Boa parte da legislação ambiental moderna na indústria, no transporte e na agricultura nasceu na Europa.

Para sair da atual crise do sistema industrial, a Europa e o restante do mundo precisam apostar em inovação verde e fazer a Rio+20 avançar.

Mais do que um pedaço da Itália em território brasileiro, a embaixada do país em Brasília tornou-se o símbolo de uma parceria entre os dois países. Não exatamente em diplomacia, mas em sustentabilidade. O projeto Embaixada Verde já conseguiu reduzir contas de água e luz do edifício, reaproveitando água e instalando 450 painéis fotovoltaicos para gerar energia solar.

Às vésperas da Rio+20,   veio conferir a experiência, que pode ser disseminada para empresas brasileiras ou italianas que atuam no Brasil. Médico higienista de 55 anos com longa trajetória de militância ambiental na União Europeia, Clini afirma que a Europa defenderá a inovação verde na conferência para superar a crise econômica investindo em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias “puras”, como energia eólica e solar, além de explorar mais o setor do turismo. “A Europa tem a chance de poder ser um grande Vale do Silício em energia, meio ambiente, água e produção agrícola”, disse à PLANETA.

Alguns países europeus estão na vanguarda em sustentabilidade. Quais são os mais importantes, em sua opinião? Como o senhor avalia a posição da Itália no setor?
Desde a década de 1990, a Europa considera o meio ambiente como fator de oportunidade para o desenvolvimento da economia, da energia, do transporte, da indústria e da agricultura. Grande parte do marco regulatório ambiental que nasceu na Europa se tornou global, como as normas para o desempenho de automóveis, que começaram com o modelo europeu e agora valem para todo o mundo. As regras que criamos para a iluminação também estão virando regra planetária. É certo que a Europa é uma liderança mundial nesse ponto de vista.

O senhor participou da Eco 92 como coordenador da delegação técnica da Itália. Qual é sua perspectiva para a Rio+20?
Creio que a conferência terá sucesso desde que consiga estabelecer uma agenda de trabalho em comum para o futuro do planeta. Uma agenda comum deve ser capaz de identificar objetivos afins para o desenvolvimento sustentável. Depois, precisa propor metas e objetivos para diversos setores da economia. Se conseguirmos manter metas e regras tanto para a inovação e o desenvolvimento da indústria como para o transporte, a agricultura e a gestão de águas, será possível imaginar um desenvolvimento sustentável. Por outro lado, se separarmos o desenvolvimento econômico do desenvolvimento sustentável, teremos grupos econômicos gerando poluição e mais custos para serem limpos depois.

 

Dá para crescer sendo sustentável?Hoje não é mais possível tanto crescimento mundial, porque a população aumentou demais no planeta e os recursos são limitados. O mundo requer mais energia. Crescer sem pensar no desenvolvimento sustentável significa gerar um passivo enorme a ser restaurado depois. Isso é muito perigoso.

 

O que a Itália quer da Rio+20?
Uma agenda em comum com o planeta. O projeto da Embaixada Verde, por exemplo, é um símbolo. A energia solar limpa do edifício é um exemplo de como se produzir crescimento econômico a partir do desenvolvimento sustentável. A água usada na embaixada é purificada e depois reutilizada para irrigação. Isso evita poluição e gera economia. É um exemplo de como se portar. Não é uma questão ideológica, é simplesmente uma atitude racional verdadeira. Não pode haver mais crescimento sem ser sustentável.

A crise econômica tem castigado a Europa, sobretudo países como a Itália. Como isso afeta os investimentos em sustentabilidade que devem ser debatidos na Rio+20?
A crise econômica da Europa é, antes de tudo, uma crise de um sistema industrial, que explorou até a última gota os recursos naturais e agora não consegue mais competir com a produção da China, do Brasil, da Índia, da Coreia do Sul ou da África do Sul. A possibilidade de sair da crise consiste, justamente, em apostar em soluções e produtos novos. A Europa pode sair da crise e ser um líder global pela produção inovadora em energia, pela proteção da natureza, das paisagens e da conservação da água. Na Europa há um grande exemplo que é o turismo. É uma grande possibilidade, porque temos um continente muito belo, com grande tradição cultural. Proteger o patrimônio natural da Europa é proteger o patrimônio cultural, que torna a Europa atraente. Então, é muito importante para o continente que seu turismo seja “limpo”. O mundo todo precisa de energia limpa. Já a China e a Índia necessitam principalmente do petróleo. A saída para a crise está em inovação e tecnologias puras, a partir do vento, da geotermia e da energia solar, para países que estão em grande crescimento, como China, Índia e Brasil. É possível para a Europa crescer e sair da crise a partir do momento que se tornar o motor de pesquisa em novas tecnologias, que servem para todo o planeta. É como o Vale do Silício, que produziu sistemas de comunicação úteis a todo o mundo. A Europa tem a chance de poder ser um grande Vale do Silício em energia, meio ambiente, água e em produção agrícola.

Nos anos 1980 houve iniciativas italianas em defesa da Amazônia, nos Estados do Acre e de Roraima, por meio da Igreja Católica e de grupos ambientalistas como a Lega Per Ambiente. A Amazônia continua a despertar o interesse dos italianos?
Continuamos trabalhando com o Brasil. O Brasil é muito importante para nós. Temos financiado o projeto Amazônia sem Fogo, uma iniciativa em parceria com outros três países para combater o desmatamento nas florestas. Nosso princípio é o de colaborar com o governo no Brasil com esse projeto, porque respeitamos a política que ele está aplicando na gestão de suas florestas. Não estamos dispostos a apoiar iniciativas que criem polêmica contra o governo brasileiro com relação a florestas.

Um relatório recentemente divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico afirma que a poluição atmosférica se tornará a maior causa ambiental de morte prematura em algumas décadas, no mundo. Como resolver essa ameaça?
Como se resolve o problema do ar, reduzindo a emissão de poluentes que vêm sobretudo da indústria, do aquecimento global e dos automóveis. Na Itália, estamos aplicando a lei europeia. Muitas cidades do norte do país foram obrigadas a paralisar o trânsito ou até mesmo a reduzir a atividade industrial. Aplicamos regras severas. Entretanto, não basta só severidade, temos de intervir também nas inovações tecnológicas. Estimular mais os carros elétricos, incentivar as pessoas a andar mais de trem do que de automóvel e usar mais fontes renováveis. É preciso modificar atividades industriais que são poluentes. Portanto, para resolver um problema ambiental é preciso, mais uma vez, interferir na indústria, nos transportes e na energia.

O senhor reconhece que esse ainda é um grave problema com que a Itália e a Europa precisam lidar?
Sem dúvida. Esse é o problema que temos em Milão, por exemplo: a condição climática não facilita a dispersão de poluentes na atmosfera.

O Desertec, um plano desenvolvido por um consórcio de empresas alemãs, pretende fornecer 15% da energia consumida na Europa a partir da energia solar e eólica produzida na África e no Oriente Médio. O senhor conhece esse projeto? É viável?
Sim, é um projeto muito interessante. Requer, porém, que se mude a estrutura energética da Europa. A energia elétrica gerada a partir do carvão, a energia nuclear e as fontes renováveis em geral já têm grande oferta na Europa. Para trazer essa energia do norte da África à Europa é preciso reduzir o uso de carvão mineral e de gás, por exemplo. Trata-se de fazer uma escolha. Não é possível haver tanta oferta de eletricidade num sistema em que já existem muitas fontes de energia. O projeto é interessante, mas requer uma transformação do sistema energético europeu.

O senhor acha que os países latino-americanos poderiam desenvolver uma proposta similar?
Não tenho ideia. Vocês são muito distantes uns dos outros. Neste momento, a melhor opção é a geração descentralizada. Talvez seja possível juntar os dois sistemas, como a energia solar e a de gás. Seria muito útil.

Como o senhor vê o papel do Brasil na transição para uma economia verde?
Hoje o Brasil é uma liderança política importante, mas precisa reforçar esse seu papel, porque, além da Rio+20, haverá a Olimpíada no Rio e isso exige um grande trabalho de qualificação ambiental. Acho que o Brasil continuará a ser uma importante liderança ambiental nos próximos anos. É uma grande responsabilidade e também uma grande oportunidade. É preciso inovar. Acredito que a presidenta Dilma está fazendo um trabalho positivo.