Um novo estudo liderado pela Universidade da Califórnia em Irvine (EUA) estabelece importantes conexões conceituais entre os campos de ritmos circadianos, metabolismo e vício. Indo além dos estudos atuais sobre transtornos por uso de substâncias, que se concentram no impacto de drogas viciantes no cérebro, esta nova pesquisa destaca uma conexão existente entre neurônios específicos e órgãos periféricos. O estudo foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

“Nossas descobertas fornecem um link para transtornos por uso de substâncias e disfunções metabólicas”, explicou a drª Emiliana Borrelli, professora de Microbiologia e Genética Molecular da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Irvine (neste estudo, ela colaborou com o falecido dr. Paolo Sassone-Corsi, professor de Química Biológica da mesma universidade). “Através de nossa pesquisa, exploramos como a interrupção das funções neuronais normais afeta a atividade metabólica e pode levar o corpo a um estado alterado para longe da homeostase, o que poderia contribuir para os comportamentos de busca de drogas exibidos por pessoas com transtornos por uso de substâncias.”

Mudanças profundas

Ao analisarem o metaboloma hepático (a composição de todas as pequenas moléculas presentes no fígado) de camundongos com deficiência na expressão do receptor de dopamina D2 (D2R) em um tipo específico de neurônios, os neurônios espinhosos médios do complexo estriado, os pesquisadores encontraram mudanças profundas no metaboloma circadiano do fígado em comparação com camundongos do grupo de controle. Além disso, eles descobriram que a ativação de circuitos dopaminérgicos (relacionados ao neurotransmissor dopamina) pela administração aguda de cocaína reprograma o metaboloma circadiano do fígado.

“A sinalização D2R em neurônios espinhosos médios é fundamental para a produção estriatal e é essencial para regular a primeira resposta aos efeitos celulares e recompensadores da cocaína”, disse Borrelli. “Assim, nossos resultados sugerem que as alterações na sinalização da dopamina em neurônios estriados específicos evocam grandes mudanças na fisiologia do fígado. A desregulação do metabolismo do fígado pode contribuir para um estado alostático alterado e, portanto, estar envolvido no uso continuado de drogas.”

O relógio circadiano está intimamente entrelaçado com o metabolismo e depende fortemente de interações multifacetadas entre os sistemas de órgãos para manter o tempo adequado. Causas genéticas e/ou ambientais podem interromper a comunicação entre os órgãos e alterar as atividades rítmicas. O uso de substâncias leva à sinalização alterada da dopamina, seguida pela reprogramação da expressão gênica circadiana e do metabolismo no sistema de recompensa.

As perturbações metabólicas observadas entre camundongos normais e aqueles com deficiência na sinalização do receptor de dopamina D2 nos neurônios espinhosos médios do estriado são muito aumentadas pela cocaína, uma substância de abuso e estimulante psicomotor, como mostrado nos gráficos de pizza. “Esses resultados destacam a importante conectividade entre um único tipo de neurônios e o metabolismo e mostram como as drogas psicoativas afetam a fisiologia por meio de conexões diretas cérebro-fígado”, diz a drª Emiliana Borrelli, da Universidade da Califórnia em Irvine. Crédito: Faculdade de Medicina/UCI

Papel fundamental

Este estudo mostra que os receptores de dopamina D2 (D2R) em neurônios espinhosos médios do complexo estriado (MSNs) desempenham um papel fundamental na regulação das atividades metabólicas diurnas do fígado. Além disso, drogas que aumentam os níveis de dopamina, como a cocaína, interrompem os perfis metabólicos circadianos no fígado, o que é exacerbado pela perda da sinalização D2R nos MSNs. Esses resultados revelam uma comunicação estrita entre neurônios/áreas do cérebro e o metabolismo do fígado, bem como a associação entre o uso de substâncias e déficits sistêmicos”, disse Borrelli.

Os transtornos por uso de substâncias afetam milhões de pessoas em todo o mundo. As propriedades recompensadoras de substâncias, como álcool, nicotina, opioides e psicoestimulantes, estão ligadas à sua capacidade de aumentar os níveis de dopamina em áreas do cérebro que controlam as emoções e induzem o prazer. A ingestão de drogas modifica a plasticidade neuronal e está no início do processo de dependência, o que leva indivíduos vulneráveis ​​a buscar e abusar continuamente dessas substâncias, apesar das consequências adversas em suas vidas.

Estudos futuros examinarão se as alterações nos metabólitos específicos identificados neste estudo contribuem para a suscetibilidade ao uso de drogas.