Aprimeira ferramenta de mensuração das emissões de gases de efeito estufa na agropecuária, o GHG Protocol Agropecuária, acaba de ser lançada no mercado, desenvolvida por uma parceria do World Resources Institute (WRI) com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Universidade de Campinas (Unicamp). O instrumento oferece diretrizes, parâmetros e um programa específico para medir as emissões em empresas rurais, auxiliando a gestão do agronegócio e a expansão da agricultura de baixo carbono em novos mercados. Na prática, funciona como um termômetro de carbono.

Após dez anos de controle da febre de desmatamento da Amazônia (que chegou a desmatar 29 mil km2 num ano, em 1995), a agropecuária virou a segunda maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEE) no país. Em 2012, o Brasil perdeu para a Indonésia o título constrangedor de campeão mundial do desmatamento, mas é o sétimo maior emissor de GEEs e assumiu compromissos globais para reduzir as emissões e preservar o clima e os recursos naturais, no âmbito do Protocolo de Kyoto.

O GHG Protocol é a ferramenta voluntária de gestão de gases-estufa mais usada no mundo, mas seus parâmetros foram estabelecidos em países de clima temperado. Talvez por isso, entre as 106 empresas brasileiras que já o adotam e publicam inventários de emissões regularmente, há apenas uma do setor de “agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura”. Agora, esse quadro pode mudar. 

Um grupo poderoso de exportadores – JBS Friboi, Duratex, Grupo Maggi, Marfrig, BP Biofuels e Bunge – ajudou a testar os critérios e os parâmetros para definir uma ferramenta de gestão de emissões para a agricultura tropical, considerando seus diferentes biomas, práticas de adubação e os tipos de pastagem do país. “A JBS foi convidada pelos fundadores do GHG, que sentiram a necessidade de criar uma metodologia exclusiva para o Brasil, baseada na agricultura e na pecuária de clima tropical”, confirma Márcio Nappo, diretor de sustentabilidade do grupo. “Sozinho, o setor já responde por um terço das emissões de todo o país”, ressalta.

De fato, “o Brasil consolidou-se como celeiro fornecedor de alimentos ao mundo, mas ao mesmo tempo estamos entre os maiores emissores de gases de efeito estufa”, ressalta Rachel Biderman, diretora do WRI-Brasil. “Considerando a redução das emissões com mudanças do uso da terra, devido à queda do desmatamento, a agropecuária está se tornando uma das maiores fontes de emissões e já produz 29,7% do CO2 bruto do país” (veja quadro acima). Neste ano é provável um novo recorde na produção de grãos e oleaginosas (como algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo). 

Controlar as emissões de GEE é um imperativo para sustar o aquecimento do planeta e expandir as exportações para a Europa e os Estados Unidos. Além disso, a gestão de emissões de gases proporciona aumento de competitividade das empresas, controle de riscos operacionais e de reputação, identificação de oportunidades de redução e sequestro de emissões, venda de créditos de carbono, conservação de energia, melhorias na qualidade do solo e no uso da água e aumento geral de produtividade. 

É importante, entretanto, que o sistema não se torne mais uma burocracia intransponível para o produtor rural. “Acho difícil, porque é fácil de usar. Trata-se de uma planilha Excel com 15 perguntas, baseadas no inventário de gases do Ministério de Ciência e Tecnologia, adaptadas para a realidade da nossa agricultura”, afirma o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa, que ajudou a formatar o termômetro de carbono agrário. “O fazendeiro vai respondendo e no final sabe quantas toneladas de CO2 produz ou sequestra.”

Várias práticas agropecuárias são geradoras de emissões. “Tem a fermentação entérica dos animais (a flatulência, produtora do gás metano), o cultivo do arroz, a queima de resíduos, a preparação dos solos com fertilização de nitrogênio e o cultivo de organossolos”, explica Biderman. “Também há emissões relativas a atividades associadas, como produção de energia e conversão de uso do solo, de floresta para pastagem ou de um tipo de lavoura para outro.”

Fronteira tecnológica

Poucos países no mundo estão em condições de atender à demanda crescente de alimentos num planeta que terá 9 bilhões de habitantes, em 2030. “O Brasil pode aumentar a atual colheita de 193 milhões de toneladas de grãos para 350 milhões, em 2050, sem desmatar nem mais um hectare”, afirma Assad. “Basta intensificar a agricultura, integrar lavoura, pecuária e floresta e disseminar o plantio direto.” O país já  desmatou cerca de 150.000 km2 de florestas, em parte cultivados e em parte degradados.

Hoje, as fronteiras agrárias estão no Vale do Araguaia, em Mato Grosso, onde pastagens exauridas estão sendo substituídas por lavouras de soja e milho, e no chamado Bamatopi, a área de Cerrado da Bahia, Maranhão, Tocantins e Piauí, que já responde por 10% da soja e 15% do milho produzidos no país. Pelo menos 50 mil km2 de pastagens degradadas podem abrigar sistemas integrados de lavoura- pecuária-floresta com tecnologia de sustentabilidade. “A agricultura sustentável é o maior aliado do meio ambiente. Podemos produ- zir mais com sistemas agroflorestais e preservar o que resta da Amazônia e do Cerrado”, diz Assad. 

Para os especialistas, a diversifi cação e a integração da produção agrícola, pecuária e florestal numa mesma propriedade, em rotação ou em cultivo consorciado, são a fronteira do aumento da competitividade no campo. Nos últimos 20 anos, as safras têm crescido mais do que o espaço ocupado por culturas, melhorando a produtividade do setor. Em Mato so, a Embrapa Agrossilvipastoril está calculando as emissões de GEEs dos vários sistemas de integração possíveis – lavoura-pecuária, lavoura-floresta, floresta- pecuária e lavoura-pecuária-floresta – para quantificar a cobrança de créditos de carbono. “Só na Amazônia já temos 19 sistemas agroflorestais formatados com rotação de grãos, pastagens e plantio de árvores definidos”, diz Assad. “O que nos falta é transferir tecnologia para o produtor e para a agricultura familiar, para além da classe média rural e das grandes empresas.” 

Para tanto, o governo lançou, em 2010, o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC), que oferece subsídio e financiamento a juros baixos (4,5% ao ano), no Banco do Brasil e no BNDES, para recuperação de pastagens degradadas, integração lavoura- pecuária-floresta, reflorestamento e redução das emissões de carbono. Vinte mil contratos já foram assinados. A meta é chegar a 70 mil.

Em maio, foi regulamentado o funcionamento da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) – a sucessora da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), extinta pelo governo Collor, em 1990, com a demissão – e o desperdício – de 1.500 extensionistas rurais. A missão da Anater é alavancar a assistência técnica rural e coordenar o Plano ABC. Mas a agência ainda está longe de funcionar, embora já tenha uma sede construída, em Jaguariúna (SP). Nem a diretoria foi nomeada.

Vanguarda ambiental

Ninguém duvida que a agricultura de baixo carbono possa aumentar  a vantagem competitiva do agronegócio tropical. Enquanto a Europa considera novidade o plantio direto (o sistema de manejo do solo que mantém os resíduos vegetais na superfície, garantindo fertilidade e proteção contra erosão), no Brasil ele já é a norma. Em junho, a revista americana Proceedings of the National Acadea m b i e n t e my of Sciences publicou um estudo afirmando que ao diminuir a aragem de terra (tornando- a mais clara e capaz de refletir a luz do sol), o sistema retém o carbono no solo e diminui a temperatura local em até 2ºC. “Eles estão muito atrasados”, observa Assad. “No Brasil, mais de 50% das propriedades já praticam formas de plantio direto para preservar o solo e controlar pragas.”

Em Chapadão do Céu, em Goiás, Carine Schneider, diretora do Grupo Wink, contou à PLANETA que sua empresa começou a fazer plantio direto em 1991 e logo avançou para a integração lavoura-pecuária. “Acoplamos uma caixa nas plantadeiras John Deere para, no momento em que plantamos milho, na entrelinha de uma carreira para outra, liberar semente de capim e plantar pastagem. Antigamente, as sementes eram lançadas ao solo de avião, mas o nosso sistema é muito mais eficiente.”

A Wink está interessada no GHG Protocol Agropecuário, mas teme pela sua operacionalidade. “Precisa ser algo claro, palpável e não burocrático. Precisamos aprender a inserir essa ferramenta em nossas atividades. Mas a renda dos créditos deve ficar mais na mão de quem trabalha para isso: o produtor,” ressalta.

A empresa inscreveu quatro projetos no Plano ABC. “Encaminhamos mais dois este ano. Com os recursos, melhoramos nossos pastos, ampliamos a área de integração lavoura-pecuária e corrigimos melhor o solo, aumentando a produção”, afirma Schneider. “Acho que podemos avançar no mercado mundial porque teremos mais produto para comercializar produzido de maneira ambientalmente correta e economicamente mais viável.” 

O grupo Bunge, que atua com mais de 16 mil fornecedores no Brasil, dispõe de certificações ambientais nas áreas de biodiesel e de soja, mas os parâmetros e as metas não refl etiam a realidade da sojicultura brasileira. “Agora temos diretrizes feitas no Brasil, que vão acelerar a gestão agrícola para adequação a nichos mais exigentes do mercado”, ressalta Rodrigo Spouri, especialista em sustentabilidade do grupo.

André Nassar, diretor da consultoria Agroícone, acha que a ferramenta facilitará a produção rural. “A inovação não está no instrumento, mas na perspectiva de o setor começar a utilizar as emissões como fator de performance. É importante ter fornecedores de carne, cana-de-açúcar e soja com garantias de legalidade e conformidade ambiental. Quem emite menos deve ser premiado.” Rachel Biderman lembra que há disposição internacional para definir um novo acordo mundial com metas de redução de emissões na COP- 21, marcada para 2015, em Paris. “Daqui a dois ou três anos o Brasil pode aprovar leis de redução de emissões que afetem o agronegócio. O produtor rural que fizer antes a lição de casa sobre a sua pegada de carbono terá uma vantagem considerável.” 

A oportunidade está diante das empresas. Enquanto a Europa, apesar de possuir solos mais férteis, produz durante seis meses do ano, a agricultura tropical proporciona três colheitas e “safrinhas” durante o ano inteiro. Com a agricultura de baixo carbono, a vantagem tecnológica será intensificada. Num primeiro momento, o termômetro de GEE do campo poderá ser útil para 1 milhão de proprietários rurais médios e 500 mil grandes produtores.  Mas se chegar à agricultura familiar o patamar cresce. Há 5,6 milhões de propriedades rurais no país. 

 

 

 

Comida para o mundo

Em 2013 o agronegócio exportou US$ 100 bilhões e importou US$ 17 bilhões. O saldo positivo de US$ 83 bilhões ameniza o déficit comercial do país e estabiliza a economia. Este ano, a safra de grãos atingiu 193 milhões de toneladas. Em três décadas, ela deverá crescer 40% para atender à demanda de alimentos de um mundo com 9 bilhões de pessoas. Veja, ao lado, o que o Brasil produz e quem compra.