Em geral, as pessoas associam o termo tendência, quando aplicado ao design, aos traços sofisticados das peças que desfilam por salões de móveis como o de Milão, na Itália. Mal sabem que a última moda em mobiliário pode estar dentro de suas próprias casas, talvez abandonada em um reles quartinho dos fundos. Aquela cadeira de balanço herdada da vovó, por exemplo.

É melhor observar com mais carinho.Talvez resgatá-la da ação da poeira e dos cupins e dar-lhe posição de destaque em algum cômodo. Isso porque é exatamente essa a ideia de um grupo de criadores contemporâneos de design e arquitetura – um retorno ao passado em busca do conforto perdido. O movimento do slow design acompanha a filosofia da qual foi pioneiro o slow food, originário na Itália – contraposto ao estilo fast de vida preconizado pela sociedade norte-americana nesta nossa era pós-industrial.

Ao contrário da máxima time is money (“tempo é dinheiro”), o conceito slow propõe uma reflexão acerca do que está ao redor, seja a refeição que será consumida, seja a cadeira em que se vai sentar. Em arquitetura, um dos estudiosos dessa vertente no Brasil é Alvaro Guillermo, professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo. Guillermo reluta em aplicar o termo “lento” à proposta. “Não se trata de questão de ser devagar”, explica. “Trata-se de ter a noção do tempo certo para cada coisa: é a pessoa se sentar à mesa e perceber o tempo que passará ali.”

A mesa, no caso, é parte integrante dessa percepção. Para tanto, o conforto corporal e visual que ela propicia ao usuário é um aspecto fundamental em seu projeto. É nesse quesito que se enquadram muitos dos objetos que habitavam costumeiramente as moradias brasileiras entre os séculos XVIII e XX. Além da já mencionada cadeira de balanço, havia, por exemplo, as conversadeiras, estruturas que pareavam assentos para que as pessoas se acomodassem em um bom bate-papo. O desfrute do ócio também é o princípio básico da anatomia da tradicional rede, de presença frequente nas varandas do Norte e do Nordeste.

De outros componentes de cenários antigos, Alvaro Guillermo menciona ainda os móveis de pés palito – “quase bengalas” – e os assentos e encostos feitos de palhinha trançada. “Eram peças duráveis, que são vistas até hoje”, ressalta. A preservação do valor afetivo e histórico do mobiliário é outra das diretrizes do slow design.

Longevidade

Entre os profissionais antenados com o novo, que miram o caráter contemplativo dos objetos de outrora, está Carlos Motta. Em seu ateliê na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo, bairro em que se instalou em 1975, o arquiteto confecciona protótipos de madeira que depois serão reproduzidos em pequenas linhas de manufatura. Motta afirma priorizar a longevidade em seus artefatos, em “respeito à matéria-prima, à mão de obra e ao usuário”. “Você vai sentar em uma cadeira todo dia, vai se deitar em uma cama seis, oito, dez horas todas as noites. São coisas que fazem parte de nosso acervo cultural de vida. Sendo assim, eu não vou fazer uma peça utilitária efêmera.” A longa duração, ele sustenta, opõe- se à “ansiedade de trocas por novos lançamentos nas vitrines de shoppingcenters ou em páginas bem elaboradas de revistas, com produção de agências de publicidade”.“Atecnologiapodeser usada em coisas que não são de moda, não são passageiras”, dita.

?A gênese do design brasileiro, lembra Motta, tem “muito a ver” com o slow design. Como exemplo dessa identificação, cita o trabalho do “carioca bonachão” Sergio Rodrigues, que criou a poltrona Mole em 1957. “É uma poltrona para o brasileiro, que é displicente, sentar largadão”, caracteriza. “Até hoje ela é válida em todos os sentidos, na parte construtiva, na parte estética e na parte ergonômica, uma vez que ela nunca tentou ser nada mais que uma cadeira para se sentar de maneira confortável, com a perna por cima do estofado em volta. Feita para tomar cerveja, ou conversar.”

Dos itens de seu próprio acervo, Carlos Motta destaca como alinhada aos propósitos do slow design a poltrona Astúrias, feita de madeira de demolição. “É um projeto muito bem pensado e inteligente. Com pouquíssimos cortes, usa-se pouquíssima energia elétrica, não se usam insumos industriais. Ela é muito sucinta no sentido de chegar a um resultado bacana de ergonomia, longevidade, qualidade e estética sem impactar muito o planeta. Tudo o que faço se baseia em reutilização, em sustentabilidade, em responsabilidade ambiental e social.”

Menos impacto

Sustentabilidade, por sinal, é de fato um dos pilares da conceituação. O objetivo é mesmo reduzir o impacto ambiental no processo de manufatura, tanto no que diz respeito aos materiais utilizados como na otimização do uso de mão de obra e das atividades de logística. “O tempo de produção é mais lento”, especifica Guillermo. “A poltrona Mole, por exemplo, é toda feita manualmente. Há peças que até poderiam ser feitas em larga escala, mas aí você mata todo o conceito.”

“O industrial consegue ter preços muito melhores e muito mais pessoas têm acesso a ele, não fica uma coisa muito elitizada”, pondera Motta. “Mas eu gosto dos pequenos grupos de produto, de caráter regional, feitos por pequenas comunidades. Não tenho que ter uma peça da China fabricada lá do outro lado do mundo, prefiro uma que seja feita aqui do lado.”

Minimizar danos ambientais e sociais é o lema de sua arquitetura residencial, igualmente fundada no slow design. Exemplo é uma casa que projetou em 2004 em São Francisco Xavier (SP). “Ela pousa no terreno com muita delicadeza, não descaracterizando uma topografia e uma geologia que já estão consolidadas há milhões de anos”, descreve. “Todos os recursos naturais foram respeitados, como a ventilação e a iluminação naturais e o uso da água potável que nasce no próprio terreno. Grande parte do material usado foi colhido no local, como algumas madeiras e todas as pedras. A mão de obra que executou o projeto foi toda recrutada entre pessoas que habitam a região e que foram capacitadas para executar obras desse gabarito.”

O designer Zanini de Zanine, diretor de criação do Studio Zanini, no Rio, e filho do arquiteto e designer José Zanine Caldas (1919-2001), conta que, assim como Carlos Motta, orienta-se pelo critério geográfico de proximidade na concepção de suas peças.

Tal convicção, ressalta, foi aprendida sobretudo no estágio que fez com Sergio Rodrigues. “Tentei absorver a valorização da identidade brasileira que ele emprega no móvel. Tento retratar em minhas peças essa mesma postura, mostrando minhas características, minha realidade, e não a dos outros.”

As técnicas de uma aproximação mais sustentável do design foram, para Zanini, também uma herança paterna. “Convivi com meu pai por 20 anos e absorvi uma visão bem fundamentada sobre esse assunto”, discorre. “As ideias de sustentabilidade, de pouco impacto, de durabilidade e de produção planejada eram pontos abordados sempre por ele. Tento aplicar e levar esse legado adiante. Possuo uma parte grande do trabalho voltada a essas propostas, usando uma pequena produção artesanal que transforma madeira reutilizada em peças muito duráveis.”

Trava cultural

Os adeptos do slow design, contudo, reconhecem que, aparte os benefícios, há entraves culturais e econômicos que impedem seu alcance mais amplo. “Ainda hoje as peças sustentáveis são inacessíveis para grande parte das pessoas”, dimensiona Zanini.

Esses projetos quase sempre necessitam de pesquisas bem aprofundadas. E, se as escalas de produção restritas demandam um tempo mais alongado para a conclusão dos trabalhos, os lançamentos também não são assimilados “com grande facilidade e rapidez”, pondera.

“Acredito que a única forma de equilíbrio seria uma reeducação com campanhas que abordem o assunto, acelerando assim essa assimilação”, diz o arquiteto.

A tarefa não parece simples. A percepção da necessidade de desaceleração também sofre de abrangência limitada, na opinião de Zanini. “Não vejo esse aspecto muito claro para todos. Vejo marcas e lojistas sedentos por novidades instantâneas, perdendo assim a oportunidade de valorização de peças duráveis com projetos de fabricação de pouco impacto.” O consumidor da Europa, por sua vez, é o que está mais ciente das novas direções, “mais do que em qualquer outro lugar”, conclui.

Guillermo acrescenta que, para complicar ainda mais a sedimentação dos princípios da filosofia slow, muitas vezes existe um erro conceitual quando se fala em sustentabilidade. “Ela não tem a ver apenas com materiais e meio ambiente”, reflete. “O principal está relacionado ao ser humano. O futuro é o foco: o homem se sustentar o suficiente para sobreviver no futuro. O tempo é da natureza, mas é medido por nós. Ao design cabe tornar visíveis essas ideias, levando em conta questões multidisciplinares, biológicas, antropológicas, energéticas. O futuro é o tempo do design.”