O limite de aquecimento global de 1,5°C, considerado a melhor opção no Acordo de Paris, em 2015, pode ser atingido em menos de uma década. A perspectiva pessimista foi levantada pelos pesquisadores australianos Benjamin Hanley e Andrew King, da Universidade de Melbourne, em artigo publicado em maio na revista Geophysical Research Letters. Para quem não se lembra, no documento de Paris o mundo assumiu o compromisso de estabilizar o aquecimento global num nível “bem abaixo de 2°C” e “envidar esforços para limitar o aumento de temperatura em 1,5°C”.

Segundo o estudo de Hanley e King, baseado em projeções de computadores, o aumento de 1,5°C pode ser alcançado entre 2025 e 2027 caso um ciclo natural, a Oscilação Interdecadal do Pacífico (IPO, na sigla em inglês), inicie sua fase quente. A IPO pode seguir rumo oposto e entrar numa fase fria, mas isso não adia muito o problema: o aquecimento de 1,5°C seria superado entre 2030 e 2031. Fenômeno de causas desconhecidas, a IPO pode durar de 10 a 40 anos.

Em cada uma dessas fases, as temperaturas do Oceano Pacífico na altura dos trópicos sobem ou descem mais de modo anormal, acarretando acelerações ou retardamentos do aquecimento relacionado aos gases do efeito estufa. Durante quase todos os anos deste século, estima-se que a oscilação esteve na fase fria, o que poderia explicar por que desde 1998 as temperaturas do planeta subiram bem menos do que as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera.­

Mares mais altos

Inicie a IPO a etapa quente ou fria, porém, a certeza é que a Terra vai começar a trilhar uma rota climática não vista há milhões de anos, na qual o convívio com eventos extremos (como secas, ondas de calor e tempestades) será bem mais frequente. A elevação da temperatura também aumenta o risco de colapso nas calotas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental, o que poderá levar o nível dos mares a subir mais de um metro até 2100. Foi o risco de elevação considerável desse nível que levou os países insulares do Pacífico – ameaçados de sumir do mapa – a pressionar os demais por um acordo mais ambicioso em Paris.

Na ocasião, pela falta de evidências científicas de como seria um mundo com aumento médio de temperatura de 1,5°C, foi encomendado um relatório a esse respeito ao Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da ONU, com entrega programada para 2018. Esse relatório serviria como base para a revisão das metas nacionais (NDCs) do acordo do clima, um processo que ocorrerá a partir de 2023 para tentar ampliar o corte de emissões dos gases de efeito estufa. A pesquisa australiana, porém, indica que as conclusões do IPCC deverão chegar tarde demais.

“É possível que uma fase negativa da IPO desde a virada do século tenha amortecido os impactos do aquecimento global sobre eventos extremos, como ondas de calor”, escrevem Henley e King no estudo. Para eles, porém, o grande El Niño de 2015 e 2016, responsável pela quebra sucessiva de dois recordes de temperatura do mundo, indica que existe muito calor acumulado na superfície do Pacífico na região dos trópicos, o que aponta para uma fase quente da IPO. Consequência: aquecimento substancial nos próximos 10 ou 20 anos. E a necessidade de esforços multiplicados para superar um problema que, se não criou, a própria humanidade tem feito o possível para aumentar.