Sufismo é uma escola de sabedoria surgida no interior do islamismo. Muitos a definem como “misticismo islâmico”, outros como “esoterismo islâmico”. Na verdade, sufismo é tudo isso e mais: trata-se de uma escola espiritual que escolheu a busca da verdade espiritual como o objetivo último a ser alcançado por todo ser consciente.

Essa busca, para o sufismo, só pode acontecer com a compreensão da realidade como ela é, nua e crua, sem véus, mentiras ou ilusões. Mais ainda, quando o sufismo fala de conhecimento ou cognição está se referindo àquele perfeito autoconhecimento que leva à compreensão do Divino. Esse princípio lógico é baseado num dito fundamental do profeta Maomé: “Quem conhecer a si mesmo conhecerá o seu Senhor”.

As origens do sufismo remontam ao próprio âmago do Islã nos tempos do profeta. Seus conhecimentos muito cedo atraíram grupos de estudiosos que passaram a ser chamado ahle suffe, “povo da plataforma”, devido ao hábito de permanecerem sentados no chão da mesquita de Maomé, na cidade de Medina. Ali, eles se entregavam a longas discussões sobre a realidade do Ser e a busca do caminho e da disciplina interior capaz de conduzir à purificação espiritual e à meditação.

Esse “povo da plataforma” acreditava que a possibilidade de encontrar o caminho que leva à compreensão da realidade do Divino é privilégio e direito exclusivo dos seres humanos.

Acreditava também que, sozinhas, e por serem limitadas, as ferramentas cognitivas da lógica mental comum, baseadas apenas nos jogos intelectuais e de linguagem, não são capazes de abrir ao homem as portas para a compreensão de uma realidade tão elevada. Mais que lógica mental, essa compreensão necessita de um árduo combate espiritual, bem como da compreensão e do domínio da “sabedoria do coração”.

Caminho distinto

Uma abordagem desse tipo separa e diferencia os sufis não apenas dos filósofos, mas também de todo outro grupo de estudiosos cujo conhecimento é baseado em tradições, palavras, pressupostos, e na imaginação em lugar do conhecimento direto de tudo aquilo que existe.

Nesse sentido, o caminho proposto pelo sufismo é distinto do da maioria das tradições espirituais do Ocidente e do Oriente. Um dos seus principais objetivos é compreender e introduzir o aspecto esotérico do Islã, em oposição aos elementos esotéricos públicos da própria religião na qual o sufismo nasceu.

Esta é um das razões pela qual, embora declarando-se estritamente islâmico – no sentido mais tradicional do termo –, o sufismo é visto com extrema desconfiança tanto pela corrente xiita quanto pela sunita do Islã contemporâneo.

“Um Sufi em Êxtase em uma Paisagem”, Isfahan, século 17. Imagem: Los Angeles County Museum of Art/Wikimedia

No Irã, por exemplo, a grande maioria dos mulás xiitas se opõe ao sufismo. Da mesma forma, no mundo sunita, a imensa maioria dos ulemás está muito mais interessada na interpretação ao pé da letra do Alcorão e nas suas correlações jurídicas do que nas especulações morais e metafísicas dos sufis, por eles consideradas altamente suspeitas. Eis por que, diante de tanta oposição, os seguidores do sufismo preferem se manter na penumbra, trabalhando sem alarde e sobretudo sem fazer publicidade dos seus atos.

Além disso, o sufismo não é um movimento unitário. Cada instrutor sufi possui um grupo de discípulos atraídos pela reputação dos seus professores. Estes admitem, no máximo, pertencerem a uma “confraria” fundada, por sua vez, por algum famoso “mestre sufi” em tempos remotos.

Aproximação por degraus

A espiritualidade desenvolvida pela tradição sufi é, em muitos aspectos, bastante original. Na visão sufi, a aproximação a Deus acontece por degraus. Primeiro, deve-se respeitar as leis do Alcorão, mas isso constitui apenas um degrau que não leva, necessariamente, à compreensão de Deus e do mundo. Práticas ritualísticas não servem para nada quando não se conhece o seu significado secreto.

Apenas com uma iniciação um indivíduo obtém a possibilidade de “ver” através da aparência das coisas. Por exemplo, o homem é um microcosmo, um mundo em miniatura, no qual é possível se encontrar a imagem do universo inteiro, o macrocosmo. Assim, para o sufismo, é natural que, ao nos aprofundarmos no conhecimento do homem, aprofundemos nosso conhecimento de Deus. Uma coisa leva naturalmente à outra.

De acordo como os sufis, toda existência vem de Deus e apenas Deus é real. O mundo criado é apenas um reflexo do Divino: “O Universo é a sombra do Absoluto.” A habilidade para discernir a presença real de Deus por trás dos véus das coisas exige pureza de alma: “O homem é um espelho que, polido, reflete Deus.”

O Deus que os sufis descobrem é sobretudo um Deus de Amor, e o caminho que leva a Ele é o caminho do Amor: “Aquele que conhece Deus O ama; aquele que só conhece o mundo afasta-se Dele.” “Se quiser ser livre, torne-se prisioneiro do Amor.”

Ao postular valores como esses, o sufismo aproxima-se da mística cristã. Nesse sentido, é curioso observar as similaridades que existem entre o sufismo e outras correntes filosóficas e religiosas.

Pitágoras e Zoroastro

Originariamente, o sufismo foi influenciado pelo pensamento pitagórico e pelo zoroastrismo, antiga religião da Pérsia. Os ritos de iniciação sufi, destinados a abrir no fiel a possibilidade do renascimento espiritual, são similares ao batismo cristão. Há também claros pontos de encontro com o budismo, como na fórmula sufi “O homem é não existente diante de Deus”.

A mesma diversidade e a mesma imaginação são encontradas nas diferentes técnicas espirituais do sufismo. No caso de algumas ordens sufis, como a dos dervixes, a busca de Deus por meio do simbolismo passa pela música e pela dança, as quais, acredita-se, transcendem o pensamento.

Mesquita sufi em Isfahan, no Irã. Foto: Eppagh121/Wikimedia

No caso de outras correntes sufis, o simbolismo é um exercício intelectual no qual medita-se a respeito do valor numérico das letras, da mesma forma que os judeus cabalistas o fazem. Outras vezes, a prática consiste na interminável repetição da invocação dos nomes de Deus, como o fazem hinduístas e budistas com os seus mantras.

O sufismo traz ao Islã dimensões poéticas e místicas impossíveis de serem encontradas nas análises intelectuais dos textos do Alcorão, como são feitas pelos exegetas islâmicos. Essa é uma das razões pelas quais muitos destes últimos procuram marginalizar o sufismo.

É também a razão pela qual os sufis insistem em remontar suas posturas ao próprio profeta Maomé. Eles afirmam que Maomé recebeu, ao mesmo tempo que o Alcorão, revelações esotéricas que expôs apenas a alguns dos seus companheiros. Desse modo, para ganhar mais autenticidade, quase todos os mestres sufis ligam seus ensinamentos a uma longa linhagem de predecessores.

Impurezas internas

De qualquer forma, é inegável que os princípios do sufismo são todos baseados nas regras e ensinamentos do Alcorão e nas instruções deixadas por Maomé. Para um sufi, não existe separação entre todas as formas criadas e o Criador. Se a maior parte das pessoas não consegue perceber essa unidade fundamental, é por conta dos nafs, as impurezas de toda ordem que carregamos dentro de nós, e também pelas limitadas ferramentas físicas, emocionais e mentais de que a humanidade dispõe.

Se o homem fosse livre das limitações da matéria, seria seguramente capaz de testemunhar essa imensa e eterna unidade do Ser. Mas existe uma chance para a humanidade ascender a um tal nível de compreensão, um caminho que pode ser percorrido pela purificação e meditação.

Quando o coração da pessoa está purificado, as manifestações do Divino se refletem no espelho do seu coração. Só então o homem ascende do nível da sua natureza animal para o nível de ser humano real.

Como todos os princípios contidos nos ensinamentos sufis são baseados no Alcorão, é impossível se dizer que o sufismo está conectado a qualquer outra religião além do Islã. No entanto, o sufismo é uma escola universal, na medida em que a busca da compreensão verdadeira do mundo e da existência e a busca do conhecimento abstrato da realidade constituem preocupações universais.

Enquanto durar a humanidade, a busca por essa compreensão perdurará. A história nos mostra que toda nação e toda religião criam e desenvolvem sua própria maneira de exprimir essa busca espiritual universal. Surgido do coração do Islã, o sufismo é uma dessas maneiras.