Donald Trump prometeu e cumpriu: os Estados Unidos anunciaram em junho sua saída do acordo aprovado na Conferência do Clima de Paris, em 2015. É, sem dúvida, uma péssima notícia para o mundo, mas há motivos para um desânimo generalizado? A equipe do Observatório do Clima (coalizão de 37 organizações da sociedade civil brasileira formada para discutir mudanças climáticas) organizou uma série de perguntas e respostas que analisa em detalhes as consequências do anúncio americano.

1) É o fim do Acordo de Paris?
De jeito nenhum. Em vigor desde 4 de novembro de 2016, o acordo já foi ratificado por 147 países, inclusive os EUA. Dos 196 membros da ONU, apenas Síria e Nicarágua não integram o acordo. A saída dos EUA não tem efeito retroativo sobre a entrada em vigor, então, pelo menos do ponto de vista formal, tudo fica como­ está, só que com um país­ a menos.

2) A decisão tem efeito imediato?
Não. Pelas regras do Acordo de Paris, é preciso uma espécie de “aviso prévio” de três anos até que a saída de uma das partes se efetive. Nesse meio-tempo, os EUA serão uma espécie de morto-vivo nas negociações internacionais: seus diplomatas poderão participar das reuniões, mas não terão mais influên­cia nas decisões a serem tomadas sobre o acordo. Há o risco de que os EUA, nesse “modo zumbi”, sintam-se tentados a bloquear decisões dos outros paí­ses pelos próximos três anos – já que tudo na ONU é decidido por consenso. Mas os presidentes das conferências do clima também poderão se sentir livres para bater o martelo mesmo diante de objeções americanas.

3) Qual é o impacto da saída sobre a negociação?
É imenso: os EUA são o maior emissor histórico de gases de efeito estufa e um dos principais doadores do Fundo Verde do Clima, que precisa chegar a US$ 100 bilhões por ano a partir de 2020. Com os americanos fora, o mundo fica com um buraco na ambição coletiva das metas de corte de emissões e outro ainda maior no financiamento climático, o que elevará ainda mais a tensão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento sobre quem paga a conta.

Teme-se também que outros países sigam os EUA e abandonem o acordo ou reduzam a prioridade do cumprimento das suas metas – que, afinal, são voluntárias e não levam a punição caso não sejam cumpridas. Nações como Rússia e Filipinas já ameaçaram recuos. A liderança americana nos últimos anos também era importante para moderar países como Austrália e Nova Zelândia, tradicionalmente refratários à ação no clima.

Mas o principal impacto é psicológico: muitos países “convertidos” à causa climática na época da assinatura do Acordo de Paris poderão deixar de priorizar o tema, mesmo mantendo-se formalmente fiéis ao acordo. Um exemplo claro é o Brasil, que está aumentando suas emissões.

4) O que acontece agora com as metas de 1,5oC e de 2oC do acordo?
A chance de estabilizar o aquecimento em 1,5oC, objetivo mais ambicioso do Acordo de Paris, fica praticamente fora de alcance. Mas isso independe da saí­da americana do tratado – o problema principal é que, para o mundo ter uma chance de pelo menos 50% de 1,5oC, os EUA e os outros países precisariam acelerar o corte de emissões nos próximos quatro ou cinco anos. A eleição de Trump e a rejeição do Plano de Energia Limpa de Obama significam que isso não vai acontecer. A meta de segurar o aquecimento “bem abaixo de 2oC” está sob risco, mas ainda não pode ser descartada.

Queimada na região amazônica: nos últimos anos, o Brasil voltou a aumentar suas emissões de gases do efeito estufa na atmosfera (Foto: iStockphotos)

As metas nacionais (NDCs) apresentadas pelos países em Paris não dão conta dos 2oC: elas põem o mundo no rumo de 2,7oC a 3,1oC de aquecimento neste século e demandariam um aumento significativo da ambição. E nem mesmo elas estão garantidas: os EUA, por exemplo, precisariam de várias políticas adicionais ao Plano de Energia Limpa para cumprir sua NDC, que previa entre 26% e 28% de redução até 2025 ante 2005. Vários paí­ses em desenvolvimento têm metas condicionadas a financiamento externo – que, sem a contribuição dos EUA, deve minguar.

Os países ficaram de se encontrar em 2018 para conversar sobre o aumento da ambição das metas. Sem os EUA e sem dinheiro na mesa, não existe clima para esse diálogo. A decisão de Trump de cancelar o Plano de Energia Limpa e outro plano de Barack Obama que previa o aumento da eficiência dos motores de automóveis deve inverter o sinal das emissões americanas: elas vinham caindo paulatinamente, mas deverão subir 400 milhões de toneladas até 2030.

Os 2oC ainda não estão totalmente fora da mesa por causa da inesperada velocidade com que as energias renováveis vêm caindo de preço e sendo adotadas por países como Índia e China. Ambos, segundo uma análise recente do Climate Action Tracker, estão no rumo de exceder suas NDCs: em 2030, eles deverão emitir, somados, 3 bilhões de toneladas de CO2 menos do que se estimava um ano atrás, o que mais do que compensaria a reversão da curva de emissões dos EUA.

5) Quem preencherá o vácuo de liderança dos EUA?
União Europeia e China, o terceiro e o segundo maior emissor de gases de efeito estufa. A UE é tradicionalmente quem puxa por mais ambição nas negociações climáticas, e a China foi persuadida por Obama e pelo mercado multibilionário de energia renovável a tornar-se mais proativa nessa agenda. A China superou os EUA como o maior investidor em energia renovável, com US$ 102,9 bilhões aplicados em 2015.

6) A economia americana se beneficia com a saída do acordo?
Não. Os empregos no setor de energia suja, como o carvão, estão escassos por razões tecnológicas, e não por imposição das renováveis ou regulação ambiental. O gás natural é mais competitivo que o carvão, de acordo com o Programa de Economia Ambiental da Universidade Harvard, e foi por isso que o segundo declinou nos EUA. Nada que Trump possa fazer trará o carvão de volta. Por outro lado, as indústrias eólica e solar estão criando empregos 12 vezes mais rapidamente que o restante da economia. Uma pesquisa recente sobre emprego no mundo revela que 9,8 milhões de pessoas são empregadas por energia renovável no planeta, 777 mil das quais nos EUA.

Sem o plano de eficiência de Obama, os carros dos EUA (acima) deverão poluir mais; por outro lado, os investimentos da China em energias como a solar (abaixo) podem compensar essa guinada

7) A saída dos EUA de Paris significa que eles estão fora de qualquer debate climático?
Não. Todos os fóruns internacionais de que os EUA participam estão envolvidos em mudanças climáticas, incluindo o G7, o G20 e a Otan. Abordar a ação climática será inevitável para eles, sobretudo do ponto de vista econômico. Por mais que Trump não queira ver a matriz energética limpa prosperar, ela já se estabeleceu nos alicerces da economia americana e se tornou uma opção mais competitiva. A decisão de Trump teria sido um golpe fortíssimo há pouco mais de dez anos, quando as principais decisões econômicas sobre a descarbonização estavam sendo tomadas. No contexto atual, seu poder é limitado.

8) Sem o governo federal envolvido, há algo que os americanos possam fazer no clima?
Sim. Pesquisa recente mostrou que 71% dos americanos são favoráveis à permanência dos EUA no Acordo de Paris. Mais da metade (55%) dos eleitores de Trump apoia as políticas atuais sobre mudanças climáticas e a expansão da energia renováveis, como a solar (84%). Então, há amplo apoio popular à ação climática e rejeição às políticas do governo.
Estados como a Califórnia anunciaram que devem manter suas metas de redução de gases. Massachu­setts, New Hampshire e Nova York planejam reduzir as emissões em 80% até 2050, em comparação com 1990. A cidade de Nova York pretende reduzir as emissões em 80% até 2050, e Los Angeles está desenvolvendo um plano de energia 100% renovável.

9) A relação dos EUA com os outros países sofrerá algum impacto?
Já está sofrendo. A confiabilidade, a credibilidade e a competência do governo americano estão sendo questionadas, em parte porque a maioria dos países está comprometida com o Acordo de Paris. O G7 criticou a falta de compromisso do governo Trump e a chanceler alemã, Angela Merkel, sugeriu que a Europa não pode mais contar com o antigo aliado.
Eventualmente, essa desconfiança pode azedar para disputas na Organização Mundial do Comércio: é cada vez maior o número de especialistas que defendem que produtos americanos intensivos em carbono sejam tarifados no futuro, num cenário em que os parceiros comerciais dos EUA adotem medidas de descarbonização.