Apesar de tantos malfeitos, a raça humana ainda merece um crédito de confiança: segundo um estudo internacional publicado na revista “Science”, a maioria das pessoas que pegaram uma carteira extraviada com dinheiro procurou devolvê-la ao proprietário.

O teste começou com um assistente da pesquisa na Finlândia.  Ele ia ao balcão de um grande local público, como um banco ou uma agência dos correios, e entregava algumas carteiras com quantias diferentes de dinheiro.

“Atuando como turista, ele mencionava que havia encontrado a carteira do lado de fora e pedia aos funcionários que cuidassem dela”, diz o economista americano Alain Cohn, da Universidade de Michigan, principal autor do estudo.

Os pesquisadores pensaram inicialmente que colocar dinheiro nas carteiras faria com que o número de pessoas que as devolveriam seria menor, porque sua recompensa seria maior. Essa era também a opinião de 279 renomados economistas ouvidos previamente.

 

Tendência à devolução

As expectativas iniciais, porém, foram contrariadas. “As pessoas se mostravam mais propensas a devolver a carteira quando ela continha uma quantia maior de dinheiro”, diz Cohn. “No começo, quase não conseguimos acreditar e dissemos ao assistente para triplicar a quantia de dinheiro na carteira. Mas, mais uma vez, encontramos a mesma descoberta intrigante.”

Os pesquisadores decidiram então montar uma equipe que deixou mais de 17 mil carteiras “extraviadas” em 40 países durante mais de dois anos. Os artigos “perdidos” eram praticamente os mesmos: um pequeno estojo claro contendo alguns cartões de visita, uma lista de compras no idioma local e uma chave.

Algumas carteiras não continham dinheiro; em outras havia o equivalente a cerca de US$ 13. Assistentes da pesquisa as entregaram nos lugares em que as pessoas costumam levar uma carteira encontrada no chão, como delegacias de polícia, hotéis, agências do correio e teatros.

 

Números semelhantes

Os números obtidos no mundo foram basicamente os mesmos do início. No geral, quando a carteira não continha dinheiro, o índice de tentativa de devolução foi de 40%. Já se a carteira estava com algum dinheiro, a taxa subiu para 51%.

Em 38 dos 40 países, os indivíduos eram mais propensos a relatar o recebimento das carteiras com dinheiro do que as que não tinham valores. Nos outros dois, a redução nas taxas de relatórios para as carteiras com dinheiro não foi estatisticamente significativa.

O Brasil aparece na parte de baixo do levantamento, na 26ª posição – atrás de Argentina, Portugal e Chile, e à frente de México e Peru.

Os pesquisadores ressalvam que, por razões logísticas, a maioria das carteiras não lhes foi literalmente devolvida. Depois que as pessoas relatavam por e-mail ao suposto proprietário ter encontrado seu artigo extraviado, eram informadas de que o proprietário havia deixado a cidade e não precisava mais dele.

 

Dinamarca e Suécia na ponta

Observou-se uma grande variedade de índices entre os países do experimento. No caso de carteiras com as maiores somas, os mais honestos estavam na Dinamarca, na Suécia e na Nova Zelândia; na outra ponta, as taxas de devolução na China, no Peru, no Cazaquistão e no Quênia variaram entre 8% e 20%.

Um teste foi feito também com valores maiores nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Polônia. Nessa fase do experimento, a equipe trabalhou com carteiras contendo quase US$ 100.

Segundo Cohn, os resultados então foram ainda mais dramáticos. “A maior taxa de notificação foi encontrada na condição em que a carteira continha US$ 100”, diz. O índice, nesse caso, subiu para 72%.

 

Prevalência da honestidade

Os resultados do estudo podem ajudar os formuladores de políticas e empresas que querem descobrir o que motiva as pessoas a agir para o bem dos outros, e não para seu próprio enriquecimento.

“O efeito não apenas contradiz o pensamento econômico racional, mas é surpreendente”, declarou Shaul Shalvi, economista da Universidade de Amsterdã, ao jornal “The Guardian”. “Os resultados mostram como a honestidade cívica prevalece e levantam muitas questões, como a forma como os ambientes podem ser criados para promovê-la.”

Cohn arremata: “O que nosso estudo sugere é que pode haver um potencial para promover um comportamento honesto, em primeiro lugar, fazendo com que os danos que seu comportamento possa impor às outras pessoas sejam mais evidentes”.