O polêmico uso de mídias sociais pelo presidente americano Donald Trump é amplamente conhecido e abundam as teorias sobre seus motivos ocultos. Uma pesquisa publicada na revista “Nature Communications” afirma fornecer a primeira análise baseada em evidências demonstrando que a conta do presidente dos EUA no Twitter tem sido rotineiramente alimentada para desviar a atenção de um tópico potencialmente prejudicial à sua reputação, suprimindo, por sua vez, a cobertura negativa da mídia relacionada a ele.

O estudo internacional, liderado pela Universidade de Bristol (Reino Unido), testou duas hipóteses: se um aumento na cobertura prejudicial da mídia foi seguido pelo aumento da atividade de desvio no Twitter, e se tal desvio reduziu com sucesso a cobertura subsequente da mídia sobre o tópico prejudicial.

Stephan Lewandowsky, professor de Psicologia Cognitiva da Universidade de Bristol e autor principal do artigo, disse: “Nossa análise apresenta evidências empíricas consistentes com a teoria de que sempre que a mídia relata algo ameaçador ou politicamente desconfortável para o presidente Trump, sua conta tuíta cada vez mais sobre tópicos não relacionados que representam seus pontos políticos fortes. Esse desvio sistemático de atenção para longe de um tópico potencialmente prejudicial para ele reduziu significativamente a cobertura negativa da mídia no dia seguinte”.

LEIA TAMBÉM:

Usuário prolífico

A mídia social dá aos líderes políticos acesso direto e imediato aos seus eleitores, oferecendo uma oportunidade de explicar suas ações e propostas políticas em uma escala sem precedentes. Trump é um dos usuários mais prolíficos das redes entre os líderes mundiais. Desde o início de sua candidatura, em 2015, cerca de 30 mil tuítes foram enviados da conta de Trump. Embora relatos anedóticos sugiram que os tuítes serviam para desviar a atenção da mídia de notícias que podem ser consideradas politicamente prejudiciais a ele, as evidências para tal desvio permaneciam infundadas – até agora.

O estudo se concentrou nos primeiros dois anos de Trump no cargo, examinando a investigação do ex-procurador especial Robert Mueller sobre um possível conluio com a Rússia nas eleições presidenciais de 2016, já que isso era politicamente prejudicial ao presidente. A equipe analisou o conteúdo relacionado à Rússia e à investigação de Mueller em dois dos meios de comunicação politicamente mais neutros do país, o jornal “The New York Times” (NYT) e o programa de TV ABC World News Tonight (ABC). A equipe também selecionou um conjunto de palavras-chave que julgou corresponder aos tópicos preferidos de Trump na época, as quais provavelmente apareceriam em tuítes alternativos. As palavras-chave relacionadas a “empregos”, “China” e “imigração” eram tópicos que representavam as supostas forças políticas do presidente.

Os pesquisadores levantaram a hipótese de que quanto mais ABC e NYT relatassem sobre a investigação de Mueller, mais os tuítes de Trump mencionariam empregos, China e imigração. Isso, por sua vez, resultaria em menos cobertura da investigação de Mueller por ABC e NYT.

Pares de palavras

Para apoiar suas hipóteses, a equipe descobriu que cada cinco manchetes adicionais da ABC relacionadas à investigação de Mueller estavam associadas a mais uma menção de uma palavra-chave nos tuítes de Trump. Por sua vez, duas menções adicionais de uma das palavras-chave em um tuíte de Trump foram associadas a aproximadamente uma menção a menos da investigação de Mueller no NYT do dia seguinte.

Esse padrão não surgiu com tópicos “placebo” que não representavam nenhuma ameaça ao presidente – por exemplo, o Brexit ou outras questões não políticas, como futebol americano ou jardinagem.

A pesquisa também realizou uma análise ampliada considerando todo o vocabulário do presidente no Twitter como uma fonte potencial de desvio. Ela confirmou a generalidade das conclusões dos pesquisadores. Especificamente, a análise identificou quase 90 pares de palavras que tendiam mais a aparecer em tuítes quando a cobertura Rússia-Mueller aumentava, e que sufocavam a cobertura da mídia no dia seguinte. Esses pares de palavras representavam amplamente os pontos políticos fortes do presidente, focalizando novamente em particular a economia.

Lembrete útil

Ambas as análises avaliaram uma série de fatores com potencial de causar confusão e fizeram verificações de robustez, como randomização, análises de sensibilidade e o uso de palavras-chave de placebo, para descartar explicações artificiais e fortalecer alegações de possíveis relações causais.

Lewandowsky disse: “Não está claro se o presidente Trump, ou quem quer que esteja no comando de sua conta no Twitter, envolve-se em tais táticas intencionalmente ou se é mera intuição. De qualquer forma, esperamos que esses resultados sirvam como um lembrete útil para a mídia de que eles têm o poder de definir a agenda das notícias, focando nos tópicos que considerem mais importantes, embora talvez não prestando tanta atenção à esfera do Twitter”.