As tomografias computadorizadas são uma ferramenta revolucionária para a arqueologia, e mais um exemplo disso surgiu em um projeto de arqueólogos da Alemanha, Itália e Estados Unidos. Eles faziam tomografias de corpo inteiro nas bem preservadas múmias de 21 crianças e adolescentes do Antigo Egito, guardadas em diferentes instituições, quando depararam com algo inesperado. A descoberta foi relatada em artigo publicado na revista International Journal of Paleopathology.

As múmias eram de pequenos egípcios com idade entre 1 e 14 anos quando morreram; cerca de metade delas tinha no máximo 4 anos. Todas datavam da última fase da civilização faraônica egípcia, sobretudo do Período Ptolomaico (332 a 30 a.C.) e do Período Romano (30 a.C. a 395 d.C.), época em que potências estrangeiras ocuparam o Egito.

Três das crianças mumificadas apresentaram sinais de lesões de pele e infecção. Uma delas, uma menina, que morreu com no máximo 4 anos, mantinha um curativo ainda preso à pele sobre o ferimento.

A múmia que chamou a atenção dos pesquisadores. Crédito: Panzer et. al./International Journal of Paleopathology
Pistas

Os pesquisadores consideram o novo estudo “o primeiro a descrever estruturas visualizadas radiologicamente consistentes com pus seco em múmias egípcias antigas”, e também o primeiro “a demonstrar fisicamente um curativo egípcio antigo original”.

A múmia da menina foi uma das oito recuperadas da Tumba de Aline, aberta em 1892 pelo arqueólogo alemão Richard von Kaufmann no Oásis de Faiyum, a sudoeste do Cairo. O nome do túmulo vem de um de seus ocupantes, uma mulher mencionada na inscrição do túmulo. Sua múmia foi enterrada ao lado de duas meninas, aparentemente suas filhas. Uma delas era a criança com a ferida.

“Isso nos dá pistas sobre como eles tratavam essas infecções ou abscessos durante a vida”, disse Albert Zink, diretor do Instituto de Estudos de Múmias em Bolzano (Itália) e participante do estudo, ao site de notícias Business Insider. “Foi muito emocionante porque não esperávamos. Nunca foi descrito antes.”

Não se conseguiu datar as múmias com exatidão, mas indícios encontrados em textos e na tumba sugerem que as pessoas viveram no século 1 ou 2 d.C. É provável que esses indivíduos tenham morrido separadamente e tenham sido mumificados e enterrados em momentos diferentes. Poderiam também ter pertencido à mesma família.

Segundo os papiros disponíveis hoje, os médicos do Antigo Egito não necessariamente entendiam o motivo por trás de infecções e doenças. Seu conhecimento se originava de tentativa e erro e observação, mas ainda assim eles acumularam muita informação sobre como tratar várias doenças e lesões.

Imagens de tomografia de infecção de tecidos moles na perna da múmia da criança. A tomografia revela uma massa consistente com pus seco (indicado com setas pontilhadas) abaixo do curativo. Crédito: Panzer et. al./International Journal of Paleopathology
Vida após a morte

As bandagens usadas para proteger as feridas da jovem foram identificadas enquanto os arqueólogos realizavam tomografias de rotina de seu corpo. Essas tomografias são usadas para completar os chamados “desembrulhos virtuais” que podem revelar muitos detalhes sobre as características físicas e condições de indivíduos mumificados, os quais só poderiam ser descobertos se as coberturas da múmia fossem completamente removidas.

Zink afirmou que gostaria de examinar mais cuidadosamente as feridas da menina, em parte para aprender mais sobre os procedimentos de tratamento médico que os egípcios usavam. “É muito provável que tenham aplicado algumas ervas ou pomadas específicas para tratar a inflamação dessa área”, afirmou ele. “Se o curativo tivesse sido colocado em sua perna antes de ela morrer, teria sido feito em conjunto com esse tipo de tratamento, que teria sido projetado para combater a infecção.”

O fator causador da morte da criança era grave o suficiente a ponto de o tratamento que ela recebeu não ser o bastante para salvar sua vida. Sem poder desembrulhar a múmia, Zink imaginou usar uma agulha de biópsia para coletar uma amostra da área da ferida – um procedimento que não exigiria nenhuma intervenção além da inserção e retirada da agulha – e, assim, obter mais pistas sobre o caso.

O curativo descoberto pode ter sido feito a pedido dos pais da menina, supostamente na expectativa de que a vida da criança continuaria no reino dos mortos. “Talvez eles tenham tentado de alguma forma continuar o processo de cura para a vida após a morte”, sugeriu Zink.