“Se um dia encontrar o inventor do trabalho, torço-lhe o pescoço sem nenhum remorso”, costumava exclamar meu pai, nos dias em que não dava conta dos compromissos. Ele foi um trabalhador obstinado, mas lamentou até o último dia não ter podido realizar a vocação dos seus sonhos: ser cantor de ópera. Como ele, quantos outros não passam a vida frustrados, desempenhando papéis que pouco ou nada têm a ver com sua verdade interior? Esse é um apanágio da nossa sociedade: o desempenho de papéis sociais incompatíveis com a essência da natureza individual.

“Não procure emprego; procure trabalho”

No momento em que a organização social humana foi inventada, com suas classes e suas hierarquias de poder, onde poucos mandam e a maioria obedece, trabalho virou sinônimo de esforço e sacrifício – para não dizer sofrimento e escravidão.

As coisas se complicaram ainda mais a partir das duas últimas grandes revoluções, a industrial, no início do século 19, e a socialista, no início do século passado, que implantaram no mundo o capitalismo como religião oficial. Capitalismo privado, no primeiro caso; capitalismo de Estado, no segundo. Ambos, contudo, com o mesmo binômio deletério na base da sua escala de valores: produtividade sem limites e consumismo insustentável.

Os resultados desse modelo egoísta e insensato estão aí: no plano macro, o sistema mundial à beira do colapso; no plano micro, um semnúmero de cidadãos infelizes, estressados, neuróticos e frustrados – doidos para torcer o pescoço do inventor do trabalho.

Mas, como diziam os sábios taoístas da China, o masculino Yang sucede ao feminino Yin; na fase seguinte, o feminino Yin sucede ao masculino Yang. E assim vai, ad infinitum. Vivemos hoje uma dessas revoluções, agora no mundo do trabalho. “Revolução no trabalho”, nossa matéria de capa, fala disso. Fomos preparados para desempenhar funções profissionais que poderiam durar toda uma vida. Agora, devemos nos preparar para a nascente era da prestação de serviços, das terceirizações, na qual, para sobreviver, será preciso ser polivalente, adaptável, capaz de desempenhar múltiplas funções, esperto e… muito resistente.