A opulência artística de uma cidade pode causar problemas de saúde de tontura a distúrbios cardíacos? Não se tem notícia disso em Nova York, Londres ou Paris, por exemplo, metrópoles conhecidas por sua riqueza nessa área. Mas Florença, na Itália, tem acumulado casos. Eles são classificados como “síndrome de Stendhal”, em referência a um dos primeiros episódios conhecidos, quando o romancista e crítico francês Stendhal ficou doente com a arte ali em 1817. Ele descreveu assim o que sentiu: “(…) fiquei em uma espécie de êxtase com a ideia de estar em Florença (…) fui acometido de uma forte palpitação do coração (…) minha força vital se esvaiu de mim e andei com medo constante de cair no chão”.

A síndrome ganhou contornos psiquiátricos em 1989. Nesse ano, Graziella Magherini, psiquiatra no Hospital Santa Maria Nuova, de Florença – instalado em um magnífico prédio do século 15 onde Leonardo da Vinci dissecava cadáveres –, estudou 106 pacientes, todos turistas, que apresentaram sintomas como vertigens, alucinações e despersonalização enquanto observavam obras do gigantesco acervo artístico da cidade. Segundo a psiquiatra afirmou em 2019, essas pessoas sofreram “ataques de pânico, causados pelo impacto psicológico das obras de arte e da viagem”.

Especula-se que a concentração de arte de nível elevado em Florença – a capital da Toscana é uma cidade de menos de 400 mil habitantes – seria a causa de tais problemas. Seu compacto centro histórico é repleto de estátuas, retábulos, fontes, afrescos, cúpulas e portas esculpidas. Os turistas que passam mal ali são atendidos no mesmo Hospital Santa Maria Nuova mencionado há pouco. Ao estarem em um lugar relativamente pequeno com tantas obras de qualidade artística superior, os amantes da arte viveriam uma emoção comparável à de conhecer todos os seus heróis de uma só vez (um fator que as longas filas de entrada podem agravar).

Ambiente favorável

Florença é, de fato, um lugar especial em termos de arte. Foi ali que Giorgio Vasari começou a construir a Galeria Uffizi na década de 1560 e criou a própria ideia de “arte” como a conhecemos, como algo com um fascínio hipnótico. A poderosa dinastia Médici e outros mercadores e banqueiros florentinos acreditavam que a arte poderia torná-los felizes, sábios e civilizados como os antigos romanos, a quem veneravam. De acordo com eles, uma pintura ou estátua poderia ser um talismã ou amuleto para promover a fertilidade sexual ou evitar desastres.

Com um ambiente francamente favorável aos artistas no Renascimento, Florença abrigou simultaneamente três gênios de qualidade superlativa – Leonardo da Vinci, Michelangelo e Botticelli. É realmente difícil competir nesse nível. Aparentemente, a condição psíquica mais próxima da síndrome de Stendhal estaria na chamada síndrome de Jerusalém, que causa delírios religiosos ou messiânicos psicóticos entre os que visitam a cidade, sagrada para as três principais religiões monoteístas do mundo.