O primeiro aviso veio do espaço: “a Terra é azul”, constatou o cosmonauta soviético Yuri Gagarin, em 1961. Mais recentemente, um novo alerta começou a ecoar do fundo dos oceanos: a mergulhadora e bióloga marinha norte-americana Sylvia Earle advertiu que “sem azul não há verde”. No ano passado, na Rio+20, pela primeira vez, a preocupação com as águas salgadas foi levada à mesa de debates e entrou no documento final da conferência.

Apesar de 70% do planeta ser coberto por água, hoje apenas 2,3% dessa extensão está protegida, segundo relatório de 2012 das ONGs globais Th e Nature Conservancy e World Conservation Monitoring Centre. A meta mundial era ter chegado no ano passado a 10%. Mas os avanços tímidos até 2010 fizeram com que o prazo fosse estendido para 2020. Embora os tipos de unidades de conservação variem, há poucos parques marinhos dedicados à conservação de espécies no mundo. Porém nos últimos anos eles estão proliferando: em 1971, havia 12; em 1985, 23; em 2006, 57; e em 2013, eles já são 88.

A última novidade veio da Austrália, em janeiro. O país-ilha elevou as áreas de proteção marinha a outro nível de escala, oficializando a criação de uma rede de parques marinhos nacionais que somam mais de 2,3 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo um terço do seu território marítimo.

Até 2010, a maior reserva do tipo ficava no arquipélago britânico de Chagos, no Oceano Índico, com 545 mil quilômetros quadrados. Mas, em 2012, as Ilhas Cook (associadas à Nova Zelândia) dobraram essa marca com a expansão do seu parque marinho para 1,1 milhão de quilômetros quadrados (o tamanho do Egito). Quase simultaneamente a Nova Caledônia francesa formalizou a proteção de uma área de 1,4 milhão de quilômetros quadrados. Ambas, entretanto, estão distantes de
concentrações humanas. Esse não é o caso da Austrália e de grande parte dos países, já que cerca de 40% da população mundial vive a até 100 quilômetros da costa, segundo dados de 2012 do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica.

Embora afirme que o impacto da rede de proteção marinha sobre a pesca atinja menos do que 1% do valor da produção das empresas pesqueiras, o governo australiano anunciou subsídios de 100 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 210 milhões) para compensar as companhias afetadas pelas restrições à pesca e à exploração de petróleo e gás. Mesmo assim, milhares de postos de trabalho deverão ser fechados e é possível que o país venha a importar peixes e frutos do mar para suprir sua demanda interna.

“O que a Austrália fez é o melhor exemplo possível de liderança visionária na prática”, disse à PLANETA a maior referência mundial nessa área, a oceanógrafa Sylvia Earle, 77 anos, também conhecida como “Sua Profundeza” (trocadilho com “Sua Alteza”) por suas 7 mil horas de mergulho. “Nenhum outro país tomou ações tão amplas com o objetivo de equilibrar os interesses atuais e a necessidade de agir proativamente para proteger a vida dos oceanos.”

Até recentemente, muitos pensavam que o oceano era grande demais para ser abalado, nota a cientista. Mas o declínio de áreas emblemáticas como a Grande Barreira de Corais, na Austrália, mostrou os sérios impactos que os humanos vêm causando.

“Sabemos, hoje, que os oceanos governam o clima e as condições meteorológicas, que absorvem dióxido de carbono e geram a maior parte de oxigênio da atmosfera, que regulam a temperatura e a química do planeta. Na verdade, nós deveríamos proteger os oceanos como se nossas vidas dependessem dele, porque de fato elas dependem.” Sylvia questiona: se os oceanos são o coração azul da Terra, quanto do nosso coração deve ser protegido? “Será que 10% é suficiente? Ou 20%? Ou 90%?”

Nos últimos 20 anos, a pesca em excesso foi responsável pela redução de 80% de espécies como peixe-espada, atum e vários tipos de tubarão. Segundo a Organização para Agricultura e Alimentação (FAO), da ONU, 70% dos estoques comerciais de peixes estão esgotados, superexplorados, extintos ou em processo de difícil recuperação.

Águas nacionais

Apesar da onda mundial de preservação, o Brasil ainda patina na área. “No governo Dilma Rousseff não houve avanço”, afirma Guilherme Fraga Dutra, diretor do Programa Marinho da Conservação Internacional, organização privada, sem fins lucrativos, que atua em mais de 40 países.

Não faltam opções para a criação de novas áreas de proteção marinha no país. Mais de 20 propostas de âmbito federal estão em estágio avançado, mas dependem de vontade política para ser concretizadas. Todas foram estudadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental do governo brasileiro.

Dos 4,5 mil quilômetros quadrados da costa que integram a zona econômica exclusiva nacional, somente 1,57% está protegido. “Se os projetos já preparados fossem aprovados, chegaríamos a 4,5%. Para alcançar a meta mundial de 10% do nosso território marítimo protegido teremos de fazer, em oito anos, cinco vezes mais do que fizemos nos últimos 30”, diz Dutra.

Hoje existem 102 unidades de conservação marinha no Brasil. Por definição, as unidades de conservação são áreas em que a ação do homem é limitada, seja em terra, seja em água doce ou salgada, mas o termo abrange áreas de vários tipos. As reservas biológicas são as mais restritas do grupo; as únicas atividades permitidas dentro delas são o estudo e pesquisa da biodiversidade. Os parques nacionais são áreas para conservação, estudo, pesquisa e turismo. Já as reservas extrativistas estão liberadas para determinados volumes e formas de pesca e caça. As áreas de proteção ambiental podem ser compostas por território público e privado, com o objetivo de proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos seus recursos naturais.

De todas essas estruturas, os representantes nacionais mais emblemáticos são os Parques Nacionais Marinhos de Abrolhos e de Fernando de Noronha. Localizado no litoral sul da Bahia e cobiçado por interesses de prospecção de petróleo, o complexo de Abrolhos possui o maior banco de corais e a maior diversidade de espécies do Atlântico Sul. Atualmente, dos 900 quilômetros quadrados de sua área total – maior que a extensão do Espírito Santo –, só 1,8% estão sob proteção integral, em forma de parque nacional, principalmente ao redor das ilhas, e 2 mil quilômetros quadrados estão parcialmente protegidos em regime de reservas extrativistas. Entre as propostas de preservação contempladas para a área estão a ampliação do Parque Nacional de Abrolhos e a criação de mais uma APA na região.

Estímulos à pesca

No momento em que a conservação não avança e o controle sobre os estoques de peixes e frutos do mar é deficiente, a indústria pesqueira ganha estímulo no Brasil. Anunciado em janeiro pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), o Plano Safra da Pesca e Aquicultura prevê investimento de R$ 4,1 bilhões até 2014 a fim de dobrar a produção brasileira, atualmente cerca de 1 milhão de toneladas por ano. Segundo dados do ministério, o consumo brasileiro de pescado poderá passar dos atuais nove quilos por habitante/ ano para 13,8 quilos em 2015.

Como garantir que as espécies possam se acasalar, reproduzir-se e alimentar a si e aos seres humanos se o sistema de controle da pesca ainda não encontrou seu eixo? Antes, quando o monitoramento pesqueiro nacional era feito pelo Ibama, por meio de monitores contratados em portos do país, deixava descobertos 85% de pescadores artesanais do Brasil. A partir de 2010, o MPA assumiu essa atividade e adotou outra estratégia, montando uma rede de convênios com ONGs, fundações de pesca e universidades, ao longo da costa. Mas vários repasses foram suspensos em 2012, deixando inoperantes regiões como Norte e Nordeste.

Do lado do governo, a explicação é que alguns parceiros ficaram inadimplentes do ponto de vista administrativo. “Tivemos problemas como prestação de contas e liquidação de notas, entre outras coisas. Mas a questão é muito mais complexa. Talvez não seja a melhor solução entidades não governamentais fazerem o trabalho do governo”, comenta Bruno Mourato, coordenador-geral de monitoramento e informações pesqueiras do MPA. Ele destaca que, mesmo quando todos os parceiros estavam ativos, nem toda a costa brasileira estava coberta.

Na percepção de Tatiana Neves, coordenadora do Projeto Albatroz, mantido pela Petrobras Ambiental, falta coordenar as ações do Ministério da Pesca e do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ela considera positiva a atuação do MMA em temas marinhos, mas acha que falta amadurecimento ao processo no Brasil. “Todo o sistema está interligado. Tudo que acontece no oceano impacta uma gama gigantesca de espécies e de ambientes. Além de ser muito dinâmico, por suas correntes, o mar não tem fronteira.”