Francis Fukuyama foi alçado à fama em 1989 ao publicar o artigo “O fim da história?”, em que argumentava que a democracia liberal e o capitalismo de livre mercado são o ponto final da evolução sociocultural da sociedade. Três anos depois, o cientista político, filósofo e economista nipo-americano publicaria O fim da história e o último homem, expandindo essas ideias.

No fim de junho, autoridades da Rússia proibiram Fukuyama de entrar no país. A DW conversou com ele poucos dias depois de seu ingresso no conselho consultivo da organização Anti-Corruption Foundation International, criada pelo dissidente russo Alexei Navalny, que está preso.

Na entrevista, Fukuyama disse ser uma honra estar na lista de críticos de Moscou, um regime que, segundo ele, hoje mais se parece com a Alemanha nazista.

“Sua única ideologia é uma espécie de nacionalismo extremo, mas ainda menos desenvolvido que o dos nazistas. É também um regime muito mal institucionalizado. Realmente gira em torno de um homem, Vladimir Putin, que controla de fato todas as grandes alavancas do poder.”

O cientista político de 69 anos também elaborou sobre um eventual retorno de Donald Trump à presidência americana em 2024, que “resolveria todos os problemas da Rússia”.

“Ele aparentemente está comprometido em retirar os Estados Unidos da Otan. A Rússia terá alcançado seus principais objetivos simplesmente por essa mudança na política americana”, alerta.

DW: Como o senhor se sente por estar na lista de proibidos de entrar na Rússia?

Francis Fukuyama: Considero uma honra estar na lista. Todos os críticos estrangeiros importantes da Rússia e da invasão russa da Ucrânia foram incluídos nessa lista, e na verdade eu estava me perguntando por que eles demoraram tanto para chegar até mim.

Por que se juntou ao conselho da Anti-Corruption Foundation?

Sou um grande admirador de Alexei Navalny, conheci-o em Varsóvia em 2019. Corrupção é um problema muito grande na Rússia e em todo o mundo, e estou muito feliz em apoiar a fundação dele de todas as maneiras possíveis.

O presidente russo, Vladimir Putin, disse recentemente: “Nós apenas começamos”, referindo-se à guerra na Ucrânia. Ele está blefando?

Acho que ele está mentindo, assim como sobre muitas coisas. Analistas militares do Ocidente que têm observado o dispositivo de forças russo notaram que, no momento, a Rússia está passando por uma escassez de contingente muito grave.

Eles perderam talvez um terço de todas as forças originalmente reunidas para derrotar a Ucrânia. As estimativas de baixas russas são incertas, mas foram possivelmente 20 mil mortos e talvez 60 mil feridos, além dos prisioneiros. E para um país do tamanho da Rússia, isso é realmente um desastre militar.

Então acho que, levando em conta que os russos tiveram ganhos muito marginais nos dois meses desde que começaram a se concentrar no Donbass, não acho que eles tenham muito de reserva, e Putin está blefando quando diz que estão apenas começando.

Qual poderia ser uma estratégia bem-sucedida para a Ucrânia?

A estratégia mais realista neste momento é focar no sul, para reabrir o acesso da Ucrânia ao Mar Negro, retomando Kherson e outros portos no Mar de Azov. Isso é mais importante do que o Donbass [região do sul da Ucrânia em parte no poder de separatistas pró-russos]. Acredito que retomar o Donbass será bastante difícil nos próximos meses.

Mas até o final do verão [junho a setembro na Europa], seria possível ver algum progresso real no sul. É muito, muito importante para a Ucrânia recuperar esse acesso, para que possa retomar as exportações de todos os seu produtos agrícolas a partir de seus portos do Mar Negro e quebrar o bloqueio russo de Odessa.

Como a situação poderia mudar se Donald Trump fosse reeleito presidente dos Estados Unidos?

Se Donald Trump voltar em 2024, isso resolve todos os problemas da Rússia, porque ele aparentemente está comprometido em retirar os EUA da Otan. A Rússia terá alcançado seus principais objetivos simplesmente por essa mudança na política americana.

E é por isso que acho muito importante a Ucrânia fazer algum progresso e recuperar o impulso militar durante o verão, porque a unidade no Ocidente realmente depende de se acreditar que há uma solução militar para o problema no curto prazo.

Caso se sinta que estamos simplesmente enfrentando um impasse prolongado que vai durar para sempre, então acho que a unidade começará a se romper, e haverá mais pedidos de que a Ucrânia ceda território para acabar com a guerra.

Como vê a Rússia numa perspectiva global mais ampla? Qual é o tipo de regime político?

Mais do que qualquer outra coisa, ela realmente se parece com a Alemanha nazista neste momento. Sua única ideologia é uma espécie de nacionalismo extremo, mas ainda menos desenvolvido que o dos nazistas. É também um regime muito mal institucionalizado. Realmente gira em torno de um homem, Vladimir Putin, que controla de fato todas as grandes alavancas do poder.

Comparados com a China, eles são muito, muito diferentes. A China tem um grande Partido Comunista com 90 milhões de membros, tem muita disciplina interna. No caso da Rússia, não há esse tipo de institucionalização.

Portanto, não acho que seja um regime estável. Não acho que tenha uma ideologia clara que seja projetável. Acho que quem se alinha com ela é simplesmente alguém que não gosta do Ocidente por diferentes razões.

Trinta anos depois, o senhor tem alguma atualização sobre seu conceito de fim da história?

Estamos numa situação diferente da que estávamos há 30 anos. Tem havido retrocessos na democracia em geral, inclusive nos Estados Unidos, na Índia e em outros grandes países democráticos nos últimos anos. Mas o progresso da história nunca foi linear.

Tivemos grandes contratempos na década de 1930 aos quais sobrevivemos. Tivemos outro conjunto de contratempos na década de 1970, com a crise do petróleo e a inflação em muitas partes do mundo. Portanto, a ideia de progresso histórico não está morta.

Às vezes há contratempos, mas as instituições e ideias subjacentes são fortes e sobreviveram por um longo tempo, e espero que continuem a sobreviver.

A guerra na Ucrânia e outras crises políticas flamejantes estão ofuscando a crise climática mais global e perigosa?

Obviamente, as necessidades energéticas de curto prazo levaram a um ressurgimento dos combustíveis fósseis e retardaram o progresso na redução das emissões de carbono. Mas é um retrocesso temporário. E acho que é preciso lidar com ambas as questões, não é uma escolha entre uma ou outra. Realmente é preciso levar as duas a sério.

Mas a crise climática é uma que se desenrola lentamente e continuará conosco pelas próximas gerações. E, portanto, não acho que o fato de estarmos retrocedendo agora seja necessariamente a posição final em que acabaremos.