Um grupo internacional de pesquisadores apoiado pela Fapesp realizou o cruzamento de milhares de dados sobre o funcionamento do sistema imune de pacientes com covid-19 e estabeleceu possíveis fatores para explicar a menor incidência de casos graves entre mulheres. As informações possibilitam o estudo de possíveis alvos terapêuticos para a doença, podendo reduzir a incidência de casos graves. Os resultados foram divulgados na plataforma medRxiv, ainda em versão preprint (sem revisão por pares).

“Percebemos que as mulheres conseguem responder mais apropriadamente ao vírus. O sistema imune feminino ativa respostas de citocinas de forma bem intensa, porém, não tanto de determinados tipos que poderiam causar danos aos órgãos. Ao mesmo tempo, nas mulheres infectadas é reduzida a expressão de genes dos neutrófilos, que são células que podem causar dano tecidual, algo crítico na covid-19”, explica Otávio Cabral Marques, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador do estudo.

A Fapesp apoia a pesquisa, à qual estão vinculados outros três projetos, dois deles coordenados por Marques, além da bolsa de pós-doutorado no ICB-USP de Paula Paccielli Freire, primeira autora do trabalho.

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Perfil parecido com o de jovens

Com o auxílio de ferramentas de bioinformática, os pesquisadores analisaram dados genômicos disponíveis publicamente no repositório GEO Database (Gene Expression Omnibus). As informações foram obtidas de material coletado de secreções da nasofaringe e de exames de sangue, somando mais de mil pacientes com covid-19. Ao cruzar as informações, o grupo concluiu que as mulheres de várias faixas etárias têm um perfil imunológico mais parecido ao de pacientes jovens, enquanto os homens se assemelham aos mais velhos. É sabido, desde o surgimento do novo coronavírus, que o segundo grupo tem uma pior resposta à infecção pelo SARS-CoV-2.

Não se sabe por que razão as mulheres têm maior proteção ao vírus. Uma vez que vários receptores para hormônios femininos são expressos no sistema imune, porém, é possível que isso colabore para que as pacientes tenham uma imunidade mais desenvolvida.

Outro fator que poderia explicar as diferenças seria o estilo de vida dos pacientes, como uma menor ocorrência de tabagismo e alcoolismo entre as mulheres, por exemplo. Esse tipo de informação, porém, não estava disponível nos bancos de dados usados. “Talvez seja uma combinação desses diferentes fatores, hormonais e comportamentais, mas não temos como saber com as informações de que dispomos”, diz Marques.

Alvo terapêutico

O grupo encontrou uma série de vias de sinalização molecular diferentemente expressas em homens e mulheres. Esses conjuntos de genes podem ser alvos para futuros tratamentos. Fármacos já conhecidos por regular essas vias poderiam ser usados para inibir, por exemplo, a expressão excessiva de citocinas. Essas moléculas são liberadas pelo organismo para se defender do vírus. Em excesso, porém, podem causar danos aos órgãos, principalmente o sistema respiratório, podendo levar à morte.

A inibição de algumas dessas vias, como as chamadas CXCR2 e IL1beta, tem tido resultados promissores em experimentos com doenças autoimunes. Esse tipo de tratamento poderia ser uma alternativa para evitar o agravamento dos casos de covid-19 tanto em homens como em mulheres de todas as idades.

“Os resultados trazem informações úteis para o tratamento. Embora o estudo dê sugestões de por que os homens são mais suscetíveis à forma grave da doença, em qualquer pessoa essas vias parecem ser importantes no agravamento dos casos. Um paciente internado, antes de começar a ter um comprometimento do pulmão, por exemplo, poderia receber um medicamento para fazer a inibição de uma dessas vias, evitando uma inflamação excessiva. É uma hipótese que queremos investigar”, afirma o pesquisador.