Ian Stevenson (1918-2007), professor da Universidade da Virgínia e até hoje considerado o maior pesquisador da reencarnação pelo viés científico, concluiu sua última viagem para pesquisar casos do gênero em 1999, há 20 anos. O jornalista Tom Shroder, que trabalhou no diário “The Washington Post”, acompanhou Stevenson nessa jornada, que envolveu pesquisas na Índia, no Líbano e nos Estados Unidos. Shroder contou suas experiências nessa área no livro Almas Antigas, lançado em 1999 (publicado no Brasil pela editora Sextante). Na entrevista a seguir, concedida a Fátima Afonso e publicada originariamente em PLANETA 345 (junho de 2001), Shroder fala sobre o que o levou a se juntar a Stevenson naquela viagem de despedida.

 

Você começou a se interessar pela reencarnação em 1988, quando escreveu um artigo sobre o dr. Brian Weiss para a “Tropic”, revista dominical do jornal “Miami Herald”. O que exatamente chamou sua atenção para o tema?

Na qualidade de jornalista, eu achei a entrevista do dr. Weiss interessante, mas não como alguém que queria acreditar em reencarnação. Weiss era um respeitado médico, que detinha uma posição de destaque na comunidade médica local, e fiquei intrigado que ele estivesse propondo algo tão radicalmente fora dos parâmetros médicos. Ele acreditava que, sob hipnose, alguns de seus pacientes haviam relatado autênticas passagens de vidas passadas. Achei que ele era muito inteligente, uma pessoa sincera. Mas não dei muita importância a seus casos como evidência de reencarnação.

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Por sua natureza, a hipnose é um convite à fantasia, e nada que esses pacientes diziam poderia deixar de ser facilmente explicado como sendo fantasioso, utilizando-se o material de livros, filmes e a imaginação para criar histórias de vidas passadas sugeridas pelo hipnotizador. Nos relatos dos pacientes, faltou alguma evidência de que o que diziam não poderia ser conhecido por meios normais.

 

“Achei muito mais interessante o trabalho de
Stevenson do que o de Brian Weiss”

 

Depois de se sentir atraído pelo assunto, você chegou à conclusão de que deveria procurar Ian Stevenson, psiquiatra canadense mundialmente famoso por suas pesquisas na área da reencarnação. No entanto, levou dez anos para fazer isso. Por que esperou tanto tempo?

Pesquisando a história do dr. Weiss, encontrei por acaso o trabalho do dr. Ian Stevenson, que achei muito mais interessante do que aquilo que o psiquiatra americano estava fazendo com a hipnose. Os casos de Stevenson remetiam diretamente para a fraqueza de evidências nos casos de hipnose.

Por um lado, os pacientes muitas vezes começavam a fazer declarações sobre possíveis vidas passadas quando eram ainda muito pequenos, logo que podiam falar uma palavra compreensível. Em alguns casos, antes dos 2 anos. Nessa idade, a exposição do paciente a livros, filmes, educação, viagem ou outra experiência que poderia ter fornecido informações sobre as vidas de estranhos que morreram era extremamente limitada. Por outro lado, as vidas que eles pareciam estar narrando não estavam no passado distante, mas no recente, tornando os indivíduos a que se referiam – seus amigos e parentes da encarnação anterior – mais fáceis de definir, localizar e, em alguns casos, entrevistar.

Isso permitia a Stevenson conferir as afirmações feitas pelas crianças sobre a vida da personalidade anterior com as memórias e recordações escritas da pessoa ainda viva. Eu sentia vontade de ver com meus próprios olhos como Stevenson conduzia essa pesquisa e observar, em primeira mão, a natureza e a qualidade da investigação. Mas eu tinha uma revista para editar e outro livro para escrever; quando percebi, os anos haviam se passado.

 

“Muitas vezes, ele não queria sequer
parar para o almoço”

 

Quando ouvi falar de Stevenson pela primeira vez, eu sabia que ele já estava com uma idade avançada e, na época em que decidi ir adiante com a ideia, achei que ele poderia ter se aposentado ou, possivelmente, que já tivesse falecido. Mas telefonei para seu escritório e ele próprio atendeu o telefone. Sua primeira reação foi me dizer que apreciava meu interesse, mas não poderia me ajudar, pois já havia dado um número suficiente de entrevistas. De fato, levei quase dois anos antes de conseguir persuadi-lo a me deixar acompanhá-lo nas suas viagens.

Stevenson: energia inesgotável. Crédito: Divulgação

Entre 1998 e 1999, você passou vários meses acompanhando Stevenson no estudo de casos de reencarnação no Líbano, na Índia e nos Estados Unidos. Quais as maiores dificuldades que encontraram para desenvolver esse trabalho?

Viajar pela Índia e pelo Líbano pode ser complicado, desconfortável e até perigoso. Todas essas coisas eram ainda mais verdadeiras mais de quatro décadas anos atrás, quando Stevenson começou sua pesquisa. Então vi, em primeira mão, a sua dedicação em perseguir centenas de casos pelo mundo, durante tanto tempo. Quando nós estávamos numa jornada científica, durante sete dias da semana, começávamos a trabalhar com os primeiros raios da manhã e parávamos, frequentemente, tarde da noite. Muitas vezes, Stevenson não queria sequer parar para o almoço. Não demonstrava cansaço e era duas vezes mais velho do que eu.

Em termos de trabalho propriamente dito, a parte mais difícil era seguir a pista de todas as testemunhas e fazer com que aceitassem dar longas entrevistas. As pessoas estavam espalhadas em áreas remotas, eram conhecidas só pelo primeiro nome ou profissão, sendo hostis ou indiferentes. Elas tinham ouvido crianças fazer declarações sobre personalidades passadas ou conheciam o falecido e poderiam atestar a verdade ou a falsidade do que a criança afirmava.

Outra dificuldade desses casos é que, por sua natureza, em geral ninguém, exceto a família envolvida, conhecia os fatos relatados pela criança até depois que se descobriam os parentes da sua personalidade anterior, aqueles sobre os quais ela falava.

Porém, quando Stevenson tomava conhecimento do caso, as duas famílias, às vezes, já tinham se encontrado e, portanto, seu testemunho estava, de alguma forma, contaminado, pois haviam tido a oportunidade de ouvir as histórias uns dos outros. Há um ou dois casos, entretanto, em que Stevenson encontrou crianças fazendo declarações antes que suas famílias pudessem identificar sua personalidade anterior, e ele próprio estava presente quando isso ocorreu.

Dos casos que observou, qual o que mais lhe impressionou?

É importante notar que nem um único caso poderia comprovar qualquer coisa além das dúvidas, porque não importa quão bem o caso fora investigado para eliminar a possibilidade de fraude, autoengano, ou algum método normal pelo qual a criança poderia aprender coisas sobre um falecido estranho. Tais possibilidades nunca puderam ser completamente eliminadas.

De fato, dada a extraordinária natureza das coisas – que exigiam não só a existência da alma independente do corpo físico, mas um meio de transferi-la de um corpo para outro –, é preciso aceitar que um único caso é resultado de causas normais. Mas quando se tem dezenas e até centenas de casos, todos bem inspecionados e que parecem falar de um conhecimento paranormal por parte da criança, cada caso individualmente convincente tem mais sentido.

 

“Uma menina de classe média começou a falar
da vida que teve como mulher rica”

 

Dito isso, quem sabe o melhor caso que eu encontrei foi o de uma mocinha de classe média que, quando ainda criança, começou a falar sobre a vida de uma rica mulher de uma grande família com sete irmãos, de seus próprios filhos e de um marido que ela adorava. Essa menina citou o nome de todos os irmãos, dos seus filhos e do marido. Deu o nome da cidade onde “viveu” e até citou o número de telefone antes de sua família ter confirmado os nomes ou a existência da cidade.

Quando eles descobriram a família da qual a menina parecia falar, a notícia chegou aos parentes da mulher falecida, e seus filhos vieram ver a garota. Uma das primeiras coisas que ela disse às filhas da falecida foi: “Seus tios dividiram minhas joias entre vocês conforme eu pedi?”

As filhas ficaram chocadas, pois só a família sabia que, quando estava no leito de morte, a mãe havia pedido a seus irmãos que dividissem as joias entre elas. Esse testemunho é especialmente valioso porque a família da morta não acreditava em reencarnação. De fato, a existência da pequena garota assegurando que era a mãe falecida tinha lhes causado uma enorme perturbação. Mas, apesar disso, eles confirmaram para nós que a menina conhecia coisas sobre sua mãe que ninguém fora da família sabia.

Nos últimos 40 anos, Stevenson conseguiu fortes evidências da reencarnação entre as pessoas que pesquisou. Que argumentos os cientistas têm para continuar ignorando o seu trabalho?

No que diz respeito à maioria dos cientistas, Stevenson não está mesmo na tela do radar. Seu trabalho é simplesmente como uma ciência “periférica”, não sendo visto com seriedade. Os que consideram o seu trabalho seriamente, o suficiente para criticá-lo, geralmente dizem que Stevenson está sendo enganado pelas pessoas, que está tão interessado em provar que os casos são autênticos que não enxerga sinais óbvios de fraude ou ainda que fez perguntas importantes e desprezou as provas contrárias.

Mas nenhum de seus críticos examinou casos semelhantes ou reinvestigou os casos pesquisados por Stevenson. Por isso, como um jornalista independente, senti que era importante que eu acompanhasse pessoalmente esses casos.

 

“Nenhum colega de Stevenson tem tanta energia
e desenvolvimento mental quanto ele”

 

Existe alguém preparado para dar continuidade às pesquisas de Stevenson?

Stevenson possui vários colegas que têm feito algumas investigações. Mas acho oportuno dizer que nenhum tem tanta energia, desenvolvimento mental ou recursos disponíveis quanto ele teve.

No início da sua viagem para o Líbano, você se mostrava uma pessoa bastante cética em relação à possibilidade de outra existência após a morte do corpo físico. Você se definiria hoje como um reencarnacionista?

Penso que o que mudou em mim é que, hoje em dia, estou muito mais ciente a respeito de como sabemos pouco sobre os fatos básicos de nossa consciência e da natureza de nossa própria personalidade. Apesar de todos os progressos em neurologia e inteligência artificial, ninguém está perto de explicar aquela sensação básica que todo homem tem de ser consciente, de ser uma personalidade individual dotada de livre-arbítrio. Se não conseguimos identificar a fonte da qualidade humana mais básica, por que deveríamos nos surpreender com o fato de que existem algumas surpresas no que acontece após a morte do corpo físico?

Como jornalista, você pretende continuar fazendo suas próprias investigações nessa área ou considera a reencarnação uma pauta já encerrada?

Vejo a possibilidade de escrever um livro inteiro de um único caso, se um caso bastante rico chamar a minha atenção.

Deixo também o link da Universidade da Virgínia, http://www.healthsystem.virginia.edu/internet/personalitystudies/, dedicado à matéria em questão, bem como ao trabalho desenvolvido pelo dr. Ian Stevenson.