Quem olha para o alto em algumas cidades corre o risco de não ver mais o céu, mas estruturas verticais gigantescas que escondem o sol e as estrelas. Graças ao aço estrutural e ao concreto reforçado, a tecnologia da construção civil possibilita erguer edifícios altíssimos, como a torre Al Burj, em Dubai, com mil metros de altura, e o SkyCity em Changsha, na China, que ultrapassará o gigante dos Emirados Árabes. 

Na contramão dos megaprojetos milionários existem aqueles que não se deixam intimidar pelo modismo e buscam o diferente e o esquecido. Na ordeira Suíça está se consolidando uma geração de projetos inovadores que privilegiam a ecologia na forma e na função. Para os seus arquitetos, sustentabilidade é mais do que marketing para agregar valores “verdes”, aproveitar a energia solar ou usar águas pluviais. Trata-se de procurar um caminho viável para o futuro com soluções sustentáveis de uso de materiais, baseadas no conceito “quanto mais simples, melhor”, de maneira a valorizar criações leves e translúcidas, com cores e texturas especiais. Com a pegada ‘pé no chão’, os arquitetos investem em soluções de espaços fluidos e planos de vidro, de madeira e de concreto, inseridos na fisionomia da malha urbana, valorizando as paisagens e o casario locais.

A vanguarda alternativa suíça começou a se tornar visível em 2009, com os projetos do arquiteto Peter Zumthor, vencedor do famoso Prêmio Pritzker daquele ano. Longe do circuito das celebridades que constroem obras faraônicas, o ex-marceneiro Zumthor é elogiado pela simplicidade visual e pela aposta na sensorialidade dos materiais, no toque da madeira, na textura do concreto e na alvenaria aparente.

Zumthor não concede entrevistas. Quem fala por ele é o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, ganhador do mesmo prêmio em 2006. O brasileiro enaltece o colega “por uma arquitetura que está fora da exuberância mercadológica tão presente atualmente”. Na sua opinião, “o Pritzker sempre está olhando para o futuro e sua distinção fez com que a obra de Zumthor, que traz uma contribuição consistente para a humanidade, fosse vista e alardeada”. 

Não por acaso, os últimos premiados com o “Nobel” da arquitetura são projetistas que abandonaram a aspereza estrutural em benefício de materiais orgânicos. A mensagem fi cou ainda em 2014, com a escolha do arquiteto japonês Shigeru Ban, que redesenhou em papelão e madeira a Catedral de Christchurch, na Nova Zelândia, destruída por um terremoto. Ban enfatiza que “a arquitetura deve recuperar seu papel histórico como um veículo não só de admiração e beleza, mas também de mudança social”.

Defensor do uso de materiais artesanais, recicláveis e tradicionais, com baixo custo, reciclabilidade e compromisso social, o projetista japonês foi escolhido pela Embaixada do Brasil em Tóquio, em 2013, para projetar seu centro cultural minimalista, utilizando tubos de papel.

Ban, Zumthor e a nova geração de arquitetos suíços representam a guinada realista na arquitetura contemporânea – cuja palavra-chave é sobrevivência ecológica – em busca da consciência social. 

Saint-Loup com origami

Graças ao escritório suíço de arquitetura Localarchitecture, a pequena vila de Saint-Loup, nos arredores de Lausanne, ganhou uma capela em estilo origami – a tradicional arte japonesa de dobradura em papel. Seus habitantes se orgulharam tanto dela que o que era para ter vida curta em 2009 ganhou status de patrimônio municipal. 

Erguida no fim da década passada para substituir temporariamente a igreja principal do Hospital Casa de Maria, a obra de cerca de 90 m2 foi concluída em três meses e se tornou uma das mais modernas construções da região. O inusitado do projeto se revela nas dobras da fachada, que espelham um origami. Mais do que uma forma perfeitamente integrada à paisagem, o edifício foi concebido para receber iluminação frontal direta, permitindo a entrada de luz desde o amanhecer até o entardecer, bem como para oferecer acústica perfeita. Tudo para atender aquilo a que a construção propunha como um lugar de oração e recolhimento. 

Para garantir a preservação e a proteção, toda a estrutura principal é de madeira recoberta de betume. O acabamento interno é em madeira de pinho. Painéis transparentes de plástico, revestidos de um tecido especial, o Stamisol FT 371, ficam presos em molduras de madeira que permitem iluminação direta, mas difusa. Para as irmãs diaconisas responsáveis pelo hospital, “os arquitetos conseguiram algo muito especial, que não valia desmanchar” . As religiosas já se acostumaram com a presença de visitantes e parecem orgulhosas de exibir a “ex-temporária” capela.  

Sonhos de Tolkien

Não se deve pensar pequeno. No caso, pequeno é seguir a mesmice da arquitetura globalizada, cheia de ostentação, mas vazia de alma. “Por ‘alma’ entende-se uma abordagem não subserviente à linguagem e às ideias do momento, e sim aquela que cria uma identidade”, explica o arquiteto Peter Vetsch, projetista das “Casas da Terra”, construídas em Dietikon, distrito a 20 minutos de trem de Zurique. 

Distantes do futurismo de Matrix ou Blade Runner, as casas de  Dietikon propõem uma versão alternativa às distopias do futuro. “Meus projetos são sustentáveis dos pés à cabeça”, diz Vetsch. Desde os materiais utilizados até o aproveitamento da energia solar, tudo é ambientalmente correto. O ponto alto é o isolamento térmico. Todas as nove casas de Dietikon (com área entre 60 m2 e 200 m2) são cobertas por terra natural e grama, mantendo, no interior, a temperatura ideal, tanto nos dias frios como nos quentes. 

As casas lembram a habitação do personagem Bilbo, na popular saga literário-cinematográfica Hobbit, inventada pelo escritor inglês J.R.R. Tolkien, parecendo tocas ou cavernas. As formas curvas e a iluminação, ora vinda do alto, ora proporcionada por janelões de vidro reciclado, abertos para um lago no centrodo condomínio que contorna todas as casas, são provas da integração de arquitetura e natureza. Até as ondulações do terreno que compõem a paisagem são tratadas como elemento de design. “Infelizmente, muitas construções contemporâneas são resultado de pensamentos convencionais que vêm de antigos projetos, nos quais a natureza não foi privilegiada. A arquitetura de hoje deveria ser ditada para cooperar com o ambiente”, afirma Vetsch. 

A onda cannabis

O foco ecológico na arquitetura surgiu na década de 1980, mas a procura por elementos construtivos ecologicamente corretos só despontou com força no início do século atual. Foi exatamente investigando novos materiais que o casal de arquitetos norte-americanos Christina Woods e Craig Verzone encontrou o elemento ideal para revestir as fachadas de uma antiga fábrica suíça de macarrão, transformada na creche P’tit Phare, na cidade de Yverdon-les-Bains, às margens do rio Thièle. 

O acabamento do prédio previa o uso de isolantes tradicionais com materiais sintéticos, impossíveis de reciclar. Adepta dos projetos verdes, Woods recusou. Quase ao mesmo tempo, foi seduzida por um material composto das sobras de fibra cannabis utilizada na fabricação de papel, misturada com pó de telha ou de tijolos reciclados. 

O resultado da invenção foi uma massa leve, de cor ocre irregular e fácil de manusear, que, além de oferecer ótimo isolamento térmico, é excelente isolante acústico. Outra vantagem importante é ser inteiramente natural, não se degradar e ainda poder ser totalmente reaproveitada. 

Todas as etapas do projeto de transformação da antiga fábrica em creche receberam um planejamento sustentável. Há captação de água da chuva para os jardins, aquecimento solar e biodigestores que transformam esgoto em biofertilizante para o gramado do playground. Simples, racional e bonito.