Um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica lançado às vésperas do Dia do Tietê (22 de setembro) traz um alerta: o trecho morto do maior rio paulista atingiu 163 km em 2019, 33,6% a mais em relação ao ano anterior (122 km) e muito longe da menor mancha de poluição já registrada na série histórica do levantamento, de 71 km em 2014. Os dados são do relatório “Observando o Tietê 2019 – O retrato da qualidade da água e a evolução dos indicadores de impacto do Projeto Tietê”, divulgado pela Fundação nesta quinta-feira, 19 de setembro.

O estudo indica que a condição ambiental do rio Tietê está imprópria para o uso, com a qualidade de água ruim ou péssima em 28,3% (os 163 km) da extensão monitorada, que totaliza 576 km – de Salesópolis, na sua nascente, até a jusante da eclusa de Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná. O Tietê, maior rio paulista, corta o estado por 1.100 km, desde sua nascente até a foz no rio Paraná, no município de Itapura.

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Nos demais 413 km monitorados (71,7%), o rio apresentou qualidade de água regular e boa, condição que permite o uso da água para abastecimento público, irrigação para produção de alimentos, pesca, atividades de lazer, turismo, navegação e geração de energia. Já o impacto positivo dos investimentos em coleta e tratamento de esgotos nos municípios da bacia fica evidente por meio da redução do trecho com condição de água péssima – contido neste ciclo de monitoramento a uma extensão de 18 km, entre o Cebolão (na confluência dos rios Tietê e Pinheiros) e Barueri.

Impactos variados

Os dados apresentados foram medidos em 99 pontos de coleta monitorados mensalmente, entre setembro de 2018 e agosto de 2019, por 84 grupos de voluntários do Observando os Rios, projeto da Fundação SOS Mata Atlântica que conta com o patrocínio da Ypê e apoio da Sompo. Os pontos analisados estão distribuídos em 73 rios das bacias hidrográficas do Alto Tietê, Médio Tietê, Sorocaba e Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que abrangem 102 municípios das regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas e Sorocaba.

Segundo Malu Ribeiro, especialista em Água da SOS Mata Atlântica, a ampliação da mancha de poluição sobre o rio reflete os impactos da urbanização intensa, da falta de saneamento ambiental, da perda de cobertura florestal, da insuficiência de áreas protegidas e de fontes difusas de poluição, agravados por uma situação hidrológica crítica. Isso porque as chuvas deste período nas bacias do Alto e Médio Tietê registraram volumes 20% inferiores à média dos últimos 23 anos.

Malu Ribeiro explica que, em virtude do menor volume de chuvas, houve redução da carga de poluição difusa, proveniente de lixo e resíduos sólidos não coletados nos municípios, agrotóxicos, erosão e fuligem de veículos, entre outros. Porém, com menor volume e vazão, os reservatórios e rios também perderam a capacidade de diluir poluentes, resultando no agravamento das condições ambientais e na perda de qualidade da água. “Esse problema é um dos fatores que contribuíram para a piora nos índices de qualidade da água na região do Alto Tietê, no trecho da cabeceira, entre os municípios e Mogi e Suzano”, diz.

Espuma e lama

Ela observa também que dois episódios atípicos, registrados nos meses de fevereiro e julho deste ano, após temporais que ocorreram na região metropolitana de São Paulo, agravaram a condição ambiental do rio. “O grande volume de chuvas nesses episódios levou à abertura de barragens e a mudanças operativas no Sistema Alto Tietê, com exportação de enorme carga de poluição, de sedimentos e de toneladas de resíduos sólidos retidos nos reservatórios do Sistema para o Médio Tietê. Por conta disso, a prefeitura do município de Salto retirou mais de 40 toneladas de lixo do Parque Municipal de Lavras e do complexo turístico do Tietê, e ruas foram atingidas por espumas e lama contaminada”, exemplifica.

“Rios e águas contaminadas são reflexo da ausência de instrumentos eficazes de planejamento, gestão e governança. Refletem a falta de saneamento ambiental, a ineficiência ou falência do modelo adotado, o subdesenvolvimento e o desrespeito aos direitos humanos”, complementa a especialista.

Ela destaca também a urgência do aprimoramento de normas que tratam do enquadramento dos corpos d’água, estabelecendo metas progressivas de qualidade da água e excluindo os rios de classe 4 da legislação brasileira – na prática, essa classe permite a existência de rios mortos, pois admite a existência de rios sem limites de diluição de poluentes.

Investimentos

Malu acrescenta que é fundamental ampliar os serviços de saneamento básico e ambiental e investir em serviços baseados na natureza, com a ampliação de áreas protegidas, de parques lineares e de várzeas, integrando essa “infraestrutura verde” à “infraestrutura cinza” (reservatórios e sistemas de recursos hídricos).

No dia 26 de setembro, a Fundação SOS Mata Atlântica realizará evento para debater com o governo do Estado de São Paulo, Sabesp, especialistas e população, estes dados, bem como as metas, ações propostas pelo governo e tecnologias para a despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, os principais rios paulistas. Outras informações sobre o evento podem ser acessadas aqui.