A imagem de uma teia de aranha pendurada em uma árvore passa normalmente a ideia de algo estático. A estrutura parece estar ali parada apenas esperando a chegada de uma presa mais desavisada que, nela, ficará mecanicamente enredada até que o predador venha terminar o serviço.

Essa percepção de como funciona a captura de alimentos não é totalmente correta ao menos para um tipo de aracnídeo, as chamadas aranhas construtoras de teias aéreas. Um grupo de pesquisa do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), do campus de Rio Claro, coletou evidências de que a teia de uma espécie comum de aranha de áreas quentes das Américas, Trichonephila clavipes, contém toxinas que atordoam e reduzem os movimentos das presas. Isso facilita o trabalho posterior de aniquilá-las. O projeto foi realizado no âmbito do Programa Biota Fapesp, iniciativa que celebra 20 anos de existência em 2020.

“A teia dessa aranha tem um papel ativo no processo de paralisar e matar a presa por meio de uma série de neurotoxinas que identificamos”, afirma o químico Mario Sergio Palma, do IB, principal autor do trabalho publicado sobre o tema no “Journal of Proteome Research”, em junho. “Essas aranhas vivem sempre no alto das matas, nunca descem ao chão e enfrentam um desafio ecológico interessante. Fazem tudo na teia. Comem insetos vivos que ficam paralisados nas teias por semanas ou até meses, por ação das neurotoxinas.”

LEIA TAMBÉM:

Fios rígidos e viscosos

O alvo mais comum da teia envenenada feita pelas fêmeas de T. clavipes, que medem entre 2,5 e 4 centímetros (cinco a seis vezes maiores  que os machos), são insetos voadores de pequeno porte, como cigarras, libélulas, mosquitos e abelhas.

As aranhas da espécie, comumente encontradas na Mata Atlântica brasileira, costumam montar grandes teias circulares com fios amarelados e altamente resistentes. Enquanto um fio rígido de seda é usado para estabelecer a moldura da teia, outro, mais viscoso e espiralado, é usado na captura da presa. Ele é formado por uma camada externa de seda adesiva revestida por uma película oleosa. Dois tipos de glândulas das aranhas, segundo o estudo, são responsáveis pela produção dessas estruturas. Os fios espiralados saem das chamadas glândulas flageliformes. A camada oleosa é depositada de forma simultânea pelas glândulas agregadas. Elas produzem as gotículas visíveis a olho nu, com neurotoxinas sobre os fios das teias.

No total, os componentes tóxicos encontrados na trama são secretados por sete glândulas abdominais da aranha, também responsáveis pela produção da seda. “As toxinas são mantidas encapsuladas dentro de gotículas oleosas espalhadas por toda a estrutura da teia”, explica a bióloga Franciele Grego Esteves, que faz doutorado sob orientação de Palma e é uma das autoras do estudo.

Os pesquisadores determinaram a assinatura genética das substâncias encontradas na teia e as associaram a estruturas da anatomia das aranhas. “Cada glândula desempenha um papel diferente no momento da montagem da teia por produzir fios para distintas finalidades”, comenta o biólogo José Roberto Aparecido dos Santos-Pinto, outro autor do trabalho, que faz estágio de pós-doutorado no IB. Há fios destinados à proteção dos ovos depositados pela fêmea. Outros servem de auxílio para a aranha fugir de eventuais predadores.

Riqueza de processos

A abordagem do trabalho evidenciou a riqueza de processos envolvidos na estratégia da aranha para capturar presas. As análises indicaram que os compostos tóxicos podem ser letais ou paralisantes. Além disso, a presença de certos tipos de ácidos graxos (gorduras) na teia potencializa a atuação dessas substâncias no interior das presas.

“O uso de um veneno letal para subjugar a presa, em combinação com a composição da teia, facilita a captura. Também permite que a aranha tenha um gasto mínimo de energia durante todo o processo”, diz Palma. A ideia de que todas as aranhas lutam com as presas, portanto, nem sempre tem embasamento científico. “As fêmeas de T. clavipes costumam ficar esperando a teia fazer o trabalho”, comenta o químico da Unesp.

O processo de secreção de toxinas envolvendo as estruturas de fios de seda é feito de forma constante. A aranha faz uma manutenção permanente da teia depois de um vento ou quando um predador maior cai sobre os fios e a danifica.

Caminhos adaptativos

Para o biólogo alemão Fritz Vollrath, da Universidade de Oxford, Reino Unido, que não participou do trabalho do grupo da Unesp, estudos como os feitos com a T. clavipes indicam como os caminhos adaptativos envolvidos nas interações ecológicas são interessantes. “A evolução pode resultar nisso: processos verdadeiramente complexos e multimodais que usam regras muito simples”, diz Vollrath, especializado em entender a estrutura das teias de aranha a partir da zoologia e pesquisador de compostos naturais de seda.

Palma resolveu estudar a estratégia de predação dessa espécie de aranha depois de ter observado o efeito tóxico da trama de fios produzidos por aranhas-tecedeiras em campos de arroz do Japão durante uma temporada de estudos nos anos 1990. “Quando observava uma presa caída na teia, percebia que ela lutava de forma desesperada para escapar, mas não conseguia”, conta o pesquisador da Unesp. “O inseto ficava meio inebriado, como se tivesse entrado em contato com alguma droga. Havia sinais claros de ações neurotóxicas. Suas pernas, por exemplo, não se moviam regularmente.” Desde então, o químico, que estuda proteínas da fauna e da flora brasileira em busca de compostos com potencial de uso terapêutico, incluiu as teias das aranhas entre seus temas de estudo.