A primeira campanha de vacinação contra o HPV em São Paulo foi realizada na Pontifícia Universidade Católica (PUC), há dois anos, com a adesão maciça de estudantes e funcionárias, se estendendo depois ao Colégio Bandeirantes e à Escola Móbile. A cada ano a vacina contra o vírus – um dos mais comuns entre os sexualmente transmissíveis – vem ganhando espaço entre adolescentes e transformando a visão dos jovens sobre a doença.

“A vacina contra o HPV é uma das formas mais eficazes de prevenção da doença e não tem recebido a importância devida do Ministério da Saúde”, alerta a professora de economia e vice-reitora da PUC, Cristina Helena, uma das promotoras do evento na universidade. A campanha partiu de um acordo com o laboratório Merck Sharp & Dohme para reduzir pela metade o custo da vacina, que é cara – as três doses custam mais de R$ 1.000. O medicamento ainda não foi incorporado ao Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde.

Existem mais de cem tipos de HPV, o papilomavírus humano. Nem todos são genitais, mas estudos internacionais atestam que entre 50% e 80% das mulheres sexualmente ativas serão contaminadas por um ou mais tipos de HPV ao longo da vida. A maioria das infecções é transitória e, muitas vezes, os anticorpos desenvolvidos pelo organismo são suficientes para combatê-las. O problema é que alguns tipos de HPV estão relacionados à incidência de tumores malignos no colo do útero que, quando não tratados, podem levar ao câncer.

Embora o vírus já tivesse sido diagnosticado há tempo, a abordagem sobre o HPV mudou por volta dos anos 1980, com a descoberta de sua relação com o câncer de colo de útero, um tipo de tumor que é o segundo de maior incidência entre a população feminina, depois do câncer de mama. No Brasil, de acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer, ocorreram mais de 18 mil casos em 2010. Estatísticas mais antigas dessa instituição falam em 4.800 mortes por ano, números mais do que elevados para a infecção por HPV ser tratada como um caso de saúde pública.

 

Fátima Duarte Ginecologista da Universidade de São Paulo.

Homens e mulheres transmitem e desenvolvem o HPV. Os homens, muitas vezes, são portadores silenciosos da doença, pois não manifestam nenhum sintoma aparente. “É muito comum a mulher apresentar lesões e o companheiro não. Isso pode trazer problemas no relacionamento do casal, pois o expõe ao questionamento da fidelidade”, diz a ginecologista Fátima Duarte, da Universidade de São Paulo. “É uma doença que fragiliza demais as pessoas por envolver questões muito íntimas e implicar um tratamento desagradável nos órgãos genitais.”

Defensora da vacina como uma conquista da ciência para as mulheres, Fátima lembra que países com melhores índices de saúde, como o Chile e o Canadá, vacinam as crianças a partir dos 9 anos de idade. “Eu acho melhor depois da menstruação, aos 11 ou 12 anos, para que o rito de passagem e educação sexual coincida com a percepção dos riscos da doença”, defende. “É importante não sexualizar as crianças antes da hora.”

Seja qual for a idade, a vacina deve ser aplicada, preferencialmente, antes do início da vida sexual. Mesmo que não possua 100% de eficácia, é a melhor forma disponível de lidar com a doença, e alguns países já começam a vacinar inclusive meninos. No Brasil está em estudo uma análise de custo-benefício para saber o que custa mais: a vacina ou os gastos com prevenção e tratamento. Fora da rede pública, além das escolas, algumas prefeituras e instituições privadas como o Banco Itaú, por exemplo, têm tomado iniciativas para difundi-la aos seus funcionários a custos acessíveis.

Desde 2006 a vacina está disponível nos principais hospitais, clínicas e laboratórios do país. Em São Paulo, a Clínica Especializada em Doenças Infecciosas e Parasitárias e em Imunizações (Cedipi) a aplica em meninos, quando orientados por médico, e em mulheres até 45 anos. “O que a gente vê hoje são os adolescentes pedirem aos pais para serem vacinados”, afirma Monica Levy, médica da clínica, que prega a imunização por volta dos 10 anos. “Embora o pico da incidência do HPV seja entre 20 e 25 anos, as meninas iniciam a vida sexual cada vez mais cedo.”

 

Vacinação contra o HPV no Cedipi, em São Paulo. No Chile e no Canadá as crianças são vacinadas a partir dos 9 anos de idade.

Questões religiosas, por vezes, atrapalham a divulgação da vacina. Mas a Associação Americana de Pediatria defende sua prescrição entre 11-12 anos. “O que se deve levar em conta”, lembra o médico Fernando Coelho, da Sociedade Brasileira de Urologia, “é que o uso da camisinha não deve ser negligenciado”. Segundo ele, parece que o susto da Aids passou. “Com os tratamentos da doença, a sobrevida e a redução de mortes, as pessoas baixaram a guarda. Tenho percebido que o alto índice de relações casuais tem levado a um novo aumento das doenças sexualmente transmissíveis simplesmente porque as pessoas não se cuidam.”

Imagem do papilomavírus humano (HPV), obtida por um microscópio eletrônico de transmissão.

O urologista conta, também, que um dos questionamentos do HPV nos consultórios é a tentativa de saber quem passou para quem. Em geral, não se consegue uma resposta. Principalmente, porque muitos homens só procuram o médico quando a mulher é diagnosticada, o que não significa que não tenham sido eles a transmitir. “O homem sofre menos com a doença. Mas mesmo assim espero que em poucos anos a vacina seja liberada também para meninos, em larga escala.”

O que tem mudado, basicamente, é o aumento de informação sobre a doença, enfatiza uma fotógrafa paulistana, mãe de três meninas. As duas mais velhas não foram vacinadas e uma desenvolveu a doença. A mais nova, agora com 17 anos, já tomou as primeiras duas doses. “Eu tinha conhecimento da vacina, mas deixei passar. Depois que uma das meninas teve HPV, acordei. Acho que nos últimos dez anos as pessoas ficaram mais esclarecidas.”

Por dentro do HPV

O que é: HPV é a sigla em inglês para papilomavírus humano, designação de mais de 100 tipos de vírus transmitidos sexualmente, a maioria pouco agressiva. Cerca de 60 afetam a região genital. Alguns provocam apenas lesões benignas, que regridem espontaneamente; outros, quando não tratados, podem evoluir para câncer no colo do útero, mais comum, e no pênis.

Transmissão: A exemplo de outras doenças sexualmente transmissíveis, o HPV se propaga com facilidade e, com frequência, logo no início da vida sexual.

Sintomas: Lesões na vagina, no colo do útero, no pênis e no ânus. Verrugas genitais ou condilomas. Às vezes surgem semanas após o contato sexual com o parceiro infectado, mas também podem demorar meses e até anos para se manifestar. A variação do período entre a contaminação e o surgimento da lesão não permite definir quando o contágio ocorreu.

Diagnóstico: Exame urológico e ginecológico. Já o diagnóstico das lesões precursoras do câncer de colo de útero, causadas pelo papiloma vírus, é feito por exame citopatológico, o Papanicolau.

Tratamento: Cada caso é um caso e depende de avaliação médica. Entre os tratamentos usados há cremes para aplicação local, uso de nitrogênio líquido, laser e eletrocauterização.

Prevenção: O uso de camisinha diminui a possibilidade de transmissão, mas não a evita totalmente.

Vacinas: Há dois tipos disponíveis no Brasil, importadas. A quadrivalente, do laboratório Merck Sharp & Dohme, atua contra quatro tipos de HPV, e a bivalente, do laboratório GlaxoSmithKline, protege contra dois tipos. Ambas são licenciadas pelo Ministério da Saúde para mulheres entre 9 e 26 anos.

Dose: A vacina é dada em três doses intramusculares, aplicadas no braço. O intervalo entre a primeira e segunda dose é de dois meses. A terceira é dada seis meses após a primeira. Há poucos efeitos colaterais: os mais comuns são desconforto local, inchaço e dor de cabeça. A quadrivalente protege contra 70% dos vírus causadores de câncer e custa R$ 380 a dose. A bivalente, cujo preço é de R$ 230, tem 90% de eficácia contra os vírus que provocam verrugas genitais.