Tempestades de poeira são comuns em Marte. Mas, a cada década, algo imprevisível acontece: uma série de tempestades descontroladas ocorre, cobrindo todo o planeta com uma névoa poeirenta.

Em 2018, uma frota de naves espaciais da Nasa teve uma visão detalhada do ciclo de vida da tempestade de poeira global daquele ano que encerrou a missão do rover Opportunity. Enquanto os cientistas ainda estão intrigados com os dados, dois artigos recentes, publicados nas revistas “Journal of Geophysical Research: Planets” e “Journal of the Atmospheric Sciences”, lançaram uma nova luz sobre um fenômeno observado dentro da tempestade: torres de poeira, ou nuvens concentradas de poeira que se aquecem à luz do sol e se elevam no ar. Os cientistas pensam que o vapor d’água preso à poeira pode estar subindo por essas nuvens como um elevador para o espaço, onde a radiação solar quebra suas moléculas. Isso pode ajudar a explicar como a água de Marte desapareceu ao longo de bilhões de anos.

As torres de poeira são nuvens enormes e agitadas que se apresentam mais densas e sobem muito mais alto do que a poeira de fundo normal na fina atmosfera marciana. Embora também ocorram em condições normais, essas torres parecem se formar em maior número durante as tempestades globais.

LEIA TAMBÉM: Comportamento do oxigênio em Marte é um enigma para cientistas

Uma torre começa na superfície do planeta como uma área de poeira rapidamente levantada, com 60 quilômetros de largura. Quando uma torre atinge uma altura de 80 quilômetros, como se viu durante a tempestade de poeira global de 2018, ela pode chegar a 800 km de largura. À medida que decai, a torre pode formar uma camada de poeira 56 quilômetros acima da superfície, que pode ser mais larga que os Estados Unidos continentais.

A nuvem esbranquiçada na parte esquerda inferior da foto é uma torre de poeira flagrada em 30 de novembro de 2010 pela MRO na superfície de Marte. Crédito: Nasa/JPL-Caltech/MSSS
Instrumentos específicos

As descobertas recentes sobre as torres de poeira são cortesia da missão Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) da Nasa, liderada pelo Laboratório de Propulsão a Jato (JPL, na sigla em inglês) da agência. Embora as tempestades globais de poeira cubram a superfície do planeta, a sonda MRO pode usar seu instrumento Mars Climate Sounder com detecção de calor para observar através da névoa. O instrumento foi projetado especificamente para medir os níveis de poeira. Seus dados, juntamente com imagens de uma câmera a bordo do orbital chamado Mars Context Imager (MARCI), permitiram aos cientistas detectar inúmeras torres de poeira inchadas.

As torres de poeira aparecem ao longo do ano marciano, mas a MRO observou algo diferente durante a tempestade de poeira global de 2018. “Normalmente, a poeira cai em um dia ou mais”, disse o principal autor dos dois artigos, Nicholas Heavens, da Hampton University, em Hampton, Virgínia. “Mas durante uma tempestade global, as torres de poeira são renovadas continuamente por semanas.” Em alguns casos, várias torres foram vistas por até três semanas e meia.

A taxa de atividade da poeira surpreendeu Heavens e outros cientistas. Mas especialmente intrigante é a possibilidade de as torres de poeira agirem como “elevadores espaciais” para outros materiais, transportando-os pela atmosfera. Quando a poeira do ar se aquece, cria correntes de ar que carregam gases, incluindo a pequena quantidade de vapor d’água, às vezes vista como nuvens finas em Marte.

Perda de água

Um artigo anterior de uma equipe liderada por Heavens mostrou que, durante uma tempestade global de poeira em Marte em 2007, as moléculas de água foram lançadas na atmosfera superior, onde a radiação solar poderia decompô-las em partículas que escapam para o espaço. Isso pode ser uma pista de como o Planeta Vermelho perdeu seus lagos e rios por bilhões de anos, tornando-se o deserto gelado que é hoje.

Os cientistas não podem dizer com certeza o que causa tempestades globais de poeira; eles estudaram menos de uma dúzia até agora.

“Tempestades globais de poeira são realmente incomuns”, disse o cientista da Mars Climate Sounder, David Kass, do JPL, coautor dos dois estudos recentes. “Realmente não temos nada parecido com isso na Terra, onde o clima do planeta inteiro muda por vários meses.”

Com tempo e mais dados, a equipe da MRO espera entender melhor as torres de poeira criadas nas tempestades globais e que papel elas podem desempenhar na remoção de água da atmosfera do Planeta Vermelho.