Em dezembro passado, foi sancionada a Lei 12.551, que prevê a extensão das normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) tanto para os funcionários que trabalham no estabelecimento do empregador quanto para os que exercem funções a distância, desde que haja uma relação formal de emprego. A lei representa um reconhecimento e um incentivo ao teletrabalho, a tendência cada vez mais presente no mercado nos dias de hoje, que se expande cerca de 10% ao ano.

Trabalho flexível ou trabalho remoto, o teletrabalho é o modelo em que o empregado pode trabalhar em qualquer lugar fora da empresa, atendendo aos demais funcionários ou clientes, de modo não presencial, durante um ou dois dias, ou mais, ou todos os dias úteis. Muitas empresas de grande porte já o adotaram. Entre elas estão a fornecedora de serviços de refeições corporativas Ticket, com 150 funcionários em home office, todos os dias da semana, e a fabricante global de produtos de higiene Kimberly- Clark, que já mandou 300 empregados trabalhar em casa, pelo menos uma vez por semana.

Trabalho a distância não significa praticar o ofício em casa. Os profissionais usam tablets, laptops e smartphones, que permitem trabalhar de outros locais, como aeroportos, restaurantes, no parque ou na beira da piscina. “Praticamente toda área que analisa, produz e manipula informação pode ser teletrabalhável”, observa Álvaro Mello, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt).

O crescimento do home office é um fato. O trabalho remoto já é mais presente nas áreas técnicas (56%), comercial e de vendas (47%), administrativa (44%) e de atendimento ao cliente (31%), segundo o estudo O trabalho flexível nas empresas, do Centro de Estudos de Teletrabalho e Alternativas de Trabalho Flexível, da Business School São Paulo. A pesquisa consultou 236 empresas e 150 trabalhadores, sendo 75 teletrabalhadores. Uma em cada três empresas que adotaram o modelo apresenta indicadores de satisfação. Melhoria na qualidade de vida, ganho de tempo, flexibilidade e redução do estresse são os pontos positivos mais destacados.

Edna Bedani, da Ticket: aumento de vendas com fechamento de filiais.

Deu certo

A Ticket é um caso exemplar. A fim de aumentar sua produtividade e diminuir o custo operacional, eliminou todas as filiais. Hoje, os setores de vendas regionais operam de casa. Com a medida, em cinco anos, a empresa economizou R$ 3,5 milhões em custos fixos.

“Como não temos mais filial física, não há imóvel, impostos, aluguel, nada disso. O que aumentou o volume de vendas foi o fato de o funcionário, em vez de ir ao escritório, otimizar o tempo e ir direto ao cliente”, declara Edna Bedani, diretora de RH da Ticket. O projeto começou em 2000 e, cinco anos depois, as filiais começaram a ser fechadas. Grande parte dos processos foi centralizada na matriz, em São Paulo, para que as filiais tivessem maior autonomia e foco em vendas.

Hoje, a empresa fornece laptop, smartphone, impressora e uma verba para o empregado montar o escritório em casa. Além disso, paga uma porcentagem das contas de luz e de internet. Os demais benefícios, como transporte e alimentação, são mantidos, de acordo com a necessidade do funcionário. “Na área de vendas, eles têm Ticket Restaurante. A gente pode até falar ‘puxa, mas ele almoça em casa’, mas nem sempre isso acontece. Às vezes, ele está no cliente e utiliza o benefício”, relata Edna.

Sala de reunião de office residence do projeto Jardim D’Roma, em Maringá (PR).

Ieda Maria da Silva, gerente de vendas da regional Centro-Norte, trabalha em home office há quatro anos. Antes de começar, participou de reuniões e recebeu orientações sobre o novo modelo de trabalho. Hoje, garante que tudo é uma questão de adaptação e disciplina. Para trabalhar no lar, por exemplo, há uma série de etiquetas. Não ligar ou mandar e-mail tarde da noite é uma delas.

Para uma boa interação com a equipe, Ieda telefona regularmente para seus funcionários e marca encontros semanais com aqueles que moram na mesma cidade. Também promove reuniões bimestrais com todos da sua região. “Tenho uma pessoa em Manaus, uma em Campo Grande, duas em Belém, em Goiânia e assim por diante. Preciso ter o cuidado de estar sempre em contato com eles”, justifica.

Estabelecer metas ajuda a calcular a produtividade. “A empresa precisa se preocupar é com os resultados do trabalho a distância”, afirma Álvaro Mello. “A pessoa cumpre os prazos e apresenta resultado? Isso é o que importa.” O especialista aconselha as empresas a esclarecer que o trabalho em casa não difere do serviço no escritório. É importante o trabalhador saber que está sujeito às mesmas regras dos demais colegas no que diz respeito a avaliações, promoções e punições.

Lar dos autônomos

André e Marina Brik não trocam o home office por nada. Ele é publicitário e ela, jornalista. Trabalham como autônomos e, com o tempo e o dinheiro economizados em trânsito e custos para escritório, atendem mais clientes e, logo, têm mais lucro. “De início, trabalhar em casa era provisório. Mas acabou dando certo. Vi que trabalhando aqui eu rendia muito mais”, conta André.

Quando começou, há nove anos, o home office não era comum. O vizinho, ao ver Marina sair para trabalhar e André em casa, comentou que “os tempos haviam mudado” e que o papel dos dois estava invertido. Três anos depois, Marina viu que a qualidade de vida e a produtividade do marido melhoraram e também resolveu investir no home office.

O casal levanta às 8 horas, toma café, se arruma e vai para o escritório. Ao meio-dia, vai a um restaurante ou almoça em casa. Lá pelas 18h30, Marina fecha o computador e André, às vezes, continua trabalhando. “É rotina normal, só que sem trânsito e com passarinhos cantando”, afirma ele.

O casal adotou uma vida mais saudável e mudou a alimentação. André perdeu nove quilos desde que virou home-officer. Nesse esquema é bem mais fácil praticar exercício. Eles também venderam um dos dois carros, já que só usam para reuniões com clientes e lazer.

A maior vantagem é a flexibilidade. “Você consegue se comprometer com os clientes e administrar o tempo sem ter ninguém na sua nuca”, diz Marina. Em home office é possível sair mais cedo, assim que o trabalho acaba, sem precisar esperar a hora para bater o cartão. Para as mães, é uma boa opção, pois podem estar ao lado dos bebês. Mas vale lembrar que, em alguns casos, pode ser bom contratar uma babá.

É preciso disciplina, planejamento e colaboração dos demais residentes da casa. É obviamente inconveniente, por exemplo, haver um cachorro latindo no quintal enquanto se fala com o cliente. Crianças ou empregadas não devem atender telefonemas profissionais.

O trabalho remoto é um modelo novo e, por isso, é preciso bom-senso, cautela e planejamento. “O cliente não precisa saber se a pessoa está na residência ou o que está ao redor dela, desde que seja bem atendido”, defende Mello.

NÃO PERTURBE!

DESVANTAGENS DO TELETRABALHO

Para os teletrabalhadores a primeira desvantagem é o isolamento. Ter colegas de trabalho é profissionalmente estimulante, graças à troca de experiências. “A saída é você encarar o marido como colega, saber a hora de interromper e administrar os momentos para fazer pausa”, relata Marina. Mas nada impede um happy hour com ex-colegas, ou fazer cursos para se atualizar.

Trabalhar em casa exige disciplina. É preciso impor limites aos amigos, familiares e clientes para que não interrompam o trabalho ou o lazer. Uma das queixas é que os mais próximos não respeitam o “expediente”. Partindo do princípio de que o profissional “está em casa” e “não tem horário fixo”, aproveitam para pedir favores como ir ao mercado ou à lavanderia. Em alguns casos, aparecem no meio da tarde para dar um “oi” e demoram até a madrugada.

Outra preocupação é com a extrapolação do horário de trabalho, que rouba tempo ao lazer e à família. Se, trabalhando na sede da empresa, já existem “horas extras”, no home office a probabilidade de se virar workaholic é ainda maior. “É preciso analisar o perfil do candidato ao teletrabalho. Tanto os indisciplinados quanto os workaholics comprometem os resultados”, alerta Álvaro Mello.

Algumas empresas e clientes ainda relutam. Estão acostumados a um modelo tradicional de trabalho em que os chefes veem o funcionário em ação. No entanto, esse pensamento está mudando. Os custos do deslocamento nas cidades e dos imóveis estão subindo.

“As empresas veem o home office como positivo para o funcionário, porque melhora sua qualidade de vida. Mas também é bom para elas, já que a produtividade aumenta e os custos diminuem”, afirma Mello.

Fomento remoto

Segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, 24% dos brasileiros levam mais de uma hora por dia para ir ao trabalho. Mello prevê que durante a Copa do Mundo de 2014 o trânsito vai piorar. “O teletrabalho pode auxiliar de duas formas. Pode diminuir a necessidade de mobilidade urbana e a quantidade de profissionais contratados para trabalhar, desarmando o problema de falta de espaço para tanta gente”, explica. Seu grupo montou um modelo de teletrabalho, implantado em Vancouver, no Canadá, durante os Jogos de Inverno de 2010, para reduzir o trânsito. “Com o projeto, os canadenses diminuíram o fluxo de carros da cidade e reduziram a emissão de CO2 em 30%.”

André e Marina Brick: mais tempo e e mais lucros.

Outro fator favorável é o advento das “cidades digitais”, os centros urbanos que oferecem serviços públicos e privados em ambiente virtual, infraestrutura de telecomunicação e internet banda larga. Muitas cidades digitais estão surgindo no interior de Estados e, com o acesso à internet, os moradores podem ampliar a empregabilidade, prestando serviços a empresas das capitais sem precisar mudar para lá.

Administrar o próprio tempo, sem controle externo, não é fácil.

Lançado em abril, o Projeto Cidades Digitais, da Secretaria de Inclusão Digital do Ministério das Comunicações, visa estabelecer parcerias entre administração pública federal, entidades da sociedade civil e empresas para criar uma infraestrutura de conexão, instalar pontos de acesso gratuito à internet e formar agentes de inclusão digital.

Dica de Ieda Silva: não envie emails de madrugada.

Uma das referências é a cidade de Lagoa de Três Cantos (RS), a 290 km de Porto Alegre, que recebeu investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para o projeto Digitallagune – Lagoa dos Três Cantos Digital, classificado em primeiro lugar no Programa de Fomento à Elaboração e Implantação de Projetos de Inclusão Digital e Infraestrutura para Cidade Digital no ano passado.

O intuito é oferecer banda larga para estabelecimentos urbanos e rurais. Em fevereiro, foram iniciadas obras para a implantação de uma rede subterrânea de fibra ótica a fim de prover banda larga na zona urbana de Lagoa de Três Cantos. A meta para 2012 é a cidade se tornar a capital nacional do teletrabalho.

VANTAGENS PARA TELETRABALHADORES

Atento à evolução, o edifício Jardim D’Roma, em Maringá (PR), quer ser um dos primeiros a oferecer a office residence: na área comum do prédio, além do espaço de lazer, implantará salas de reunião de vidro com internet. O local servirá para moradores fazerem reuniões e estudarem.

Uma pesquisa da empresa paranaense Beltrame Imóveis mostra que o perfil dos possíveis moradores do condomínio seria o de pessoas sozinhas, recém-casados, estudantes e profissionais de teletrabalho que precisariam de um local para receber clientes e fornecedores. “Recebemos vários elogios. Hoje, já há prédios antigos na cidade criando espaços parecidos”, diz Antonio Beltrame, presidente da imobiliária.

Serviço

As 100 dicas do home office: um guia básico para montar e manter seu escritório em casa. Marina Sell Brik e André Brik (edição dos autores). Site: www.gohome.com.br