livres de germes e descobriu que as concentrações de vários metabólitos associados a distúrbios neuropsiquiátricos humanos, como esquizofrenia e autismo, foram alteradas. “A química do cérebro determina essencialmente como sentimos e reagimos ao nosso ambiente, e há evidências de que os produtos químicos derivados de micróbios intestinais desempenham um papel importante”, disse Frank Schroeder, de Cornell.

Influência diária e permanente

Em seguida, os pesquisadores tentaram reverter os problemas de aprendizado nos ratos restaurando a microbiota intestinal em várias idades desde o nascimento. “Ficamos surpresos que poderíamos resgatar déficits de aprendizado em camundongos livres de germes, mas apenas se interviéssemos logo após o nascimento, sugerindo que os sinais da microbiota intestinal são necessários muito cedo”, disse Liston. “Essa foi uma descoberta interessante, dado que muitas condições psiquiátricas associadas a doenças autoimunes estão associadas a problemas durante o desenvolvimento inicial do cérebro.”

Artis observou que o eixo intestino-cérebro afeta todos os seres humanos diariamente, e acrescentou: “Estamos começando a entender mais sobre como o intestino influencia doenças tão diversas como autismo, doença de Parkinson, transtorno de estresse pós-traumático e depressão. Nosso estudo fornece uma nova compreensão de como os mecanismos operam”.

“Ainda não sabemos, mas existe um potencial para identificar alvos promissores que possam ser usados ​​como tratamentos para seres humanos no futuro”, disse Liston. “Isso é algo que precisaremos testar daqui para a frente.”