Em 27 de maio, pela programação inicial, dois astronautas americanos, Robert L. Behnken e Douglas G. Hurley, deverão partir do Kennedy Space Center em uma missão à Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). Se essa viagem (adiada inicialmente para 30 de maio por razões meteorológicas) for bem-sucedida, será a primeira vez em nove anos que astronautas americanos serão lançados no espaço a partir de solo americano. O que é ainda mais notável é que eles não serão lançados pela Nasa, mas por uma empresa privada, a SpaceX.

O voo espacial humano é incrivelmente difícil e caro; os foguetes devem ser confiáveis ​​e o veículo deve ser construído com sistemas caros de suporte à vida e um certo nível de redundância. Até o momento, apenas três países – Rússia, Estados Unidos e China – conseguiram esse feito.

Como especialista em política espacial, acho difícil exagerar a importância da SpaceX e do voo espacial em geral. Para a SpaceX, é mais um passo em seu caminho para Marte, mas, de maneira mais geral, isso demonstra que os voos espaciais não precisam ser reservados apenas para os estados mais poderosos.

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Os astronautas Douglas Hurley (à esquerda) e Robert Behnken antes de embarcar em um jato com destino ao Kennedy Space Center. Crédito: Nasa/James Blair
Um sonho e uma abertura

De muitas maneiras, a conquista da SpaceX se deve não apenas aos avanços tecnológicos, mas às oportunidades trazidas pelo desastre. A desintegração do ônibus espacial Columbia, em 2003, levou o governo de George W. Bush a decidir encerrar o programa até 2010. Eles instruíram a Nasa a desenvolver um substituto, o Project Constellation, mas, devido a cortes no orçamento e outros problemas, a Nasa não conseguiu fazer progressos significativos. Como resultado, em 2010, o governo Obama instruiu a Nasa a reorientar seus esforços em missões espaciais e confiar em empresas privadas para fornecer acesso à ISS e à baixa órbita terrestre.

A nave Crew Dragon da SpaceX foi projetada para transportar até sete passageiros. Crédito: Nasa/Kim Shiflett

Entra em cena a SpaceX. Sonhando com a colonização de Marte, mas frustrado com o ritmo lento, Elon Musk fundou a SpaceX em 2002. Para chegar a Marte, ele decidiu que o voo espacial primeiramente precisaria ser mais barato. Sua filosofia era conceber um sistema de foguetes que pudesse ser usado repetidamente com o mínimo de renovação entre os voos.

Durante a década seguinte, a SpaceX projetou, construiu e testou sua série de foguetes Falcon. Assinou contratos com a Nasa para fornecer serviços de carga à ISS e com outras empresas e  a área militar dos EUA para fornecer serviços gerais de lançamento. Talvez o mais importante seja o fato de a SpaceX ter demonstrado que seus foguetes podem ser reutilizados, com os estágios principais voltando à Terra para pousar.

A mudança de 2010 na política espacial americana deu à SpaceX uma oportunidade de aproveitar seus primeiros sucessos. Em 2014, a SpaceX e a Boeing receberam contratos da Nasa para fornecer serviços de lançamento de tripulação comercial. E parece, até agora, que a SpaceX cumpriu sua promessa de reduzir o custo dos voos espaciais humanos. Comparada a uma missão média de ônibus espaciais que custou US$ 1,6 bilhão, a Nasa está pagando apenas US$ 55 milhões por assento nos próximos vôos à ISS da SpaceX.

Turistas no espaço?

Essa redução maciça no custo, possibilitada por foguetes reutilizáveis, está contribuindo para vários desenvolvimentos nos voos espaciais. Primeiramente, fornece à Nasa um meio de acesso à ISS sem depender da Soyuz russa. Desde 2011, os EUA pagam à Rússia mais de US$ 86 milhões por assento em voos para a estação espacial.

Segundo, com a SpaceX e a Boeing fornecendo acesso à ISS, a Nasa pode se concentrar no Projeto Artemis, que pretende levar seres humanos novamente à Lua até 2024. Eles também estão aproveitando novas capacidades comerciais da SpaceX, Blue Origin e outras empresas para reduzir ainda mais os custos para chegar lá.

Se a SpaceX for bem-sucedida, também poderá significar a abertura de espaço ao turismo. A Blue Origin e a Virgin Galactic estão planejando oferecer breves lançamentos suborbitais que não entram na órbita da Terra. A SpaceX, por outro lado, já está contratando passageiros para viagens de vários dias ao espaço, a US$ 35 milhões por assento. Até Tom Cruise está pretendendo voar na SpaceX e encenar um filme a bordo da ISS. Enquanto as empresas espaciais há muito preveem oportunidades para o turismo espacial, o foguete Dragon da SpaceX aproxima essa possibilidade de se tornar um fato real.

De maneira mais ampla, adicionar turistas à mistura em órbita terrestre baixa pode até ajudar a tornar o espaço mais seguro. Detritos em órbita são um problema que se avoluma cada vez mais, juntamente com tensões crescentes entre os EUA, China e Rússia no espaço. Ambas as coisas tornam a operação no espaço mais difícil, perigosa e cara.

Para que a economia espacial realmente decole, os países precisarão estabelecer regulamentos que garantam segurança e confiabilidade em diversas áreas, incluindo segurança veicular e mitigação de detritos. E, como sugiro no meu novo livro, ter mais humanos no espaço pode forçar os países a pensar duas vezes antes de tomar ações potencialmente perigosas no espaço. Enquanto o turismo espacial orbital ainda pode estar distante para o americano médio, o lançamento da tripulação da SpaceX nos aproxima do dia em que um evento extraordinário será uma ocorrência normal.

 

* Wendy Whitman Cobb é professora de Estudos de Estratégia e Segurança na Escola de Estudos Aéreos e Espaciais da Força Aérea dos EUA (USAF)

** Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original aqui.

 

Emenda: A primeira versão desta matéria informava que o lançamento ocorreria no dia 27 de maio. Ele foi adiado, inicialmente para a tarde de sábado (30 de maio), pelo mau tempo em Cabo Canaveral no horário programado. Essa informação foi atualizada na matéria. Acompanhe o lançamento da nave Falcon 9 pelo link https://www.nasa.gov/nasalive.