Desde os primórdios da humanidade, os cavalos foram usados para vencer distâncias e permitir trabalhos considerados hercúleos para uma pessoa. Mesmo depois da invenção do carro, do avião, do guindaste e de muitas outras engenhocas, esses animais continuam parceiros do ser humano em diversas formas de superação. Atualmente a ajuda que oferecem vai além da força física, já alcançou os campos emocional e neurocomportamental, permitindo combater um dos grandes males da sociedade contemporânea: a obesidade.

“Relacionar-se com um animal maior e mais forte ajuda o ser humano a aumentar sua motivação, vencer obstáculos que considerava intransponíveis. Ao estar em contato corporal com o cavalo e ter de acompanhar seu movimento tridimensional – pra cima e pra baixo, de um lado pro outro e pra frente – deflagra-se um aumento de serotonina na pessoa que está montando. Esse neurotransmissor, que dá a sensação de bem-estar, faz com que, por meio do corpo do cavalo, a pessoa passe a ter prazer no seu próprio corpo, e isso aumenta a autoestima. Quem sofre de compulsão alimentar tem uma frustração, está com uma baixa autoestima”, explica a fisioterapeuta Letícia Junqueira, que mantém um espaço com seu nome no Jockey Club de São Paulo para a prática de equoterapia e aulas de equitação lúdica.

Depois de vencer o próprio medo de subir num cavalo, Maria das Graças Teixeira Pires, 54 anos, experimentou tudo isso e um pouco mais com a prática da equoterapia – como é chamado o tratamento por meio dos equinos. “Tinha medo de montar porque o cavalo é muito alto, mas, justamente por isso, quando montei passei a me sentir poderosa e desenvolvi um amor tão grande pelo animal que agora tenho sempre a autoestima lá em cima.”

Maria das Graças foi diagnosticada aos 45 anos com artrose, pressão alta e, mais tarde, recebeu indicação de cirurgia para uma hérnia de disco. Apesar de manter uma alimentação equilibrada e fazer caminhadas, o tratamento com corticoide causava aumento de peso. Tentava diferentes regimes, sem sucesso. Com três anos de terapia, perdeu 9 quilos, não de uma forma milagrosa, mas sim natural e contínua, garante ela. “Eu não ligo para estética. A minha preocupação é com a minha qualidade de vida, principalmente, porque meu quadro é crônico. Com a idade, a mobilidade já cai. Com a obesidade, mais ainda. Tenho que manter meu corpo em dia porque meu filho de 30 anos tem paralisia cerebral e precisa de mim”, comenta. Hoje, ela atribui a redução do peso e a suspensão da cirurgia da hérnia à equoterapia. “Como me apaixonei pelo cavalo, acho que ele é o responsável por tudo.”

Limites de peso

Nem todo adulto que está brigando com a balança, entretanto, tem a mesma sorte que ela, porque existem limites de peso para trabalhar sobre o cavalo. Por isso, a equoterapia voltada para tratamentos de distúrbio alimentar acaba se restringindo aos mais jovens. No Gati – Grupo de Abordagem Terapêutica Integrada, onde Maria das Graças pratica equoterapia, dos cerca de 90 crianças e adolescentes em atendimento, 20% a 30% sofrem de obesidade.

“As crianças de hoje são muito ansiosas, muito compulsivas, comem demais, engolem o mundo. As famílias procuram atendimentos não tradicionais para tratar os distúrbios alimentares. Os pais buscam o serviço do psicólogo fora do consultório para baixar essa ansiedade. Temos tido um retorno muito bom. A criança percebe que tem que estar leve para montar, porque é difícil estando obesa”, comenta a psicopedagoga e psicanalista Liana Pires Santos, dona do centro Gati, que há mais de 20 anos trabalha com animais, tanto de pequeno porte, como cães, jabuti, coelho e calopsita, quanto com o cavalo. “Ter um animal como agente motivador é ter um foco muito concreto. O animal, nesses casos, funciona como um ‘fiel depositário dos conflitos’, ele está ali à disposição do bem-estar do outro. É um tratamento diferenciado, bem distante daquele do consultório, que traz a fala.”

Testado, aprovado e recomendado

Liana lembra o caso emblemático de uma adolescente anoxérica que já tinha estado internada, e conseguiu alta graças à sua adoração por animais. Como a equoterapia exige capacidade respiratória e bem-estar físico, a garota precisava estar alimentada para fazer a montaria. “Afinal, é uma atividade física que exige mais do corpo do que sentar em uma poltrona de um consultório para falar com o psicólogo. Ela tinha 17 anos, comia com muita dificuldade, mas comia uma banana que fosse para poder montar. Foi o psiquiatra dela que indicou a equoterapia e a resposta foi muito rápida.”

Já não são raros os casos de indicação médica para equoterapia – reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina desde 1997. Mais utilizada no tratamento de deficiências físicas e mentais, ainda faltam pesquisas científicas que comprovem a contribuição psicossocial dos cavalos para o equilíbrio emocional do ser humano, mas, na prática, os resultados são claros.

“Na inter-relação ser humanocavalo, a pessoa se doa ao animal, tornando-se responsável pelo bem-estar físico e psíquico do animal, alimentando-o, escovando-o e fazendo carinho”, observa Rodrigo Mago, psicólogo da Associação Nacional de Equoterapia (Ande-Brasil). “O cavalo retribui permitindo-se ser montado e oferecendo sua força à pessoa. Essa troca afetiva de um ser vivo com outro preenche e organiza a lacuna emocional necessária para o ser humano se realizar. A nova autoimagem, decorrente do sucesso dessa relação, tende a ser transferida para outras áreas da sua vida, como relações com outras pessoas e com o mundo, incluindo sua relação com a alimentação”, explica Mago

O caso de Pedro Simões de Menezes Luporini Carneiro, 5 anos, reúne todos esses fatores. Ele tem síndrome de Prader-Willi, caracterizada principalmente por hiperfagia (constante sensação de fome e interesse por comida), hipotonia (músculos mais fracos, prejudicando o equilíbrio e a sustentação, já desafiada pelo peso elevado, devido à compulsão alimentar), dificuldade de aprendizagem e fala, instabilidade emocional e imaturidade nas trocas sociais. Há cerca de um ano pratica equoterapia com Letícia, além de ir à terapia ocupacional e à fonoaudióloga. “Com a equoterapia, a postura do Pedro melhorou muito e ele não está mais tão dependente para andar. Notamos que está mais calmo e menos ansioso. Além disso, já chegou a perder 8 quilos”, conta a mãe, Mariah Morena Miranda Simões de Menezes.

Barreira imaginária

Cada vez mais conhecida, graças à difusão pela internet, a equoterapia ainda enfrenta uma barreira quase imaginária: o mito de ser um tratamento muito caro. Os fatos vêm ajudando a desmentir isso. Na cidade de São Paulo, uma sessão de 45 minutos pode custar de R$ 100 a R$ 150, o que é, se não igual, bem mais barato que o atendimento psicológico em consultório.

A terapia pressupõe um processo e uma estrutura completamente diferente e mais ampla. Além da área verde e do cavalo, o praticante conta sempre com um instrutor e, geralmente, com o próprio psicólogo, um fisioterapeuta e/ou um fonoaudiólogo. Todos eles, necessariamente, devem ter curso básico ou de especialização em equoterapia ou equitação ministrados ou supervisados pela Ande-Brasil.

“Um ou dois atendimentos por semana, de 45 minutos, costumam ser o suficiente para uma boa melhora, após seis meses a um ano. Em três ou quatro anos é próvavel que o praticante já tenha recebido alta clínica”, expõe Liana. Só não existe limite máximo de tempo para a relação estabelecida com o cavalo. O objetivo é que ela perdure e se transforme em esporte, de forma a manter a satisfação pessoal sempre pra cima e o ponteiro da balança pra baixo.