Segunda Marcha Nacional das Mulheres Indígenas reúne cinco mil participantes que pedem políticas públicas de proteção e a rejeição do Marco Temporal.Acampadas em Brasília, cerca de cinco mil mulheres indígenas de 172 povos diferentes tiveram que se adaptar às mudanças repentinas de planos. O clima tenso nas ruas da capital federal, tomada há poucos dias por apoiadores do governo Bolsonaro com pautas antidemocráticas, fez com que a segunda Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, que segue até este sábado (11/09), alterasse partes da programação e do trajeto.

“Estamos mobilizadas e não recuamos”, resume Samela Sateré-Mawé, jovem liderança de 24 anos, à DW.

Em defesa dos territórios que ocupam de norte a sul do país, as participantes usam o slogan “Mulheres originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra” e pedem proteção das florestas. “Vamos focar na questão do reflorestamento. É preciso, antes de reflorestar a terra, reflorestar nossa mente para não haver mais genocídio, preconceito, pra não haver mais todo o tipo de ameaça aos povos indígenas e ao meio ambiente”, explica Samela.

Realizado pela primeira vez em 2019 e suspenso em 2020 por causa da pandemia, o evento neste ano também acompanha de perto o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que decide o futuro das demarcações. Segundo a tese em análise, o chamado Marco Temporal, indígenas só podem reivindicar áreas que ocupavam oficialmente até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

Da Praça dos Três Poderes, de onde acompanhavam a votação dos ministros, as indígenas tiveram que mudar a reunião para outro ponto, a três quilômetros da corte – por questões de segurança.

“Essa luta é coletiva. Nós, povos indígenas, somos coletivos. Nossa luta por território também é uma luta por meio ambiente, por vida”, afirma Samela.

Junto com as mulheres da Marcha, ela comemorou o voto do ministro Edson Fachin, na tarde de quinta-feira, que foi contrário ao Marco Temporal. Nunes Marques é o próximo a concluir seu posicionamento, previsto para a semana que vem.

Passado e futuro Kaingang

Jozileia Kaingang sabe que o futuro do seu povo depende essencialmente do julgamento em curso no STF. Nascida no Rio Grande do Sul, ela pertence a um dos povos indígenas mais numerosos e com os menores territórios.

“A Terra Indígena (TI) Carreteiro, de onde vem minha mãe, está em processo de retomada de aldeias. Ela é demarcada com uma porção de terra pequena, por isso vive em constante conflito, tem território inferior à necessidade do nosso povo”, afirma Jozileia.

Habitantes originais do Sul e Sudeste do país, os Kaingang atualmente ocupam pouco mais de 30 áreas reduzidas nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Dentre as disputas que podem ser influenciadas pela decisão do STF está o caso da TI Serrinha, no Rio Grande do Sul. Demarcada em 1908, ela foi alvo de redemarcação em 1918, perdeu território na sequência e foi retomada na década de 1990, após a Constituição.

“Há muitos casos de conflitos. São histórias de expulsão dos indígenas de suas terras, que foram loteadas e vendidas para os colonos”, argumenta Jozileia, formada em Geografia e doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina.

A raiz da tese em análise no STF tem origem na disputa pela TI Ibirama-Laklanõ, em Santa Catarina, habitada pelos povos Kaingang, Guarani e Xokleng. O território, a 236 quilômetros de Florianópolis, se estende pelos municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, Vitor Meireles e José Boiteux.

O governo do estado pede a reintegração de posse da área, identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai) como pertencente ao povo Xokleng e, em 2003, declarada como tal pelo Ministério da Justiça.

A expectativa é que a corte rejeite o Marco Temporal e garanta o direito territorial originário dos povos indígenas, conforme previsto na Constituição de 1988. A decisão dos ministros servirá de base para, pelo menos, outros 82 casos semelhantes.

“Cura da terra”

Onde vive Samela, na TI Andirá-Marau, na divisa dos estados de Amazonas e Pará, a destruição da Amazônia é o maior perigo. “Todos os territórios estão sofrendo com o desmatamento. É a principal ameaça, junto com as queimadas”, diz à DW.

Em julho, o desmatamento em territórios com povos sem contato com a sociedade saltou 118% em relação a julho de 2020, mostrou o Boletim Sirad Isolados, do Instituto Socioambiental (ISA). A destruição é puxada por invasores, que roubam madeira, reviram rios e solo atrás de ouro.

“Temos que nos juntar para fazer a cura da terra. Juntas, queremos modificar algumas coisas, propor políticas públicas, principalmente mostrar que temos uma conexão com a mãe Terra, espiritual e de proteção”, explica Jozileia sua motivação. “É importante ]que outras mulheres, de outras sociedades, se juntem a nós para fazer essa proposta de mudança”, adiciona.

Nesta sexta, a marcha incluiu uma parada na Praça do Compromisso, local onde Galdino Pataxó Hã-hã-Hãe foi assassinado, há 24 anos. O cacique dormia num ponto de ônibus após ter participado das manifestações do Dia do Índio, em 19 de abril de 1997, quando cinco jovens usaram álcool para queimá-lo.