A cena de arqueólogos esquadrinhando terrenos em busca de pistas sobre povos desaparecidos ainda não está condenada, mas será bem menos frequente. Uma tecnologia de sensoriamento remoto usada nos últimos anos está revolucionando a arqueologia ao resumir a dezenas de minutos um trabalho antes feito durante anos.

O lidar (abreviatura da expressão em inglês Light Detection And Ranging, ou Detecção de Luz e Extensão) surgiu nos anos 1960, logo após a invenção do laser. À maneira do radar, o lidar, baseado no solo ou em uma aeronave, calcula a distância até um determinado ponto medindo o tempo necessário para um sinal refletido voltar ao ponto de emissão. Enquanto o radar emprega ondas de rádio, o lidar usa pulsos de luz, o que o torna bem mais preciso – 0,5 mícron, ante centímetros para o radar.

O lidar teve de se adaptar para mostrar-se útil na arqueologia. Em florestas tropicais, por exemplo, os 2 mil pulsos por segundo disparados pelos aparelhos disponíveis de início geralmente eram barrados pela cobertura vegetal. Foi preciso ampliar esse número para a tecnologia se mostrar efetiva. Hoje, os equipamentos emitem até 600 mil pulsos por segundo.


Ao topo e acima, edificações da cidade maia de Caracol, em Belize. O local foi o primeiro grande teste do lidar em regiões cobertas por floresta densa

Cada um desses pulsos pode ser refletido por quatro níveis de “paradas” (obstáculos), a última das quais é o solo. O engenheiro responsável vê de início uma “nuvem” de pontos, o registro confuso da parada de cada ponto em diferentes alturas. Um software filtra esses resultados, e o que aparece então é a topografia abaixo das árvores. Se existe ali um sítio arqueológico, seus traços ficam nítidos. Mapas em três dimensões criados com esses dados mostram as variações de altura dos objetos encontrados.

Arqueólogos europeus começaram a usar o lidar nos anos 1970. Embora a técnica ajude a revelar aspectos desconhecidos de redutos como Stonehenge, na Inglaterra (onde um mapeamento mostrou em 2014 a existência de 17 monumentos rituais relacionados a ele), a Europa não lhe traz dificuldade, pois não tem florestas densas. Além disso, no início do lidar na arqueologia o número de pulsos de luz por segundo ainda se limitava a 5 mil.

O quadro começou a mudar de fato em 2003, quando surgiu nos EUA o Centro de Mapeamento Nacional, uma parceria entre a Universidade da Flórida, a Universidade da Califórnia em Berkeley e a Fundação Nacional da Ciência. Seu primeiro desafio arqueológico surgiu seis anos depois: a cidade maia de Caracol, desaparecida há mil anos em Belize.
 

Detalhes nunca vistos

Quando os arqueólogos Diane e Arlen Chase, da Universidade da Flórida Central, decidiram usar o lidar para pesquisar Caracol, as máquinas já atingiam 125 mil pulsos por segundo. O resultado foi a cobertura de uma área de 200 quilômetros quadrados e o inédito desnudamento de uma cidade inteira oculta sob a mata. “Poderíamos estudar a distribuição de reservatórios, habitações, estradas, mercados, todas as partes da cidade – coisas que nunca tínhamos visto antes”, comenta Diane.

O caso de Caracol atraiu a atenção de outros arqueólogos. Chris Fisher, da Universidade Estadual do Colorado, estudava as ruínas de Angamuko, no centro-oeste do México, quando ouviu falar da tecnologia e decidiu usá-la. O resultado foi a descoberta de uma grande cidade do império purepecha, rival dos astecas. “Eles tinham grandes espaços ajardinados, reservatórios e terraços. O lidar deixa você ver tudo isso”, diz Fisher, cuja equipe estuda hoje a área ao lado de um grupo francês.


Aplicações diversas: Além da arqueologia (no mapa acima, a cidade de Caracol, em Belize), o lidar é usado para várias finalidades. Os militares americanos mapeiam com ele terrenos que suas tropas vão percorrer. A Nasautiliza-o em peças do sistema de acoplagem das naves à Estação Espacial Internacional. Na meteorologia, ele permite o exame de camadas atmosféricas e de concentrações de poluentes no ar. O lidar está presente ainda nos “revólveres” com que policiais verificam se o motorista trafega em excesso de velocidade.

Damian Evans, da Escola Francesa de Estudos Asiáticos, está revendo com o lidar o complexo de templos de Angkor, no Camboja, capital do império khmer. Supervisor do projeto, ele está impressionado com o que já viu. “Até mesmo os primeiros resultados brutos estão nos mostrando coisas nunca vistas antes”, afirma. A cobertura com que ele e sua equipe trabalham hoje é de 2 mil quilômetros quadrados, o dobro do que se considerava antes.

Angkor e o México representam desafios diferentes para o lidar. A tecnologia já supera a vegetação densa de selvas como a cambojana, mas ainda sofre com arbustos e construções mais baixas, como no caso mexicano. Mesmo assim, o lidar é um sucesso incontestável, e aguarda-se o que ele poderá produzir de surpresas quando chegar a lugares ainda pouco explorados, como a Amazônia.